Arquivo da tag: Constituição

STF é acionado contra concessão de rádio e TV a políticos

[Título Original: STF é acionado para acabar com concessão de rádio e TV a políticos]

Um dia após Marinor Brito (PA) perder o mandato no Senado para o “ficha suja” Jader Barbalho (PMDB-PA), detentor das outorgas de vários veículos de comunicação, o partido dela, PSOL, acionou o mesmo Supremo Tribunal Federal (STF) exatamente para questionar concessões de rádio e TV a políticos com mandato.

A ação elenca 41 deputados e sete senadores que possuem concessões em seus nomes. Para o PSOL, esse é até um número subestimado, pois não raro os políticos têm parentes, empresas e laranjas por trás de concessões.

Segundo o PSOL, a prática, além de inconstitucional, fragiliza a democracia brasileira e perpetua o chamado coronelismo eletrônico. “Quem deve fiscalizar as concessões de rádio e TV no país não pode controlá-las”, disse o presidente do partido, Ivan Valente.

De acordo com ele, o objetivo da ação é impedir novas concessões para políticos com mandato, coibir a renovação das já concedidas e proibir a diplomação e posse daqueles que, por quaisquer motivos, venham driblar esse preceito constitucional.

A alegação de inconstitucionalidade se baseia no descumprimento de onze preceitos constitucionais, entre eles a liberdade de expressão, o direito à informação, o princípio da isonomia, a soberania política e a democracia.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, já disse que é contra a concessão de outorgas a políticos, pelas mesmas razões apontadas pelo PSOL, e que o governo poderia incluir esse veto na proposta de marco regulatório da radiodifusão, que está em estudo. Mas ele acha também dificilmente a proposta passaria no Congresso, que não legislaria contra si.

O partido diz que a ação não foi motivada pela decisão do Supremo que reconduziu Jader ao Senado – embora o paraense possa ser afetado, caso a corte aceite a ação. Já vinha sendo articulada há vários meses, a partir de levantamento apresentado pelo Coletivo Intervozes, uma organização da sociedade civil que pesquisa a comunicação no Brasil.

“Nos procuramos vários partidos ligados à causada da comunicação, mas só o PSOL se dispôs a ingressar com a ação em parceria conosco”, disse o coordenador da organização, Gesio Passos.

Coronelismo eletrônico
Ivan Valente lembra que a distribuição de canais de rádio e TV vem sendo usada como moeda de troca na política brasileira desde a ditadura militar. “O ex-presidente José Sarney distribuiu quase cem canais para garantir a ampliação do seu mandato. E os ex-presidentes FHC e Lula perpetuaram o modelo”, denuncia ele.

A família Sarney, inclusive, é usada como exemplo clássico de coronelismo eletrônico. O ex-presidente José Sarney não possui nenhum veículo em seu nome, mas a filha dele e governadora do estado, Roseana Sarney, e o filho e deputado, Sarney Filho (PV-MA), possuem vários, de diferentes modalidades.

O lider do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ), acredita que quem controla meio de comunicação orienta o caminho da nação. “Esse fato absolutamente agressivo à Constituição brasileira, já naturalizado, não pode continuar sem nenhuma reação da sociedade, porque adultera o processo eleitoral e limita a nossa já frágil democracia”.

Para ele, são ilegalidades como esta que permitem que políticos com a ficha suja, como Jader Barbalho, se perpetuem na política desde a ditadura, exercendo influencia na população por meio de seus canais de rádio e TV.

Farra das concessões, artigo 54º não é respeitado no Brasil

Mais de 30% das concessões de rádio e TV no Brasil estão em poder de congressistas. Foi o que identificou a matéria da repórter, Elvira Lobato, publicada em março na Folha de S.Paulo. Elvira apurou que especuladores, igrejas e políticos utilizam o nome de terceiros para comprar concessões de rádio e TV. À época da reportagem, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, admitiu que "é mais fácil fazer o impeachment do presidente da República do que impedir a renovação de uma concessão de rádio ou TV".

Imprensa também apurou o caso, e verificou que o artigo 54º da Constituição Federal não é cumprido no Brasil. A legislação impede que deputados e senadores sejam donos de concessões e que "firmem ou mantenham contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público".

João Brant, coordenador do Coletivo Intervozes, destaca que "a admissão do próprio Ministro da dificuldade do tema dá a impressão de que eles [o Ministério] lavam as mãos sobre o assunto". Em uma lista recente, divulgada em 30 de maio, o MiniCom divulgou o nome de todos os donos e sócios de emissoras de rádio e televisão.

Informação que já era de domínio público no site da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). De um universo de 291 TVs, 3.205 rádios e 6.186 retransmissoras comerciais existentes no Brasil, mais de 40 estão na mão de deputados e senadores.

Para Pedro Ortiz, doutor em comunicação e integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (PROLAM-USP) e pesquisador sobre a TV pública no Brasil, as concessões de emissoras de rádio e TV, comerciais ou educativas, não deveriam ser outorgadas a políticos. "O ministério das Comunicações atua, há seguidas gestões, como uma espécie de 'balcão de negócios' para os pedidos de concessões vindos da classe política ou de 'empresários' das comunicações", sinala.

Acompanhe a íntegra da entrevista com Pedro Ortiz:

Concentração de veículos de comunicação na mão de políticos. Quem sai prejudicado?

Considero que a concentração dos meios de comunicação deveria ser evitada em todos os sentidos, seja nas mãos de grandes corporações midiáticas privadas, ou em aparatos estatais. Não deveria ser admitida ou tolerada a propriedade de veículos de comunicação nas mãos de políticos, nos níveis municipal, estadual e federal, bem como para igrejas, partidos políticos ou instituições que queiram fazer uso político ou proselitista.

O ministério das Comunicações começou a implementar uma série de medidas  para deixar o processo de concessões mais transparente. Será o suficiente?

O histórico das concessões de rádio e TV no Brasil e a forma como elas são distribuídas, em muitos casos, não inspira um panorama muito animador nessa área, infelizmente. Se o ministério das Comunicações, a Anatel e mesmo o Congresso Nacional, através de suas comissões específicas, cumprissem à risca o seu papel concedente e fiscalizador, poderíamos começar a pensar em mudanças positivas.

Quem perde com a concentração de poder político na mídia?

Toda a sociedade civil. A concentração de poder político e econômico na mídia é prejudicial à democracia, seja na mídia comercial ou estatal. A sociedade brasileira pode e deve avançar na construção de um sistema público de comunicação, complementar aos já existentes, como define o artigo 223 da Constituição Federal. Para isso começar efetivamente, é necessária a regulamentação do artigo, com a criação da legislação específica.