Para feministas, meios de comunicação devem ser plurais, abertos às críticas da sociedade e cumprir o papel de concessionários públicos que possuem.
SÃO PAULO – A convenção da ONU que trata da eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher não traz nenhum artigo em específico sobre a mídia, mas expõe de forma clara os papéis da sociedade e do Estado na luta contra padrões culturais que reforçam preconceitos e estereótipos. No caso das emissoras de rádio e TV, portanto, este papel é duplo. Por um lado, por serem empresas e, por outro, por serem concessionárias de um serviço público, elas não podem atuar de forma a reforçar as desigualdades presentes na sociedade.
“Existe uma discriminação estrutural milenar contra a mulher. Sua subalternação é histórica e atual, no Brasil e no mundo”, avalia Silvia Pimentel, professora de Filosofia do Direito na PUC-SP, conselheira do Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e membro do Cedaw, comitê da ONU responsável pelo cumprimento da convenção das Nações Unidas sobre o tema. “Por isso, não estamos pedindo nenhum favor, gentileza ou concessão aos meios de comunicação. Estamos exigindo um direito”, afirma.
Para as feministas, a mídia é o espaço onde as reivindicações das mulheres encontram menos ressonância – se comparado, por exemplo, aos poderes Executivo, Legislativo e até Judiciário.
“Parece que falamos sozinhas, somos ignoradas. A maioria dos veículos é impermeável, trilha seu caminho sozinha. Não têm diversidade e não têm crítica”, afirma Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia. “Eles dizem que o controle remoto é um equipamento forte de controle de qualidade, mas uma sociedade democrática exige mecanismos participativos não somente em relação ao Estado mas também aos meios de comunicação de massa, em especial à TV. No Brasil não há espaço público de debate sobre estas questões, espaços de soma e articulação das críticas à programação. Isso é perverso, porque, assim, nossa crítica é silenciada. Por isso viemos ao Ministério Público Federal”, explicou Jacira durante a audiência pública realizada nesta segunda (23).
Para as feministas, as emissoras deveriam ser, inclusive, responsáveis pelas propagandas que veiculam quando essas ofendem a imagem da mulher brasileira e atingem níveis “exorbitantes” de explicitação da mercantilização da mulher. Se a lógica das emissoras é ser sustentada pela propaganda, os canais deveriam, portanto, ser responsabilizados também pelos anúncios que veiculam.
Uma questão de direitos humanos
A questão da invisibilidade da diversidade feminina na mídia e sua estereotipação nos grandes meios de comunicação é considerada por especialistas como uma forma de violência e de violação de direitos humanos. No caso da mulher negra, a situação é ainda mais grave, porque envolve componentes de racismo, que acabam por determinar o lugar que as negras ocupam na televisão.
“Quando não é invisível, a mulher negra consegue uma visibilidade perversa na mídia. Nas novelas, por exemplo, elas nunca estão no núcleo principal. Surgem no secundário, desempenhando um papel subalterno aos brancos. Aparecem trabalhando muito, mas em posições inferiores”, relata a advogada Rebeca Duarte, da Articulação de Mulheres Negras. “O que ocorre na TV é, portanto, um crime perpetuado pela naturalização deste papel. A sociedade racista naturalizou o fato das pessoas assistirem à novela, com a mulher negra sempre desempenhando este tipo de papel, sem se indignar”, completa.
Ou seja, se, por um lado, a condição da mulher negra na mídia é uma reprodução constante da violência sexista e racista que existe na sociedade brasileira, por outro, avaliam, há uma relação direta entre a reprodução midiática feita das negras e a violência e preconceito permanentes que sofrem na sociedade.
“A forma como as mulheres são retratadas na mídia é inconcebível e humilhante para qualquer ser humano. Temos que mostrar essas humilhações e as possibilidades dos meios de comunicação, que são concessões públicas, cumprirem com sua responsabilidade social e respeitarem os limites da legislação pátria”, defende Teresa Cristina Nascimento Souza, da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres.
“A comunicação é um direito humano, que pressupõe falar e ouvir, ver e ser visto. Se vemos TV, queremos nos ver na TV. Não somos só a zona sul do Rio de Janeiro. Um retrato mais fiel acusa a nossa realidade: uma diversidade maior do que a mostrada na TV. Somos diversas em conflitos, em reivindicações. Mostrar tudo isso amplia o espectro de formação da nossa subjetividade e é um passo pra consolidação da nossa democracia”, conclui Raque Moreno, do Observatório da Mulher.
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