Imprensa não tem direito a expor privacidade do réu

Emissora de televisão não pode mostrar imagens da vida privada sem o conhecimento ou consentimento do personagem, mesmo que esta pessoa seja réu em um crime de grande repercussão pública. O entendimento é da juíza Laura de Mattos Almeida, da 12ª Vara Cível de São Paulo. A juíza confirmou a decisão que proibiu a Rede Record de Televisão de transmitir qualquer imagem ou voz do promotor de Justiça Thales Ferri Schoedl, em que sejam mostradas situações de sua vida privada. Cabe recurso.

“A emissora pode e deve fazer reportagens sobre o crime de que é acusado o autor. Mas exibir imagens e falas captadas clandestinamente violam o direito à intimidade e privacidade”, considerou a juíza. Os advogados da emissora não foram encontrados pela reportagem da revista Consultor Jurídico para comentar a decisão.

Schoedl é réu confesso de matar um rapaz e ferir outro, em dezembro de 2004. O crime aconteceu em Riviera de São Lourenço, condomínio de veraneio em Bertioga, no litoral paulista. Schoedl disparou 12 tiros com uma pistola semi-automática calibre 380 contra dois rapazes que teriam importunado sua namorada. Diego Mondanez foi atingido por dois disparos e morreu na hora. Felipe Siqueira foi baleado quatro vezes, mas sobreviveu.

No mês de agosto do ano passado, a Rede Record, no programa Domingo Espetacular, apresentado por Paulo Henrique Amorim, trouxe reportagem sobre o cotidiano do promotor, com detalhes de sua vida particular. As gravações foram feitas com câmeras e microfones escondidos. Thales aparecia em academia e numa casa noturna, acompanhado de uma garota. A reportagem Promotor acusado de homicídio permanece impune foi veiculada também em outros programas da emissora.

O advogado do promotor na esfera cível, Frederico Antonio Oliveira de Rezende, do escritório Mesquita Filho, Masetti Neto Advogados, ajuizou ação contra a emissora. Alegou que a reportagem violou os direitos protegidos pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e caracterizou abuso do direito de imprensa.

Em setembro de 2007, Rezende conseguiu uma liminar contra a Record. A emissora entrou com Agravo no Tribunal de Justiça, que foi julgado improcedente. Na segunda-feira (31/3), a juíza Laura de Mattos Almeida confirmou a decisão.

“A emissora de televisão, exercendo sua liberdade de expressão e de imprensa, pode e deve fazer reportagens sobre o crime de que é acusado o autor. Tal proceder, em princípio, não traduz qualquer abuso ou ilícito. Ocorre que, na reportagem, que foi levada ao ar diversas vezes, a requerida extrapolou o direito de imprensa”, reconheceu.

Para a juíza, as imagens do cotidiano do promotor violaram seu direito à intimidade e privacidade, além de não guardar qualquer relação com a apuração do crime do qual Thales Schoedl é acusado. “De fato, a divulgação da imagem e da voz do autor, em situações de sua vida cotidiana, como na academia de ginástica e numa casa noturna, acompanhado de uma moça, não tem nenhuma relevância para o interesse público. Nada impede a gravação de imagens do requerente em locais públicos. Porém, constitui ato ilícito a gravação de imagens do autor em ambientes privados, sem seu conhecimento ou consentimento”, considerou.

A juíza fixou multa diária de R$ 100 mil para cada vez que as cenas do promotor forem ao ar. A juíza ressaltou que não proíbe que a reportagem seja veiculada, mas que não sejam mostradas cenas da vida particular de Schoedl na TV.

Idas e vindas

Além da batalha para preservar sua imagem e intimidade, Schoedl luta também para seguir sua carreira. O promotor foi exonerado do Ministério Público logo que ocorreu o crime, mas em maio de 2006 Mandado de Segurança do Tribunal de Justiça de São Paulo revogou a exoneração. Schoedl voltou ao cargo a receber salários e demais vantagens, mas sem exercer suas funções.

No dia 29 de agosto de 2007, por 16 votos a favor e 15 contra, o Conselho Superior do Ministério Público paulista confirmou o vitaliciamento do promotor e o confirmou no cargo, considerando-o apto a reassumir imediatamente suas funções. O promotor chegou a ser designado para assumir o posto em Jales, mas em seguida entrou de férias, adiando por 30 dias sua volta ao trabalho.

Em 3 de setembro, o Conselho Nacional do Ministério Público reverteu a decisão do MP paulista e determinou o afastamento de Schoedl de suas funções. Por liminar, suspendeu ainda o seu vitaliciamento. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado e poderá ser julgado pelo Tribunal do Júri. Mas pode ser por pouco tempo. O mérito da questão ainda será julgado pelo CNMP.

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