Arquivo da tag: Folha de São Paulo

TV pública: o feito e o por fazer

Um ano após o início das transmissões da TV Brasil, em 2 de dezembro de 2007, persistem incompreensões sobre o sentido democrático da comunicação pública, mas o exame intelectualmente honesto do que foi produzido e veiculado já removeu a desconfiança recorrente da fase inicial: a de que a TV pública seria um instrumento de proselitismo e propaganda do governo, a serviço de algum nefasto projeto político. A emissora continua sendo alvo claro e brilhante de seus críticos, mas adjetivos chistosos, como TV do Lula, foram dissipados pelas evidências de isenção, distanciamento e pluralidade do jornalismo e da programação.

Neste primeiro ano, o conselho curador funcionou efetivamente como instrumento de controle social. Fiscalizou a diretoria e os trabalhos e julgou a rumorosa acusação de um funcionário demitido, de suposta ingerência governamental no "Repórter Brasil". A comissão de sindicância coordenada pelo conselheiro José Paulo Cavalcanti concluiu que o telejornal é politicamente isento e tecnicamente correto e que a TV Brasil veiculou até mais notícias negativas para o governo do que algumas emissoras comerciais.

O balanço do primeiro ano foi aprovado com louvor pelo conselho curador. Embora o caminho a percorrer seja bem mais longo, nestes 12 meses foram lançadas as bases institucionais, materiais e gerenciais para a implantação de um sistema público de comunicação realizador da vontade democrática da Constituinte, que previu a complementaridade entre canais estatais, privados e públicos.

Em dezembro de 2007, a programação fragmentada dos três canais locais controlados pela União (TV Nacional de Brasília, TVE do Rio de Janeiro e TVE do Maranhão) foi unificada para compor a grade inicial da TV Brasil. Desde então foram lançados, além do "Repórter Brasil", uma dezena de programas novos. Alguns de debate e reflexão, como "De Lá para Cá" e "Três a Um". Outros destinados à expressão da diversidade cultural, como a faixa musical "Sons do Brasil" e "Amálgama". A diversidade étnica ganhou espaços em "Doc-África" e "Oriente do Oriente". "América Latina Tal como Somos" é uma faixa de documentários produzidos em 20 países da região, preocupada em aproximar seus povos e culturas. Desde março, atua em Luanda o primeiro correspondente brasileiro na África, para citar algumas iniciativas diferenciadoras.

Vencido o estigma do chapabranquismo, surgiram questionamentos sobre a audiência. Em todo o mundo, por sua natureza complementar, a TV pública não é campeã de audiência.

Mas é preciso mesmo multiplicar os usuários de um serviço financiado majoritariamente por recursos públicos. No caso da TV Brasil, o exame também honesto mostra que tem havido evolução e que atribuir-lhe traço de audiência é uma hipérbole da má vontade. Programas infantis de corte nacional, como "Um Menino Muito Maluquinho" e "A Turma do Pererê" nunca têm menos de 2,5% de share. O "Repórter Brasil", transmitido para 19 Estados, consolidou audiência em torno de 2%, o que para sua tenra idade é muito promissor. O programa diário de Leda Nagle, "Sem Censura", raramente não alcança os cinco pontos. A faixa de cinema nacional também bate frequentemente esta marca. Mas ainda há programas de baixa audiência, que puxam a média para baixo. Em 2009, será maior o esforço para qualificar a grade.

Mas uma boa programação será diletante se não for amplamente distribuída. Colocar o canal de São Paulo no ar foi uma vitória, apesar dos transtornos externos que atrasaram a implantação. Ganhou forma a rede pública com as emissoras estaduais educativas, baseada, inicialmente, na transmissão simultânea de dez horas, quatro de origem regional. O sinal da TV Brasil está disponível na Banda C para os 50 milhões de brasileiros usuários de parabólicas. As operadoras de TV por assinatura têm buscado cumprir a lei que as manda carregar o sinal. Estão requeridos 40 canais analógicos de retransmissão, em todas as regiões. Mas o futuro da TV pública está no sistema digital. É ele que permitirá a construção de uma rede nacional e, através dos recursos de interatividade, uma relação mais direta com a sociedade. Em 2009, serão implantados os canais digitais do Rio e de Brasília. Numa contribuição para o avanço do sistema, a EBC firmou acordo para compartilhar custos de infraestrutura com a s TVs do Judiciário, do Legislativo e do MEC.

Nem tudo pôde ser aqui registrado, e há muito por fazer. Mas o feito até agora aponta para maior pluralidade na radiodifusão, alargando os caminhos da democracia.

* Tereza Cruvinel é jornalista e diretora-presidente da Empresa Brasil de Comunicação, gestora da TV Brasil e de outros canais públicos.

Emissoras de TV acusam a Anatel de ‘guerrilha’ contra o setor

Incentivada pela Globo, a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) ameaça ir à Justiça contra a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). O motivo é a redistribuição de freqüências da radiodifusão para telefonia, comunicação multimídia e TV paga.

A Abert acusa a agência de prejudicar a radiodifusão em benefício das telecomunicações. ''É preciso que a Anatel cesse as condutas de guerrilha deliberadamente hostis à radiodifusão brasileira', diz nota divulgada pela internet.

O estopim da crise é a consulta pública número 833, proposta pela Anatel, que transfere para serviços de telecomunicações quatro canais de UHF hoje reservados para a repetição de sinais de TV para o interior.

A resposta da Abert surpreendeu pelo tom duro. Disse que a agência vem há dez anos prejudicando a radiodifusão e que tomará todas as medidas cabíveis, ''em todas as instâncias' para que ela cesse a ''guerrilha' contra o setor.

O presidente da entidade, Daniel Pimentel Slaviero, disse que, se for preciso, irá à Justiça para assegurar a manutenção dos canais.

Segundo a Abert, a Anatel foi estruturada, há dez anos, com foco na privatização do Sistema Telebrás, e seus funcionários, em grande parte, são oriundos das empresas de telefonia. ''Milhares de emissoras de rádio e centenas de emissoras de TV assistem à transferência crescente de canais dedicados ao serviço de radiodifusão abertos, livres e gratuitos para serviços de telecomunicações, pagos pelo consumidor', diz a nota da Abert.

A área técnica da Abert fez um levantamento dos canais de freqüência tirados da radiodifusão em decorrência da expansão da telefonia sem fio e de novos serviços de telecomunicações. O estudo fundamenta a manifestação da entidade na consulta pública, contra a redistribuição dos canais.

Em 1992, segundo o levantamento, a radiodifusão dispunha de 1.152 MGHz para enviar sua programação para as repetidoras no interior. Em 1997, tinha caído para 1.086 MGHz; em 2002, para 880 MGHz; em 2004, para 185 MGHz; e em 2006 baixou para 5 MGHz.

Segundo a Abert, a redução de canais afeta as atividades de apoio, como as transmissões das geradoras para as antenas de transmissão; o envio de sinais para as repetidoras, no interior, por via terrestre, e a transmissãode reportagens externas ao vivo, que usam uma freqüência especial. Segundo a Abert, nas grandes capitais, por causa do congestionamento das freqüências, as emissoras estão compartilhando o uso dos canais.

Pelo levantamento da Abert, os radiodifusores dispunham de 3.740 MGHz para enviar os sinais dos estúdios para as antenas de transmissão nas cidades. A Anatel fez cortes em 2002, 2004 e em 2006, e hoje há apenas 2.665 MGHz.

Outro lado

A Anatel não se manifestou, oficialmente, sobre as críticas da Abert, limitando-se a dizer que levará em consideração os argumentos que ela vier a apresentar na consulta pública.

Extra-oficialmente, porém, executivos da agência dizem que a migração de freqüências da radiodifusão para as telecomunicações seria inevitável para permitir a expansão das telecomunicações sem fio. As bandas A e B da telefonia celular, por exemplo, foram construídas com o uso de freqüências que, até os anos 1980, eram usados pela radiodifusão.

De acordo com dirigentes da Anatel, as emissoras de televisão contam com novas alternativas técnicas para a transmissão de reportagens ao vivo e enviar os sinais para as suas repetidoras, como as fibras óticas e os satélites.

STJ livra Rede TV! de dívida da Manchete

A Rede TV! conseguiu no STJ (Superior Tribunal de Justiça), na última quinta-feira, uma liminar que a livrará de pagar mais de R$ 20 milhões em sentenças trabalhistas de ex-funcionários da extinta TV Manchete, que faliu em 1999.

Diferentemente do que tem decidido a Justiça Trabalhista, a liminar do STJ indiretamente não considera a Rede TV! como sucessora (e portanto responsável pela dívidas) da Manchete, apesar de ter herdado suas concessões. Trata-se de uma decisão provisória, mas a tendência é a liminar ser confirmada pelo STJ (e não cassada).

Na liminar, o ministro Fernando Gonçalves reconheceu conflitode competência entre a Justiça Trabalhista e a Justiça Cível. Como já há uma decisão de segunda instância na Justiça Cível, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que concluiu por unanimidade que a Rede TV! não é sucessora, o ministro determinou a suspensão de todas as ações trabalhistas de ex-funcionários da Manchete contra a emissora paulista.

A liminar atinge diretamente 33 autores de ações contra a Rede TV!, mas bloqueará cerca de 600 processos trabalhistas em todo o país.

A Rede TV! argumenta que herdou apenas as concessões, que pertencem àUnião, e não à Manchete. Diz também que, na época, se comprometeu a pagar os salários atrasados dos funcionários da Manchete, mas não os encargos trabalhistas.

Cultura e conhecimento: a importância dos direitos autorais

O debate sobre direitos autorais ganhou espaço importante de discussão pública. Trata-se de assunto estratégico para a cultura brasileira: a valorização e proteção aos autores e criadores é premissa fundamental de todo o trabalho que vem sendo realizado no Ministério da Cultura – instituição que tem a competência, no Estado brasileiro, de tratar o tema.

Em grande medida, suscitamos a discussão quando decidimos retomar a responsabilidade do ministério de atuar neste que é um dos mais importantes temas da cultura. Além de órgão regulador, o Ministério da Cultura tem se tornado um grande financiador de bens artísticos e criativos, aumentando seu orçamento ano a ano, e remunerando, via seleções públicas, milhares de autores de filmes, peças, livros e outros bens culturais que entram em circulação no país.

Na globalização, o Brasil precisa afirmar-se como um grande produtor de conteúdo em língua portuguesa e não apenas um gigante consumidor. Nossa balança comercial em propriedade intelectual (hoje deficitária) deve buscar o equilíbrio, em benefício do Brasil, das empresas e dos autores brasileiros.

O direito autoral voltou hoje a ser premissa e uma das finalidades da política cultural brasileira. A política para o direito autoral é estratégica porque diz respeito à soberania do Brasil e de nossos criadores na emergência da sociedade do conhecimento.

Passados dez anos da última alteração da Lei Autoral brasileira, é hora de a sociedade pensar se é necessária uma atualização. São muitas as insatisfações com o atual modelo, a começar pelos autores, que não se sentem inteiramente protegidos, nem bem remunerados. E acrescentemos o desafio dos novos modelos de negócios em base digital e, também, o aprofundamento da democracia e o desejo dos brasileiros de acessar a cultura, como parte de sua formação humana integral.

Hoje, a lei é anacrônica para atender, de forma equilibrada, tanto autores como consumidores e cidadãos. A simples reprodução de um arquivo musical para um tocador de MP3 contraria nossa legislação autoral, que não diferencia cópia privada de cópia com fins de pirataria. Tanto autores como consumidores concordariam que esta é forma relevante de circular cultura e remunerar artistas.

Tecnologia

O ambiente de desenvolvimento das tecnologias digitais promove, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade para o criador de obras literárias e artísticas. Desafio porque, dada a facilidade com que se reproduz ou se comunica ao público, uma obra ultrapassa largamente a capacidade tradicional de controle do autor sobre a sua utilização. Oportunidade, pois o autor nunca teve tanta facilidade em tornar público o seu trabalho, sem depender dos esquemas tradicionais que lhe submetem a um contrato com um investidor cujos termos são, por vezes, onerosos e mesmo leoninos contra os autores. Em algum momento de minha carreira musical, senti na própria pele como os autores nem sempre são os beneficiários.

A lei atual prescreve a utilização das medidas de proteção tecnológica (MPT), que permitem ao dono dos direitos sobrepor algum software ou programa específico sobre a mídia em que eles estão gravados, de maneira que seja impossível, por exemplo, copiar o filme ou a música. Na prática, em todo o mundo, tais medidas têm se revelado ineficientes e incapazes de manter a remuneração dos autores e investidores.

A tecnologia a serviço do cerceamento das liberdades produzidas pela própria tecnologia não é o melhor caminho, quando temos formas mais modernas de controle e novas formas de modelos de negócio, como a contribuição obrigatória sobre a mídia virgem. Essa contribuição, mínima, é revertida automaticamente para os autores como forma de compensá-los por perdas como as causadas pelos downloads. Limitações e exceções à proteção autoral permitem atividades culturais sem fins econômicos, que são perfeitamente legais em países avançados.

Devemos também enfrentar a vulnerabilidade dos criadores frente ao abuso de poder econômico do investidor, que se reflete, por vezes, em certas formas de contrato, de licenciamento ou cessão dos direitos sobre sua obra para que ela seja reproduzida, veiculada, distribuída ou comunicada ao público. O que sobra ao autor após a assinatura desse contrato é, via de regra, ínfimo, face à importância de sua criação para a mídia e para o usuário final da obra protegida.

As distorções da lei atual criam um claro desequilíbrio entre o incentivo à criação versus o acesso à cultura, de um lado, e, de outro, o incentivo ao criador versus a remuneração do investidor. A tecnologia, por certo, interfere nesse processo, nos colocando diante de desafios que serão enfrentados com muito debate social, negociação e inovação. A questão fundamental a ser enfrentada é: como remunerar de maneira condizente o criador nacional, o bem-estar que ele propicia a toda a sociedade?

Transparência

Devemos reforçar o papel das entidades de gestão coletiva autoral em suas tarefas de controlar a utilização das obras e de arrecadar uma remuneração justa, que seja efetivamente revertida aos autores. São legítimas as críticas constantes ao órgão central de arrecadação da execução pública musical, assim como a situação de falência da entidade mais antiga de gestão coletiva, no caso dos direitos de representação teatral, além da ausência de órgãos de gestão, por exemplo, na área do cinema.

No período recente, o Estado brasileiro praticamente foi desmantelado no seu papel de garantir mais transparência. Hoje, tornou-se necessário fortalecer o papel do Estado na área. O Ministério da Cultura apoiou a criação, no âmbito do Ministério da Justiça, do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP).

O governo tem sido bem-sucedido em coordenar os esforços entre a iniciativa privada e o Estado, com o objetivo de combater a reprodução não-autorizada de obras autorais. Isso tem sido feito, facilitando o trabalho das autoridades policiais e judiciárias na busca, apreensão e destruição do material pirateado.

Porém, temos insistido que não será suficiente somente a repressão pura e simples à pirataria, sem um trabalho de educação e informação para a população da importância do direito autoral e da relação intrínseca entre a pirataria e o crime organizado, mostrando que a compra de material pirata financia a criminalidade. A iniciativa privada também tem um papel importante nessa área, devendo buscar reduzir os preços dos CDs e DVDs comercializados para torná-los mais atrativos para o consumidor de material pirateado. O Estado não pode tudo nessa área: sem um esforço de toda a cadeia de comercialização, as medidas represssivas não serão suficientes.

A consolidação das leis autorais, ainda no século 19, teve sempre um objetivo fundamental: incentivar a criação como forma de aumentar o bem-estar da sociedade. Nossa lei atual está cumprindo esse objetivo? Em minha visão, não é o caso.

Por isso tudo, julgo que devemos rever esses desequilíbrios e induzir à melhor distribuição de benefícios, na qual o criador receba uma contrapartida justa em relação a seu papel na sociedade. Com o meio digital, o desafio é ainda maior. Independentemente de qual sejam esses instrumentos e seu foco de atuação, o Ministério da Cultura já vem trabalhando para dotar seu setor autoral de uma estrutura adequada, para fazer frente aos desafios impostos pelas novas tecnologias e, principalmente, pela grandeza cultural de nosso país.

Nesse sentido, é com satisfação que anuncio que o Ministério da Cultura realizará uma série de encontros, seminários e oficinas integrando um fórum nacional sobre direitos autorais que promoverá um amplo debate com a sociedade e com todos os atores envolvidos na questão autoral com vistas a definir qual a melhor forma de promover os equilíbrios que mencionei, bem como a atuação que o poder público deve ter para dotar o campo autoral de mais transparência e justiça.

Belluzzo: nova TV pública precisa de modéstia e ambição

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Luiz Gonzaga Belluzzo afirma ter estranhado que o convite para presidir o conselho curador da nova TV pública tenha sido feito a um economista. “Acho que foi por conta dessa minha percepção de que é preciso que se dê curso ao debate mesmo que as idéias contrárias não sejam do seu agrado”. Hoje filiado ao PPS, Belluzzo é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governador José Serra.

Segundo Belluzzo, a TV pública precisa de “muita modéstia na formulação” e “ambição para não permitir que seja transformado num instrumento de poder como invariavelmente tendem a se transformar as televisões”. Ex-secretário dos governos Sarney e Quércia (SP), o economista afirma ainda que o PT demoniza a imprensa. ”Esse tipo de reação, eu não gosto. Tenho medo. Assim como tenho medo de certas unanimidades que vemos na mídia", critica.

Confira a íntegra da entrevista:


FOLHA – Por que não aceitou ser presidente executivo da TV pública?
LUIZ GONZAGA BELLUZZO – Não quero mais aceitar um cargo público que receba uma remuneração do governo. Disse a eles que aceitava ser presidente do conselho, se eleito, que me comprometia com o projeto, desde que não remunerado.

FOLHA – Por quê?
BELLUZZO – Cabe aos profissionais do setor. O papel do conselho é traçar as diretrizes e fiscalizar a execução do projeto de se criar uma TV não estatal, apartidária, plural e, desculpe ser um pouco pedante, mas que sobretudo permita que pouco a pouco o cidadão seja capaz de compreender o mundo onde vive. Precisamos de muita modéstia na formulação. E, paradoxalmente, ambição para não permitir que seja transformado num instrumento de poder como invariavelmente tendem a se transformar as televisões, ou as televisões estatais que não respeitam esses princípios.

FOLHA – Como evitar?
BELLUZZO – Primeiro, o conselho tem que ser muito amplo, plural. Nenhum ponto de vista pode ser excluído. Uma TV pública tem que dar abrigo a todos os pontos de vista.

FOLHA – A que atribui o convite?
BELLUZZO – Estranho que tenha sido a um economista. Acho que foi por conta dessa minha percepção de que é preciso que se dê curso ao debate mesmo que as idéias contrárias não sejam do seu agrado. Pode parecer simplório. Mas não é fácil.

FOLHA – Como o sr. enxerga a decisão do PT de "acompanhar" as renovações de concessões de TVs?
BELLUZZO – Isso é um problema do PT. O PT tem todo direito de pensar como ele pensa. Só que a TV pública não pode se submeter a esse tipo de coisa. Não se pode politizar uma TV pública.

FOLHA – O sr. considera isso um "problema" do PT?
BELLUZZO – Não. Há muitos grupos dos EUA que se preocupam com isso. No livro "The Assault of Reason" (O ataque à razão), o Al Gore, que não é um perigoso esquerdista, faz uma análise de como o poder da mídia causou problemas sérios na decisão do povo americano de apoiar ou não a guerra no Iraque. A mídia insistiu na questão das armas de destruição em massa. Se há movimentos unânimes, não é bom para a democracia.

FOLHA – No Brasil, há esse risco?
BELLUZZO – Às vezes, há certas ondas de unanimidade que não são boas. Por exemplo, no julgamento do Supremo. Como sou amigo de muitos juízes, eles disseram que era difícil suportar aquilo. Quando perguntaram a Hannah Arendt por que estava interessada em compreender o nazismo, ela disse: "Se eu não compreender o nazismo vou enlouquecer". É preciso que se insista nisso. Vejo a TV pública como a antítese da idéia de doutrinação. A idéia de doutrinação é abominável.

FOLHA – O sr. acha a postura do PT e da "grande mídia" doutrinária?
BELLUZZO – Muitas vezes é doutrinária no mau sentido da palavra, porque não permite que vire as vísceras. Muitas vezes é uma coisa propagandista de ambos os lados. É propaganda. Não é informação, nem debate.

FOLHA – O PT diz que o julgamento no STF era desnecessário, pois o governo foi aprovado nas urnas.
BELLUZZO – Aprendi com Ulysses Guimarães que é preciso deixar as instituições funcionarem. A idéia de que os acusados de mensalão não poderiam ser julgados é, para mim, completamente estranha. Era preciso que fossem julgados por um tribunal independente. O relatório foi feito com a maior seriedade, a despeito do clima muito emocionalizado [no STF].

FOLHA – E a imprensa?
BELLUZZO – Simplificou. Ficou uma coisa de bandidos contra mocinhos. O mundo não é assim. Vejo alguns colunistas que têm certezas tão graníticas. Fico muito surpreendido porque não tenho essa certeza.

FOLHA – E a reação ao "Cansei"?
BELLUZZO – Vi muita gente ofendida com razão. Por que não podem dar a opinião? Posso ter desprezo intelectual pelo o que estão dizendo, mas eles têm todo direito de dizer o que acham.

FOLHA – Na sua opinião, qual seria o tratamento ideal da mídia no caso do mensalão?
BELLUZZO – Seria a evolução do caso. O que não posso é me colocar na posição de juiz. Existe uma instituição encarregada de julgar. Ficamos espantados que esteja funcionando no país. O Brasil é o país onde os de cima nunca eram afetados pela polícia, pela Justiça. É um choque do avanço da democracia. Um choque, às vezes, é dolorido e exaspera reações antidemocráticas. As instituições, de certa forma, estão funcionando. Inclusive a imprensa está se comportando de uma maneira em que é obrigada a se submeter à crítica. Tem um autor francês Paul Virilio que diz a mídia é a única instituição que cria suas próprias leis.

FOLHA – O sr. concorda?
BELLUZZO – Um pouco. Não tem coisa mais sagrada que a liberdade de expressão. Ela não pode ser monopolizada por ninguém. Você não pode se colocar na posição de que é inatacável.

FOLHA – O sr. acha que a reação da mídia é ao choque democrático?
BELLUZZO – Esse terremoto democrático, que se acentuou com a chegada do operário ao poder, suscitou uma reação de ambos os lados. O que não se pode permitir é que isso provoque transgressão à liberdade de opinião recíproca. O que eu temo é isso. "A mídia é isso", "a mídia é aquilo", é uma coisa acrítica. Esse tipo de reação, eu não gosto. Tenho medo. Assim como tenho medo de certas unanimidades que vemos em certos momentos na mídia.

FOLHA – Essa relação, sob tensão, é perigosa?
BELLUZZO – Não é boa para o país. Pode ser conflituosa, mas não desrespeitar regras da sociedade democrática.

FOLHA – Lula está preocupado?
BELLUZZO – Ele acha que tem que criar um espaço público que distensione isso. Ele é muito conciliador, o Lula. Ele fica muito assustado.

FOLHA – O sr. concorda que a imprensa seja tratada como um bloco?
BELLUZZO – É simplista. Há matizes. Criou-se um embate que não é bom para o Brasil. O governo tornar a mídia num bloco monolítico. E a mídia diz "o governo quer censurar".

FOLHA – O que o sr. acha dessa postura mais agressiva?
BELLUZZO – Se você acua um gato num quarto escuro, dizem, não tem uma forma de expressão. Em "Origens do Totalitarismo", quando você lê os relatos que a Hannah Arendt faz do fascismo, é claramente de um povo que se sentia acuado, economicamente, social e politicamente. O totalitarismo não permite que o indivíduo se exprima. Gera a violência. Isso é muito perigoso. Fico assustado quando vejo esse tipo de reação. A reação correta é construir um ambiente de diversidade. Não é um demônio adversário, em cima do qual você joga toda responsabilidade.

FOLHA – A demonização vem dos dois lados?
BELLUZZO – Bastante. É o ápice da irracionalidade. O PT demoniza a imprensa e a resposta não tem sido adequada.

FOLHA – O sr. assusta quando fala do animal acuado como semente do fascismo…
BELLUZZO – Uma sociedade em que os processos de sociabilidade se destruíram completamente. Não há mais referências a não ser o füher. O populismo latino americano é uma pálida idéia do que foi aquilo. Vocês dizem que o Lula é populista. Ele é uma figura popular. É muito democrático. Não acho que tenhamos as condições históricas do fascismo. O que digo é que a sociedade está sempre ameaçada pelo risco de salvacionismo, que, volta e meia, volta. Se você forma um consenso que não é passível de ser contraditado, corre um risco enorme.

FOLHA – A democracia brasileira está sob ameaça?
BELLUZZO – Acho que está permanentemente ameaçada pelos poderes privados e pela idéia de que você pode ter um salvador da pátria e que o Estado pode, na verdade, controlar a vida dos cidadãos. O processo democrático envolve, necessariamente, o risco de você perder. Necessariamente perder o controle e caminhar na direção, por exemplo, de situações de monopólio de informação. Um dia li uma entrevista na Folha, do Ruy Fausto, com a qual concordo quase inteiramente em que ele diz que às vezes a esquerda não se deu conta de que o socialismo real fracassou completamente. Ele diz que a esquerda não conseguiu se reabilitar. De vez em quando você tem frêmitos controlistas. Não vai dar certo. Os pais da idéia pensaram na democracia radicalizada. É autonomia dos indivíduos produtores. É claro que é uma coisa do século 19. A sociedade ficou muito mais complexa. Mas as idéias de autonomia do indivíduo são as que deveriam guiar a nossa luta política. Isso está permanentemente em risco.

FOLHA – O sr. é um conselheiro do Lula e apoiou o Serra em 2002. Gostaria de entender essa relação.
BELLUZZO – Conheço o Lula desde os anos 70, quando começou ser um líder sindical. Tenho uma relação afetiva com ele. Gosto muito dele. Não obstante, por que apoiei o Serra? Não porque sou amigo do Serra, mas porque achei que fosse capaz de exercer uma política econômica melhor. Exerci meu direito de divergir. Era uma disputa entre duas pessoas que acho importantes para o Brasil.

FOLHA – Como evitar a influência do governo na TV Pública?
BELLUZZO – O recado que recebi do presidente foi que levasse com a maior autonomia possível.

FOLHA – Deve haver um fundo?
BELLUZZO – O financiamento é fundamental. Uma TV pública, dada a missão que tem que cumprir, tem que ter regularidade na fluência dos recursos. Senão a qualidade do serviço cai. Sem falar na autonomia.

FOLHA – E a publicidade?
BELLUZZO – A TV pública não pode disputar publicidade. Se for presidente do conselho, não vou admitir.


 Active Image