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Empresário ocupa vaga da sociedade civil em conselho da Anatel

A presidenta Dilma Rousseff nomeou, conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), no dia 29, os novos membros do Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A decisão vinha sendo esperada pelo menos desde fevereiro e foi objeto de discussão na última reunião do órgão. A decisão tomada pelo governo desagradou entidades da sociedade civil que se mobilizaram para disputar uma das vagas.

Os escolhidos pelo governo federal foram: Luis Roberto Antonik, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), como representante das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações; Artur Coimbra de Oliveira e Octávio Penna Pieranti, como representantes do Poder Executivo; Fabiano André Vergani, do Sindicato de Empresas de Internet no Rio Grande do Sul (Seinergs), como representante das entidades representativas da sociedade. A decisão em favor deste último é objeto de controvérsia por se tratar de mais um representante das empresas do setor.

De acordo com a advogada Flávia Levefre, membro da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o “Conselho Consultivo já é muito desequilibrado no que diz respeito à representação da sociedade e, ainda assim, insiste-se em colocar representantes dos empresários na vaga da sociedade civil”. Segundo ela, já há um espaço reservado para a representação empresarial e que seria monopolizado pelo setor mais forte. “Se as teles tem relação conflituosa com os provedores, a sociedade não tem nada a ver com isso”, afirma. Esse desequilíbrio, aponta a advogada, se agrava ainda mais pela capacidade dessas empresas influenciarem a política do setor através dos “lobbies”.

Para Marcello Miranda, conselheiro representante da sociedade civil que permanece na outra vaga reservada ao setor, “o governo erra mais uma ao nomear novamente uma pessoa que não representa a sociedade civil”. Diretor do Instituto Telecom, Miranda diz não se tratar de um questionamento dirigido à entidade nem à pessoa, mas à legitimidade na ocupação da vaga por representantes do empresariado. Segundo ele, há perda da diversidade necessária para a efetivação de uma dinâmica democrática, pois o Conselho Consultivo, deveria ser “um espaço realmente de diálogo da sociedade como um todo”.

Preterido na escolha da presidenta Dilma, apesar do apoio expresso por mais de 40 entidades das sociedade civil, o Diretor de Atividades Técnicas do Clube de Engenharia do Brasil, Márcio Patusco, afirma que deve entrar com uma ação contra a decisão. Em 2002 e 2008, a ação do Ministério Público garantiu a saída de representantes de empresas como a Embratel, Telemar e Brasil Telecom das vagas reservadas à sociedade “não-empresarial”.

Nas palavras da promotora do caso em 2002, “a lei buscou um Conselho Consultivo onde não deve predominar um só conceito ou visão do serviço de telecomunicações, mas sim uma junção de noções e avaliações vistas por segmentos que prestam e usam o referido serviço, com o objetivo lógico de aprimorar a sua prestação… Assim, a designação de membro que não representa a sociedade, e sim defende interesses de empresas de telecomunicações, desfigura a mens legis de ver no Conselho Consultivo da Anatel as visões e posições de todos os segmentos ligados à prestação do serviço de telecomunicações… o que afronta os princípios da moralidade e legalidade e faz grave ofensa aos consumidores”.

Como já foi dito pelo presidente do Clube de Engenharia do Brasil, Francis Bogossian, em artigo publicado no Correio Braziliense , “a sociedade está de um lado do balcão, os provedores de serviço estão no outro”. Não seria, assim, o caso de impedir a participação de determinado segmento, mas de não permitir a sobrerrepresentação em detrimento de uma participação mais diversificada.

Para o professor Murilo Ramos, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), o caso expressa “a fragilidade dos processos de composição desses organismos”. Segundo ele, é comum quem em conselhos de comunicação o empresariado pressione para ocupar a vaga da sociedade civil, na medida em que a própria determinação do que constitui esse setor parte de uma noção vaga. Dessa forma, ficaria evidente a “arena de disputa de interesses”, resultando em composições como a do Conselho Consultivo da Anatel, que, para ele, “pode não ser legítimo, mas é legal”.

Ramos afirma, ainda, que é preciso entender a postura do governo federal para compreender o problema. “O governo acaba legitimando isso. Tem que entender o papel que o governo cumpre nisso”, aponta. O pesquisador questiona, por seu funcionamento, a própria relevância do Conselho Consultivo, que nunca haveria incidido de fato em alguma política do setor. “O Conselho é irrelevante para a Anatel. Foi uma boa intenção ou a consciência culpada tucana na época da privatização. Não dá para dizer que o governo tenha tomado alguma decisão relevante em relação à política e regulação do setor com participação do Conselho”, defende.

Governador do Rio de Janeiro atenta contra o direito à comunicação

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), baixou decreto, publicado no Diário Oficial no dia 22 (segunda), criando uma Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas. Com a medida ficou estabelecido que operadoras de telefonia e provedores de internet teriam 24 horas de prazo para atender os pedidos de informações da comissão. No dia 24, foi noticiado pela Folha de São Paulo que o governante teria recuado e deveria alterar a redação do texto, porém sem informar quais seriam as modificações.

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinicius Furtado, se pronunciou afirmando a inconstitucionalidade do decreto assinado pelo governador com a finalidade de “investigar atos de vandalismo”. "A Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações entre pessoas. Não tenho a menor dúvida em afirmar que o decreto é flagrantemente inconstitucional", defendeu.

O interesse do governador do Rio de Janeiro de controlar informações se manifestou mais uma vez na noite do mesmo dia 22, quando, durante os protestos em frente à sede do governo, os repórteres do grupo “Mídia Ninja” foram arbitrariamente impedidos de veicular as imagens das manifestações e levados à delegacia, da qual saíram mediante pressão e apoio dos manifestantes que se dirigiram ao local.

As manifestações ocorridas no Rio de Janeiro têm criticado fortemente o governo estadual. Manifestantes já se dirigiram à sede do governo e chegaram mesmo a acampar em frente à casa do governador, no Leblon, de onde foram retirados à força. Os acontecimentos do dia 22 demonstram o interesse de Sérgio Cabral em lidar com  a crítica das ruas por meio do controle da informação, passando por cima de princípios invioláveis, como do direito à privacidade e à liberdade de expressão.

Segundo Daniel Fonsêca, representante do Intervozes e membro da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão do Rio de Janeiro (Fale-Rio), “a prisão de dois integrantes do grupo Mídia Ninja não é somente um atentado à liberdade de imprensa, de acordo com a ideia que a mídia comercial tradicional costuma convencionar este conceito. Mais do que isso, principalmente sabendo que outras nove pessoas foram detidas na mesma noite, é uma ação de um Estado que viola os direitos às liberdades de expressão, de organização e de manifestação”

Para Fonsêca,o governo de Sérgio Cabral (PMDB) é “exemplo caricato” da estratégia comum de utilização do “estado de exceção” por governos autoritários para lidar com a intensa demanda por participação popular em um momento como atual de crise do capitalismo. A perseguição a jornalistas e a vigilância sem limites seriam expressão desse modelo de política. “Nesse contexto, o direito à comunicação, que é transversal na garantia dos demais direitos humanos, tem se mostrado uma das causas mais destacadas nas manifestações que se espalharam pelo país desde junho. A afirmação desse direito vai desde a repulsa à presença dos meios comerciais ao apoio à implementação de uma nova legislação por uma mídia democrática”, completa.

Entidades reivindicam regulamentação da regionalização ampliada

Reunidas no dia 22 (segunda) no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, entidades da sociedade civil decidiram por se mobilizar para obter o retorno do Projeto de Lei 5992/13, que visa regulamentar o artigo 221 da Constituição, à Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição Federal (CMCLF). Para que isso ocorra – o projeto vai para o plenário da Câmara sem passar por mais comissões – deputados precisam apresentar emendas ao texto.

O PL foi aprovado no dia 11 pela Comissão Especial e tem por finalidade regulamentar o artigo da Constituição Federal que dispõe sobre a promoção da cultura nacional e regional, o estímulo à produção independente e a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei. Entidades da sociedade civil consideram que o Congresso ignora a discussão que vem sendo travada há mais de 20 anos.

Para Renata Mielli, do Centro Barão de Itararé, “a regulamentação da regionalização da programação prevista no artigo 221 deve ter o intuito de ampliar a diversidade e a pluralidade cultural, artística, social e de representação das várias realidades brasileiras na mídia e não para favorecer aqueles que já ocupam 90% do conteúdo de programação da TV aberta”.

De acordo a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o relatório apresentado pelo senador Romero Jucá na Comissão não abrange as principais necessidades da regionalização e ignorou o debate já produzido em 20 anos sobre projeto de lei de sua autoria e com a mesma temática. No texto da parlamentar, está prevista uma cota de 40% para a produção independente.

Está prevista para o dia 6 de agosto uma coletiva pública na Câmara com deputados e representantes de entidades da sociedade civil para denunciar os pontos problemáticos do projeto aprovado e criticar o atropelo das discussões já existentes sobre o tema.

Entre os principais pontos críticos apontados pelas entidades encontram-se a exigência de um tempo de veiculação de produção regional de menos de 14 horas semanais; a incorporação das transmissões em cadeia nacional de pronunciamentos da presidência, de propaganda eleitoral obrigatório e de campanhas de interesse nacional nas horas reservadas ao cumprimento da cota regional; as baixas penalidades aplicadas; a utilização do Fundo Nacional da Cultura, presente na Lei Procultura, para o financiamento de produção por parte de empresas que concentram propriedade no setor; a negligência com as rádios na regulamentação; a não classificação de horários para transmissão e a falta de obrigatoriedade de transmissão de produção independente.

Descontentamento

A aprovação do parecer do senador Romero Jucá (PMDB-RR) pela Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição Federal restringe o projeto original da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) apresentado em 1991.

O parlamentar justifica os limites a uma maior ampliação contidos no seu relatório ressaltando “as peculiaridades de cidades pequenas e médias que têm, no caso das televisões, uma grade muito exígua de abertura das redes, porque quem repete rede trabalha com espaço bastante reduzido para fazer programações regionais ou locais”. Além disso, argumenta evocando o “equilíbrio econômico financeiro” de rádios e televisões em localidades pequenas que não teriam condições de arcar com produções independentes.

A Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV) se manifestou contra o texto que considera a inclusão de programa jornalístico e esportivo na categoria regional e cultural, além de criticar o processo de revisão constitucional. "O projeto precisa refletir todos os atores, e não só a radiodifusão. Não pode ser a toque de caixa", afirma Marco Altberg, presidente da ABPITV.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou nota criticando o projeto aprovado pela Comissão, na qual afirma que “o projeto aprovado estabelece cotas irrelevantes de programação regionais” e se trata de “um atentado contra a diversidade e pluralidade nos meios de comunicação, fortalecendo o cenário de concentração que impede a liberdade de expressão da maioria da população brasileira”.

“A regionalização da programação da rádio e TV, além do incentivo a produção independente, sempre esteve na pauta do movimento pela democratização da comunicação”, afirma. O Projeto de Lei da Mídia Democrática, lançado pela campanha "Para Expressar a Liberdade" – iniciativa da entidade – propõe um mínimo de 30% de produção local diária, sendo 10% da produção em horário nobre para produções independentes.

Baixo índice de produção local

O Observatório do Direito à Comunicação realizou em 2009 um levantamento em 11 capitais brasileiras (uma amostra com 58 emissoras, incluindo públicas e comerciais), apontando que  a produção local ocupava apenas uma média de 10,83% da TV aberta. Este índice é bastante inferior ao percentual de 30% previsto pela versão inicial do Projeto de Lei da ex-deputada Jandira Feghali (256/1991) .

Segundo o mesmo estudo, atualmente as emissoras públicas tendem a dar mais espaço para produções local. A TV Brasil, por exemplo, teria cerca de um quarto de sua grade dedicada a programas com esse caráter (25,55%), enquanto a Rede Globo daria um espaço de apenas 7%. Dentro desse universo, os telejornais representariam quase que oito vezes o número de horas dedicadas ao entretenimento, segundo gênero mais produzido localmente.

A pesquisa, porém, não apresenta detalhes suficientes sobre o perfil da programação, mas indica preocupação com o arrendamento de horários nas grades das emissoras privadas, o que, excluído, reduziria o índice de produção local apresentado. Dentre os principais arrendatários, encontram-se os grupos religiosos.

Outra distorção não considerada pela pesquisa diz respeito às diferenças de horários na grade de programação, pois a distribuição dos programas obedece a uma hierarquia, em que “horário nobre” e “madrugada” são dois pólos opostos nos índices que medem a quantidade de telespectadores assistindo aos canais.

A regulamentação da TV paga tem demonstrado que as políticas de cotas de programação podem ter impacto significativo. A obrigação de exibição de conteúdo nacional, em apenas quatro meses de vigência da Lei 12.485/11, teria provocado um considerável aumento da presença brasileira concomitante à ampliação do mercado. Em 2012, foram levadas ao ar mais de 2.006 horas de programação nacional, contra um total de 1.000 horas e 11 minutos em 2011.

O caso Snowden e a espionagem que chegou ao Brasil

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (16/07) pela TV Brasil examinou a repercussão das revelações do consultor em sistemas de computação Edward Snowden. De acordo com o jornalista Glenn Greenwald, do jornal britânico Guardian, que publicou as informações em primeira mão, Snowden tem dados que poderiam causar sérios danos aos Estados Unidos. Um mês depois da revelação da rede de monitoramento de comunicações montada pelo governo dos Estados Unidos há dez anos, o escândalo chegou ao Brasil. Na semana passada, o jornal O Globo teve acesso a documentos que mostram que milhões de e-mails e ligações telefônicas de indivíduos e empresas sediadas no Brasil foram monitorados pela Agência de Segurança Nacional Americana (NSA, na sigla em inglês).

O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos, onde 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens foram rastreados pelo programa, batizado de Prism. E-mails, chats online e chamadas de voz dos serviços da Apple, Facebook, Google, Microsoft, YouTube, Skype, AOL, Yahoo e PalTalk estão na mira do monitoramento norte-americano. A Microfoft teria colaborado com a NSA e ajudado a burlar o próprio sistema de criptografia, segundo os dados apontados por Snowden.

Investigações preliminares do Ministério da Defesa e das Forças Armadas não encontraram indícios de invasão no sistema de criptografia de informações estratégicas do Brasil. As denúncias repercutiram no Congresso Nacional: uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para investigar o monitoramento e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado convocou o jornalista Glenn Greenwald para detalhar o processo de vigilância. O escândalo levou o governo a pedir que a Câmara dos Deputados aprecie com urgência o Marco Civil da Internet. O texto já teve a votação adiada diversas vezes por questões políticas e interesses empresariais.

Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista José Casado, que assina a cobertura do caso no jornal O Globo. Casado integra a editoria de Opinião e é colunista do vespertino eletrônico para tablets O Globo A Mais. Em São Paulo, o programa contou com a presença dos jornalistas Bob Fernandes e Caio Túlio Costa. Bob Fernandes é editor-chefe da Terra Magazine e comentarista da TV Gazeta, em SP, e Rádio Metropole, da Bahia. Foi redator-chefe da revista CartaCapital, repórter especial dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil. Caio Túlio Costa é professor de Ética Jornalística e consultor de mídias digitais. Trabalhou na Folha de S.Paulo durante 21 anos, onde foi o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. É um dos fundadores do UOL e foi presidente do iG.

Sem barreiras contra a lupa

Antes do debate ao vivo, em editorial, Dines sublinhou o despreparo do Brasil para enfrentar o monitoramento: “Nosso país é o mais informatizado do sub-continente. Isso explica muita coisa. Porém, é o mais desprotegido e, sobretudo, o mais desregulado. O ministro da Defesa, Celso Amorim, acrescentou uma forte dose de ceticismo no tocante à nossa vulnerabilidade digital quando declarou que há muito tempo não usa a internet para assuntos importantes. A mídia está agitada, mas apenas na direção da ‘espionagem’ e xeretagem internacional. Ainda não se deu conta de que, nesta história de violação de privacidades e de soberanias, quem está sob forte suspeita – e por muito tempo – é o próprio sistema w.w.w que a mídia contemporânea vem entronizando como a plataforma informativa do futuro”.

A reportagem exibida antes do debate ao vivo ouviu a opinião do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O ministro admite a possibilidade de vazamento e acredita que os Estados Unidos podem ter acessado o conteúdo de conversas. “O governo tem redes corporativas seguras, redes onde nós transitamos as nossas informações, documentos, atos que precisam ser tomados pelo governo e nós não temos problema. Agora, aquilo que nós colocamos na rede e a forma pela qual nós nos comunicamos, por exemplo, a presidenta Dilma me liga seguidamente e liga no meu celular. Ela, nesse momento, está se comunicando com a mesma condição de qualquer cidadão. Se todo esse rastreamento está acontecendo, então, é evidente que essa ligação também vai ser abrangida”, alertou o ministro.

Para Paulo Bernardo, o monitoramento não é uma surpresa: “Essas notícias de espionagem, bisbilhotagem e monitoramento em uma escala global, isso é muito recorrente de sair na mídia, seja na mídia alternativa ou grandes veículos de comunicação. Então, quem disser que não sabia nada é porque nunca se interessou pelo assunto. Agora, o governo nunca teve conhecimento de espionagem realizada em território brasileiro ou de cooperação de empresas brasileiras com isso”.

À luz da Lei

O especialista em Direito Digital Luiz Moncau ressaltou que as denúncias de Snowden evidenciam a urgência na tramitação dos diversos projetos ligados à internet que estão parados no Congresso Nacional, sobretudo o Marco Civil. “Ele tem uma série de princípios e diretrizes que tratam da proteção dos dados pessoais e da privacidade. Um outro Projeto de Lei que tem sido discutido ainda em nível governamental seria o de proteção dos dados pessoais. Vários países hoje em dia já possuem não só uma legislação específica para proteger os dados pessoais como órgãos legisladores, agências especializadas na proteção desses dados pra proteger principalmente o consumidor, o usuário, contra práticas abusivas de empresas ou de terceiros”, destacou Moncau.

A Constituição dos Estados Unidos exige ordem judicial para qualquer interferência do governo em canais de comunicação privada, mas há brechas na lei, como o Ato Patriota, criado após os atentados de 11 de setembro de 2001. “Existe a possibilidade de se investigar casos com acesso específico, em circunstâncias pontuais, a canais de telecomunicação quando existe a suspeita fundamentada de terror. Se não existe a suspeita fundamentada de terrorismo não é possível você realizar esse tipo de quebra de sigilo em canais de telecomunicação. É entendido como um abuso de Direito. O Prism, de certa forma, viola a 4ª emenda [da Constituição dos Estados Unidos], só que acaba se apoiando em outros princípios do governo americano para tentar sustentar a sua legalidade. Que é justamente a proteção à segurança nacional ou a própria segurança dos meios de telecomunicação do país”, explicou o especialista em Direito Digital Victor Auilo Haikal.

O jornalista Carlos Alberto Teixeira, colunista de Tecnologia do jornal O Globo, comentou que programas de criptografia permitem uma navegação mais segura, mas nem todos os usuários tem interesse em codificar os seus dados. “Como é que o cidadão pode se proteger, o cidadão, a empresa, a instituição? Encapsulando esse fluxo de informações como se fosse uma armadura digital. Criptografando, codificando isso de uma forma que quem interceptar a informação não consiga ler o que está ali, só o destinatário consegue ler. É o que eles chamam de criptografia por chave pública. Ou seja, o remetente e o destinatário têm uma chave para decodificar aquela informação. Mas quem estiver no meio não consegue. Não é nada complicado usar, não é nada muito complicado. É um pouquinho a mais do que um usuário comum consegue resolver em casa”, detalhou o jornalista.

“A maioria dos cidadãos não está muito interessada em esconder essas comunicações de e-mail, qual é a sua navegação na web. Você não tem interesse, eu não tenho. Agora, uma corporação, uma empresa, uma instituição ou algum terrorista, alguém que está fazendo mal, têm interesse em esconder isso”. Para Carlos Alberto Teixeira, as denúncias de Snowden só surpreendem os mais ingênuos. “A função dos departamentos de espionagem, as redes de inteligência, tanto a NSA, americana, como a Abin, como o Mossad, a função deles todos é pegar informação. O que a gente vê hoje é um desdobramento, uma atualização desse sistema que já existe há tanto tempo. As repercussões, isso aí a gente está vendo, um terremoto político no mundo inteiro. E estamos só começando”, alertou o jornalista.

A fragilidade da rede

No debate ao vivo, Dines ressaltou que o material coletado por Edward Snowden mostra que toda a web está sendo posta em questão e perguntou ao jornalista José Casado se a equipe que foi montada para esta cobertura – que inclui os repórteres Roberto Maltchik e Roberto Kaz – se surpreendeu com a magnitude dos dados revelados pelo consultor em sistemas de computação. Casado contou que, após avaliar parte das informações entregues por Glenn Greenwald, que vive no Brasil há oito anos, a equipe percebeu que tinha em mãos algo surpreendente.

“Por mais que você possa imaginar, você não tem ideia da dimensão que esse programa americano [de monitoramento] tomou”, disse o jornalista. Casado chamou a atenção para o fato de que o objetivo do governo dos Estados Unidos, em tese, era proteger a segurança nacional, mas o limite entre o dever e a invasão da privacidade de cidadãos ao redor do mundo é tênue. Este é um assunto para legisladores refletirem e a sociedade tem mecanismos, na opinião de Casado, para discutir a questão. Com base nos arquivos coletados por Snowden, a que O Globo teve acesso, Casado assegura que não há a menor possibilidade de um cidadão estar seguro a respeito da privacidade de seus dados pessoais.

Casado lamentou a situação em que Edward Snwden se encontra desde que decidiu levar a público os documentos coletados na NSA. Depois de um périplo internacional, o ex-consultor aguarda no aeroporto de Moscou que algum país conceda asilo político. No entanto, de acordo com o jornalista, a maioria dos governos rejeita o visitante incômodo por temer a reação dos Estados Unidos. “Você pode ter duas leituras dentro do bom e velho maniqueísmo: a do herói e a do traidor. O governo americano o vê como um traidor. Nas redes sociais ele se tornou um herói”, resume.

Exibir vs. esconder

Dines comentou que há entidades europeias contrárias ao Facebook por acreditar que o site de relacionamento não respeita as leis de privacidade. Casado sublinhou que os Estados Unidos são o centro produtor do sistema desvelado por Edward Snowden, mas outros governos também promovem espionagem em menor escala e há a colaboração de empresas privadas. Um exemplo é o Facebook, que tem contrato com a NSA. As empresas possibilitam o acesso do usuário à internet e depois entregam as informações para o monitoramento pela agência. “Isso é cobrado. E você, quando compra determinado produto ou passa a ser usuário, não sabia”, alerta Casado. O jornalista ressaltou que a legislação nos Estados Unidos proíbe a espionagem doméstica exceto em casos de terrorismo, ao mesmo tempo em que protege parcerias entre agências de espionagem americanas e empresas privadas instaladas no país. Este monitoramento teria como foco cidadãos, empresas e instituições estrangeiras e teria se tornado um negócio altamente lucrativo.

Caio Túlio Costa comentou que a história da espionagem no mundo é antiga, porém, a dimensão do programa revelado por Edward Snowden é preocupante e “demoníaca”. Para o jornalista, o assunto é explosivo e o destaque dado pela mídia tradicional não foi proporcional à capacidade de invasão que o governo norte-americano demonstrou ter ao montar o programa de monitoramento. “Quem se surpreende com isso não tinha atentado para essa vocação de polícia do mundo que os Estados Unidos têm e cultuam de forma obsessiva”, sublinhou.

O jornalista explicou que tanto o Facebook quanto o Google têm sistemas que permitem traçar um perfil de navegação do usuário através do seu histórico e montar um projeto de publicidade voltado para os interesses específicos dos internautas. Além de armazenar os dados dos usuários, as empresa os negocia: “Isto é uma invasão de privacidade, mas é consentida porque você, quando assina o Facebook, se compromete a concordar com os termos de uso onde ele diz que faz isso”, criticou Caio Túlio. Portanto, o ato não é ilegal, mas “acostuma” o usuário a ser monitorado. Assim, pode-se perceber que a espionagem não acontece apenas sob os auspícios do governo dos Estados Unidos. Também atinge empresas privadas que trabalham em larga escala e que estão repassando informações através de sites de busca ou de relacionamento.

História antiga

O jornalista Bob Fernandes disse ficar admirado com as declarações de surpresa em torno da espionagem dadas pelo atual governo, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo Congresso Nacional. Entre 1999 e 2004, a CartaCapital publicou oito reportagens de capa detalhando como agências do porte da CIA e do FBI operavam no Brasil. Os pormenores incluíam escutas nos palácios da Alvorada e do Itamaraty. Algumas das atividades de espionagem datavam nos anos 1960, como na área de biossegurança, e ainda estão em curso. Além da espionagem “por atacado” da NSA mostrada por Snowden, há também atividades de “varejo” promovidas pela CIA e pelo FBI, que a cada ano precisam disputar verbas orçamentárias no Congresso Nacional dos Estados Unidos.

“É o fim dos 500 anos da Era de Gutenberg e nós estamos iniciando e vivenciando uma outra Era que é essa, sem controle nenhum”, sentenciou o jornalista. Para ele, há uma grande incompreensão a respeito dos poderes e problemas da internet. Enquanto a rede mundial de computadores tem a capacidade de fazer a informação transitar em larga escala, ao mesmo tempo, a velocidade da informação leva a pouca compreensão dos temas mais importantes da sociedade.

Ministério Público abre apuração sobre suspeita de sonegação da Rede Globo

A Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) confirmou hoje (16) que abriu apuração criminal preliminar para investigar suspeitas de sonegação envolvendo a Rede Globo. O procedimento foi iniciado na segunda-feira (15), com a distribuição do caso para um procurador responsável.

A apuração foi solicitada na última sexta-feira (12) por 17 entidades da sociedade organizada, entre elas, o Centro de Estudo das Mídias Alternativas Barão de Itararé, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Eles alegam que o Ministério Público deve agir porque há indícios de lesão a bens federais.

De acordo com o grupo, as apurações tornaram-se necessárias devido a divulgação recente de documentos, até então sigilosos, sobre multa de mais de R$ 600 milhões à Rede Globo pela tentativa de sonegar impostos relativos à exibição da Copa do Mundo de 2002. Ainda segundo o grupo, também há suspeita de lavagem de dinheiro, de crimes contra órgãos da administração direta e indireta da União e de estelionato.

Com a abertura de procedimento preliminar, o Ministério Público tem prazo de 90 dias, prorrogáveis pelo mesmo tempo, para apurar as informações. Se houver indícios suficientes de crime, é aberto inquérito. Caso negativo, o procedimento é arquivado. A Procuradoria do DF ainda poderá encaminhar os documentos para o Rio de Janeiro, onde fica a sede da empresa.

Na semana passada, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro divulgou nota informando que acompanhava o caso desde 2005 e que não pediu abertura de inquérito policial por impeditivos legais relativos à restituição de valores fiscais. "Quanto aos demais tipos criminais aventados na mídia, o MPF entende que o enquadramento não seria aplicável por ausência de indícios". O órgão também confirmou que documentos do caso foram extraviados por uma servidora da Receita Federal, que já foi processada e condenada pela Justiça.

Em nota, a Rede Globo disse que já não tem qualquer dívida em aberto com a Receita e que apenas optou, na época, por "uma forma menos onerosa e mais adequada no momento para realizar o negócio, como é facultado pela legislação brasileira a qualquer contribuinte". A empresa informou que, após ser derrotada nos recursos apresentados à Receita, decidiu aderir ao Programa de Recuperação Fiscal da Receita Federal e fazer os pagamentos.

A empresa ainda destacou que desconhecia os fatos relativos a desvios de documentos no processso fiscal, pois não figurava como parte no processo. Segundo a Globo, os documentos perdidos foram restituídos com a colaboração da própria empresa, que desconhece os motivos que levaram a servidora a agir dessa forma.