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Molon estuda possibilidade de retirar menção ao CGI do Marco Civil

Em entrevista à Agência Câmara, deputado afirma que estudará a proposta do Executivo de retornar ao texto original que trata do princípio de neutralidade de rede.

Em entrevista à Agência Câmara o relator do Marco Civil da Internet, deputado Alessandro Molon (PT/RJ) afirmou ter partido dele a iniciativa de suspender a votação do PL, prevista para ocorrer na última quarta-feira, 19/09. Na noite da terça-feira, 18/9 Molon se reuniu com representantes da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para discutir a votação da proposta. E afirmou que estudará a sugestão do Executivo de retornar à redação original do artigo que trata da neutralidade de rede, que não faz nenhuma menção à atribuições do Comitê Gestor da Internet.

O relator preferiu adiar a discussão, depois de receber a notícia de que pelo menos dois votos em separado seriam apresentados, o que poderia significar a apresentação e a votação de um texto diferente daquele proposto pelo relator. “Consideramos mais prudente fazer a votação após as eleições, quando tivermos a certeza de um quórum que garanta a aprovação do meu relatório”, afirmou à Agência Câmara.

Conforme Molon, a principal resistência a seu substitutivo, apresentado em julho, diz respeito à garantia da chamada neutralidade de rede. “Os votos em separado, ao que tudo indica, retirariam justamente essa garantia”, disse. Esse princípio, contido no marco civil, estabelece que todo pacote de dados que trafega na internet deverá ser tratado de maneira isonômica, sem discriminação quanto ao conteúdo, origem, destino, terminal ou aplicativo.

De acordo com o substitutivo, o princípio deverá ser regulamentado por decreto, ouvido o Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) – órgão que inclui representantes do governo, do setor empresarial, do terceiro setor e da comunidade científica e tecnológica.

“O governo é a favor do meu substitutivo e da neutralidade de rede”, assegurou o relator. “O Executivo discute, porém, se a redação original do artigo que trata da neutralidade de rede não é melhor do que o proposto no meu texto”, disse o deputado.

“Se não houver neutralidade da rede, o conteúdo que vai chegar mais rapidamente ao usuário será aquele da empresa que eventualmente tenha celebrado acordo comercial com o provedor de conexão”, argumentou Molon. “Na prática, o provedor estaria escolhendo pelo usuário o conteúdo que ele vai acessar mais rapidamente, e é isso que queremos proibir para proteger o direito de escolha do internauta”, complementou. Os provedores de conexão, ligados às grandes empresas de telefonia, seriam os principais opositores da proposta.

A Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), na Carta de Brasília 2012 – documento que reúne as sugestões de políticas públicas das principais operadoras de telefonia do Brasil –, defende que o marco civil permita a “oferta diversificada de serviços para diferentes perfis de usuários”. De acordo com a carta, “não se pode tratar como igual aquilo que é por natureza desigual, já que colocar todos no mesmo patamar pode significar prejuízo de muitos em função do privilégio de alguns”.

Molon considera a neutralidade de rede um dos pilares da proposta e descarta a possibilidade de votação da matéria sem a previsão dessa garantia. Os outros pontos mais importantes seriam a proteção aos dados pessoais do usuário e a garantia da liberdade de expressão.

O Marco Civil é uma espécie de Constituição da internet, com princípios que devem nortear o uso da rede, direitos dos usuários, obrigações dos provedores do serviço e responsabilidades do Poder Público.

Na terça-feira (18/9), as empresas de internet Google, Facebook e MercadoLivre emitiram uma nota conjunta, em forma de “carta aberta”, em apoio ao projeto de marco civil da internet.

O documento diz que "o Google, o Facebook e o MercadoLivre apoiam o marco civil da internet, resultado de um riquíssimo debate que resultou em um projeto de lei moderno, com texto composto de princípios reconhecidos globalmente como sólido arcabouço para fomentar uma internet livre e equilibrada, preocupada tanto com a inovação quanto com direitos fundamentais".

Regulamentação tem de ficar com a Anatel, diz Bernardo

Para o ministro das Comunicações Paulo Bernardo, o governo defende a neutralidade de rede, como foi proposto na redação original do Marco Civil da Internet enviado ao Congresso. Quanto à regulamentação das condições à neutralidade de rede, prevista do Marco Civil da Internet, segundo o ministro, elas devem ser elaboradas pela Anatel. E, mais do que isso, o ministro é contra qualquer referência ao ao Comitê Gestor de Internet (CGI) nesse aspecto, como sugere o relatório do deputado Alessandro Molon. O relatório diz que as condições da neutralidade serão dadas por decreto presidencial, "ouvido" o CGI.

"Como é que vai pôr a obrigação de ouvir o CGI? Por que o CGI e não a FGV, a Fiesp? Por que nós não vamos ouvir a Federação do Arrozeiros do Rio Grande do Sul? Qual é a lógica?", questiona o ministro, em entrevista a este noticiário. Bernardo afirma que o CGI é um órgão com caráter de organização social, "uma ONG", que não tem poder para assumir funções de normatização do Estado. "Tem que ser da Anatel (o papel de regular a neutralidade). Não vejo nem por que surgiu essa dúvida. A Anatel é um órgão de Estado, com pessoas indicadas pela presidenta que passam por sabatina no Senado e quadro técnico de carreira. É um órgão caracterizado como de Estado, faz reuniões públicas, se enquadra na Lei de Acesso à Informação e toma decisões após consulta pública", argumenta ele.

Por outro lado, para o ministro, a neutralidade não deve permitir que as empresas donas da infraestrutura façam acordos com os provedores de conteúdo para privilégio de tráfego que acabem por prejudicar empresas menores ou concorrentes. "O que é razoável é o gerenciamento técnico. Tirando isso, não pode haver nenhum tipo de discriminação", diz ele.

O Marco Civil da Internet estava previsto para ser votado em comissão especial nesta quarta, 19, mas o deputado Alessandro Molon (PT/RJ) decidiu cancelar a sessão diante da falta de acordo justamente sobre essa questão. A expectativa é que o tema volte à pauta do Congresso após o primeiro turno das eleições municipais.

Trânsito livre sob ameaça

Quando as operadoras de TV por assinatura dos EUA começaram a aproveitar a infraestrutura de cabos para oferecer acesso à internet, aquilo parecia um bom negócio. Não foi bem assim: os usuários usaram a conexão para assistir a filmes fora da TV. A concorrência interna fez as empresas restringirem o acesso a filmes online. Surgia uma das questões mais controversas da web: a neutralidade.

A neutralidade, explica Jeremie Zimmermann, fundador do Respect My Net, “é o princípio em que as comunicações não podem ser discriminadas”. “É essencial para que todas as pessoas possam acessar todos os conteúdos, serviços e aplicativos. É a garantia que a internet continuará universal e livre, e que todas as pessoas conectadas terão o mesmo potencial de participação”, diz Zimmermann. Seu serviço permite que cidadãos relatem casos de discriminação de tráfego na Europa.

Por pressão do movimento Bits of Freedom, aliado do Respect My Net, a Holanda se tornou na semana passada o primeiro país europeu garantir a neutralidade por lei. A legislação proíbe provedores de interferir no tráfego dos usuários. Técnicas de monitoramento de conexão, como deep packet inspection (DPI), também são vedadas.
A Europa tem motivos para se preocupar com a neutralidade. Em sua primeira análise do tipo, o órgão que regula as telecomunicações no continente (Berec, na sigla em inglês) identificou uma série de “técnicas de gerenciamento de tráfego”. A maior parte dos bloqueios é sobre redes de troca de arquivos (P2P) ou de telefonia sobre IP, como o Skype. A maioria dos bloqueios ocorre em uma camada profunda que o usuário nem percebe que é monitorada.

“A internet é essencial para exercitar nossas liberdades online e qualquer restrição ao acesso é potencialmente uma restrição às liberdades fundamentais, incluindo a de expressão. Isso não pode estar nas mãos das operadoras”, diz Zimmermann.

Segundo Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e um dos pais da internet no Brasil, há casos no País de operadoras de internet que dificultaram o acesso a VoIP, que concorre com a telefonia tradicional. Mas os casos são pontuais. “Ainda não houve uma quebra séria de neutralidade. Mas isso é questão de tempo”, alerta.

Regulação

O Marco Civil da Internet quer se antecipar às empresas. O projeto de lei que propõe princípios básicos para a internet, em discussão no Congresso, veda a “discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços”. Mas o texto é vago e a aplicação prática, dizem os legisladores, dependerá de regulamentação posterior.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já veda o “bloqueio ou tratamento discriminatório de qualquer tipo de tráfego, como voz, dados ou vídeo, independentemente da tecnologia utilizada”. Mas a neutralidade vai além e regula até o conteúdo que um serviço como Facebook ou Blogger entrega aos usuários. “A neutralidade é complicada porque tem diversas camadas de atuação”, diz Getshko.

Ele enumera três níveis. O primeiro é a estrutura da rede. “Você não pode, por exemplo, piorar o acesso a um produto concorrente”, diz. O segundo nível é na rede IP, como um conteúdo que não pode ser visto em determinado país. E por fim, a restrição mais refinada é em relação aos provedores de serviços e conteúdo – o Google bloquear determinado resultado de buscas, por exemplo.

O Marco Civil quer definir a neutralidade por princípio. Ou seja: nenhuma empresa ou intermediário pode interferir no que circula entre os diversos pontos da rede. Mas há exceções técnicas: é possível dar privilégio, por exemplo, aos pacotes de voz, que não podem atrasar para ser entregues. “É a mesma coisa que trânsito: é preciso deixar a ambulância circular livremente. Mas não se pode impedir, por exemplo, que carros verdes circulem. Tratar desigualmente os desiguais é razoável”, diz ele.

O texto do Marco Civil está em consulta pública online. E o ponto sobre neutralidade é um dos mais polêmicos. O advogado Marcelo Thompson, por exemplo, defende a troca do termo “neutralidade” por “razoabilidade”, delegando aos provedores certo poder para distinguir conteúdos potencialmente danosos. “No Brasil, o dispositivo presente no Marco Civil estabelece a imunidade do provedor”, diz Thompson.

A opinião do advogado foi contestada. “O que a neutralidade de rede diz é: se o YouTube não quiser impor um limite, o Estado não pode cobrar do YouTube que ele devesse ter imposto esse limite”, diz o jurista Paulo Rená. “No tipo de pacote temos outra questão. Uma empresa de telefonia que oferece o serviço 3G fica proibida de diferenciar a velocidade de tráfego de dados de uma rede social específica.”

Há casos, porém, em que a neutralidade não é bem-vinda – no caso de spam, por exemplo, os usuários consentem que a empresa filtre conteúdos em benefício deles. “O usuário tem de saber e concordar com aquilo. Isso tem de ser transparente e acordado abertamente”, diz Getchko.

Por isso os legisladores concordam que é necessária regulamentação posterior – mas, dizem, agora o importante é aprovar uma legislação que garanta o princípio básico. “A internet tem como característica a inovação simples, barata e acessível a todos. Se algo impedir isso, vai contra o espírito principal da internet”, diz ele.

Jeremie Zimmerman acrescenta: “Os governos precisam entender o quanto a neutralidade é crucial para o futuro das nossas sociedades livres e abertas, para permitir a participação, inovação e proteger as liberdades dos cidadãos. Eles precisam garantir esse princípio em lei”.

Pelo mundo

>> Chile – Foi o primeiro país do mundo a proibir, em 2010, a interferência na navegação.

>> EUA – Em 2011, a agência reguladora estabeleceu que o bloqueio não é permitido.

>> Holanda – Provedores agora são proibidos de filtrar e monitorar a navegação.

>> Rússia – A lei permite que provedores controlem o tráfego por segurança.