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Por que precisamos de um movimento para mulheres ocuparem a mídia

Por Mônica Mourão

Depois de protagonizarem manifestações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, com o Projeto de Lei (PL) 5069, ameaça direitos sexuais e reprodutivos duramente conquistados, as mulheres agora ocupam a mídia.

Nesta semana, colunas, blogs e outros espaços autorais produzidos por homens estão escutando o que as mulheres têm a dizer: ao invés de textos deles, textos delas. Textos nossos.

A imagem estereotipada da mulher na mídia já é bastante debatida – e criticada. O que não significa que seja um tema superado. Afinal, “não se pode ser o que não se vê”, ou “you can’t be what you can’t see”, nas palavras de Marian Wright Edelman, ativista dos Estados Unidos pelos direitos das crianças.

Lá, The Representation Project acompanha a representação da mulher nos meios de comunicação, celebra alguns avanços e, principalmente, denuncia: se o que se vê é majoritariamente a exibição de corpos com um padrão de beleza inatingível, mostrados como objetos para o consumo masculino, será difícil que meninas possam ser autônomas e protagonistas de suas histórias de vida.

No Brasil, não é muito diferente. Como em diversas outras questões, as mulheres negras sofrem ainda mais, representadas de forma hipersexualizada. Por conta de propaganda com esse teor, a cervejaria Devassa foi processada pelo Ministério Público, em 2013.

Neste ano, a repórter Maria Julia Coutinho, conhecida como Maju, a “moça do tempo” doJornal Nacional, foi vítima de racismo na internet. Houve manifestação de solidariedade dos colegas de telejornal, mas ela decidiu não fazer nenhuma denúncia contra os agressores, postura oposta à da atriz Taís Araújo.

Ofendida nas redes sociais nessa semana, ela afirmou que vai processar os autores dos comentários. Afinal, racismo é crime.

Além de não se poder ser o que não se pode ver, é difícil mostrar aquilo que não se é. Se vivemos numa sociedade machista, óbvio, diversas ideias e valores machistas estão presentes também entre nós, mulheres. Porém, também somos muitas as que lutam contra essas ideias.

Vivemos experiências particulares por sermos mulheres. Ou, mesmo quando estamos de acordo com o que dizem alguns homens, são eles, não nós, que reverberam esses pensamentos. Da maneira deles, não da nossa. A mídia é feita principalmente por homens, e por homens brancos, o que diminui consideravelmente a diversidade de pontos de vista que conhecemos sobre o mundo.

Numa breve pesquisa, a título de exemplo, contamos quantos colunistas são homens e quantas são mulheres em dois veículos de comunicação das maiores cidades do país.

De 122 colunas da Folha de S.Paulo, 34 são assinadas por mulheres, uma por crianças que se revezam a cada mês e as demais 87 por homens. No portal G1, a lista de colunas e blogs apresenta apenas 26 no total, sendo que nove são feitas por mulheres.

Mas o mundo virtual é muito mais dinâmico e o que “bomba” mesmo são canais do YouTube? Em matéria do Correio Braziliense de fevereiro desse ano, a lista dos cinco canais mais acessados no Brasil revela que apenas um é feito por uma mulher, o5incominutos, em quarto lugar em número de inscritos e acessos.

Em terceiro, o canal de humor Galo Frito, no vídeo postado na matéria, faz uma paródia do clipe Gagnam Style: “Eu vou te encoxar, te encoxar” é o refrão dessa produção assinada por homens e mulheres. Impossível ser mais representativo da cultura do estupro.

O canal número 1, Porta dos Fundos, não tem roteiristas mulheres (com raríssimas exceções, como um roteiro de coautoria de Clarice Falcão e Gregório Duvivier) e apenas recentemente uma mulher se reveza na função de direção.

Isso não significa que estamos caladas. Resistimos nos blogs e sites Blogueiras Feministas, Lugar de Mulher, Geledés, Escreva Lola Escreva, na coluna da pesquisadora Djamila Ribeiro aqui neste portal, no canal Jout Jout Prazer. A página de Jout Jout no Facebook foi derrubada; um site falso foi feito em nome da professora Lola, que sofre ameças de morte, estupro e, mais recentemente, de demissão.

Organizamo-nos através da Rede Mulher e Mídia, uma articulação formada em 2009 por entidades e ativistas que discutem e denunciam a representação e a presença da mulher nos meios de comunicação.

Lutamos, junto com o movimento pela democratização da comunicação, por uma regulação dos meios que garanta mais diversidade e espaço para a veiculação de conteúdos e produções de todos os setores sociais, o que inclui mulheres negras, lésbicas, idosas, com deficiência e de todas as regiões do Brasil.

Nessa semana, ocupamos os espaços deles para falar de nós. Mas sabemos falar de muitos outros temas. Temos assunto para muito mais de uma semana.

Que o #AgoraÉQueSãoElas não apenas mostre o que temos a dizer, mas mostre o quanto ainda não temos espaço suficiente para dizê-lo. Porque representatividade importa e porque sabemos: os nossos direitos quem conquistamos somos nós.

*Mônica Mourão é jornalista, feminista e integrante do Intervozes.

Entidades cobram caráter público das emissoras de TV

Para feministas, meios de comunicação devem ser plurais, abertos às críticas da sociedade e cumprir o papel de concessionários públicos que possuem.  

SÃO PAULO – A convenção da ONU que trata da eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher não traz nenhum artigo em específico sobre a mídia, mas expõe de forma clara os papéis da sociedade e do Estado na luta contra padrões culturais que reforçam preconceitos e estereótipos. No caso das emissoras de rádio e TV, portanto, este papel é duplo. Por um lado, por serem empresas e, por outro, por serem concessionárias de um serviço público, elas não podem atuar de forma a reforçar as desigualdades presentes na sociedade.  

“Existe uma discriminação estrutural milenar contra a mulher. Sua subalternação é histórica e atual, no Brasil e no mundo”, avalia Silvia Pimentel, professora de Filosofia do Direito na PUC-SP, conselheira do Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e membro do Cedaw, comitê da ONU responsável pelo cumprimento da convenção das Nações Unidas sobre o tema. “Por isso, não estamos pedindo nenhum favor, gentileza ou concessão aos meios de comunicação. Estamos exigindo um direito”, afirma.  

Para as feministas, a mídia é o espaço onde as reivindicações das mulheres encontram menos ressonância – se comparado, por exemplo, aos poderes Executivo, Legislativo e até Judiciário.  

“Parece que falamos sozinhas, somos ignoradas. A maioria dos veículos é impermeável, trilha seu caminho sozinha. Não têm diversidade e não têm crítica”, afirma Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia. “Eles dizem que o controle remoto é um equipamento forte de controle de qualidade, mas uma sociedade democrática exige mecanismos participativos não somente em relação ao Estado mas também aos meios de comunicação de massa, em especial à TV. No Brasil não há espaço público de debate sobre estas questões, espaços de soma e articulação das críticas à programação. Isso é perverso, porque, assim, nossa crítica é silenciada. Por isso viemos ao Ministério Público Federal”, explicou Jacira durante a audiência pública realizada nesta segunda (23). 

Para as feministas, as emissoras deveriam ser, inclusive, responsáveis pelas propagandas que veiculam quando essas ofendem a imagem da mulher brasileira e atingem níveis “exorbitantes” de explicitação da mercantilização da mulher. Se a lógica das emissoras é ser sustentada pela propaganda, os canais deveriam, portanto, ser responsabilizados também pelos anúncios que veiculam.  

Uma questão de direitos humanos

A questão da invisibilidade da diversidade feminina na mídia e sua estereotipação nos grandes meios de comunicação é considerada por especialistas como uma forma de violência e de violação de direitos humanos. No caso da mulher negra, a situação é ainda mais grave, porque envolve componentes de racismo, que acabam por determinar o lugar que as negras ocupam na televisão. 

“Quando não é invisível, a mulher negra consegue uma visibilidade perversa na mídia. Nas novelas, por exemplo, elas nunca estão no núcleo principal. Surgem no secundário, desempenhando um papel subalterno aos brancos. Aparecem trabalhando muito, mas em posições inferiores”, relata a advogada Rebeca Duarte, da Articulação de Mulheres Negras. “O que ocorre na TV é, portanto, um crime perpetuado pela naturalização deste papel. A sociedade racista naturalizou o fato das pessoas assistirem à novela, com a mulher negra sempre desempenhando este tipo de papel, sem se indignar”, completa. 

Ou seja, se, por um lado, a condição da mulher negra na mídia é uma reprodução constante da violência sexista e racista que existe na sociedade brasileira, por outro, avaliam, há uma relação direta entre a reprodução midiática feita das negras e a violência e preconceito permanentes que sofrem na sociedade. 

“A forma como as mulheres são retratadas na mídia é inconcebível e humilhante para qualquer ser humano. Temos que mostrar essas humilhações e as possibilidades dos meios de comunicação, que são concessões públicas, cumprirem com sua responsabilidade social e respeitarem os limites da legislação pátria”, defende Teresa Cristina Nascimento Souza, da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres.
 

“A comunicação é um direito humano, que pressupõe falar e ouvir, ver e ser visto. Se vemos TV, queremos nos ver na TV. Não somos só a zona sul do Rio de Janeiro. Um retrato mais fiel acusa a nossa realidade: uma diversidade maior do que a mostrada na TV. Somos diversas em conflitos, em reivindicações. Mostrar tudo isso amplia o espectro de formação da nossa subjetividade e é um passo pra consolidação da nossa democracia”, conclui Raque Moreno, do Observatório da Mulher.

 

A matéria original está disponível clicando aqui.

 

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