Arquivo da tag: Brasil de Fato

A barbárie e a estupidez jornalística

Imaginem vocês se um pequeno operativo do exército cubano entrasse em Miami e atacasse a casa onde vive Posada Carriles, o terrorista responsável pela explosão de várias bombas em hotéis cubanos e pela derrubada de um avião que matou 73 pessoas. Imagine que esse operativo assassinasse o tal terrorista em terras estadunidenses. Que lhes parece que aconteceria? O mundo inteiro se levantaria em uníssono condenado o ataque. Haveria especialistas em direito internacional alegando que um país não pode adentrar com um grupo de militares em outro país livre, que isso se configura em quebra da soberania, ou ato de guerra. Possivelmente Cuba seria retaliada e, com certeza, invadida por tropas estadunidenses por ter cometido o crime de invasão. Seria um escândalo internacional e os jornalistas de todo mundo anunciariam a notícia como um crime bárbaro e sem justificativa.

Mas, como foi os Estados Unidos que entrou no Paquistão, isso parece coisa muito natural. Nenhuma palavra sobre quebra de soberania, sobre invasão ilegal, sobre o absurdo de um assassinato. Pelo que se sabe, até mesmo os mais sanguinários carrascos nazistas foram julgados. Osama não. Foi assassinato e o Prêmio Nobel da Paz inaugurou mais uma novidade: o crime de vingança agora é legal. Pressuposto perigoso demais nestes tempos em que os EUA são a polícia do mundo.

Agora imagine mais uma coisa insólita. O governo elege um inimigo número um, caça esse inimigo por uma década, faz dele a própria imagem do demônio, evitando dizer, é claro, que foi um demônio criado pelo próprio serviço secreto estadunidense. Aí, um belo dia, seus soldados aguerridos encontram esse homem, com toda a sede de vingança que lhes foi incutida. E esses soldados matam o “demônio”. Então, por respeito, eles realizam todos os preceitos da religião do “demônio”. Lavam o corpo, enrolam em um lençol branco e o jogam no mar. Ora, se era Osama o próprio mal encarnado, porque raios os soldados iriam respeitar sua religião? Que história mais sem pé e sem cabeça.

E, tendo encontrado o inimigo mais procurado, nenhuma foto do corpo? Nenhum vestígio? Ah, sim, um exame de DNA, feito pelos agentes da CIA. Bueno, acredite quem quiser.

O mais vexatório nisso tudo é ouvir os jornalistas de todo mundo repetindo a notícia sem que qualquer prova concreta seja apresentada. Acreditar na declaração de agentes da CIA é coisa muito pueril. Seria ingênuo se não se soubesse da profunda submissão e colonialismo do jornalismo mundial.

Olha, eu sei lá, mas o que vi na televisão chegou às raias do absurdo. Sendo verdade ou mentira o que aconteceu, ambas as coisas são absolutamente impensáveis num mundo em que imperam o tal do “estado de direito”. Não há mais limites para o império. Definitivamente são tempos sombrios. E pelo que se vê, voltamos ao tempo do farwest, só que agora, o céu é o limite. Pelo menos para o império. Darth Vader é fichinha!

 

* Elaine Tavares é jornalista

Confecom: uma primeira vitória, uma nova etapa na longa luta

Era um, era dois, era cem

Era um dia, era claro

Quase meio

Encerrar meu cantar

Já convém

Prometendo um novo ponteio

Certo dia que sei

Por inteiro

Eu espero não vá demorar

Esse dia estou certo que vem

Digo logo o que vim

Prá buscar

Correndo no meio do mundo

Não deixo a viola de lado

Vou ver o tempo mudado

E um novo lugar prá cantar…

Quem me dera agora

Eu tivesse a viola

Prá cantar

Ponteio!…

Ponteio – Edu Lobo e Capinam

Basta tomar as manchetes rancorosas da grande mídia capitalista contra a primeira Conferência Nacional de Comunicação para comprovar que o evento representa indiscutivelmente uma importante vitória das forças progressistas no Brasil. Especialmente a TV Globo e o jornal “O Globo” dedicaram espaços para destruir a imagem desta primeira Confecom na história do Brasil, como se não fosse possível fazer um evento democrático na área da comunicação sem a anuência destes setores. Este era um tema proibido, hoje é agenda do Estado e da sociedade.

Nestas manchetes, revela-se que os grandes magnatas da mídia sentiram o golpe, pois para eles é inadmissível que este tema Democracia na Comunicação seja tratado pública e democratimente. Muito menos aceitável, para eles, é que o governo patrocine tal evento. Para a oligarquia midiática qualquer ação feita com o sentido de criação de políticas públicas para a comunicação é inevitavelmente censura estatal, porque tratam a comunicação como se fosse um latifúndio, um indústria de alimentos contaminados, uma fábrica qualquer de medicamentos falsificados , embora bem embalados.

A grande diferença é que o governo atual não está interessado em censura mas em promover a democratização da comunicação. E para isto cuidou de construir uma aliança com os movimentos sociais e com setores não monopolistas do empresariado para viabilizar a Confecom, neutralizando, de certa maneira, a sabotagem organizada pela Abert, Anj e Aner. Primeiro é preciso reconhecer em geral o acerto desta tática de construir alianças entre governo e sociedade organizada, mas também com setores do empresariado dispostos a aceitar que a comunicação seja discutida por toda a sociedade e não apenas pelos pequenos círculos oligopolistas de sempre. Pode-se prever que o tom de críticas a Lula será ainda mais azedo e odioso, do mesmo modo como também condenam e insultam Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner por promoverem medidas de democratização na comunicação e por terem tido a coragem de questionar e enfrentar os indecentes privilégios que aqueles magnatas da comunicação sempre tiveram. Eles não perdoarão jamais a Lula por ter convocado uma Conferência oficial para tornar a comunicação tema de todos os brasileiros.

Organizar o campo popular da comunicação

A Confecom aprovou temas importantes, seja medidas de aplicação imediata, consideradas exeqüíveis porque dependem exclusivamente de ato de governo legitimado por um presidente que teve 63 milhões de votos e agora tem o respaldo de uma conferência nacional. Exemplo disto é que quando em 2004 o presidente Lula assinou decreto-lei criando a Rede de TVs Institucionais, que levaria o sinal destas emissoras a todos os municípios ( que também poderiam ter espaço de produção local de uma pequena parte da programação ), encontrou ampla oposição da Abert taxando o decreto de estatizante. Mas, também a Fenaj se opôs à criação da RTVI especialmente por discordar da via do decreto. Sem respaldo, e com outras dificuldades, Lula recuou. Agora tem consigo as resoluções aprovadas da Confecom, legitimadas pela ampla participação da sociedade, inclusive de um setor do empresariado. O que não elimina a necessidade do fortalecimento do campo democrático e popular de comunicação para a implementação das resoluções, consistindo na manutenção da aliança entre governo, partidos políticos, movimentos sindicais, movimentos da sociedade e segmentos empresariais não monopolistas.

Agora a Confecom lhe dá o respaldo para que, por meio de atos de governo, seja portaria, seja decreto ou regulamentação, muitas resoluções aprovadas sejam transformadas em realidade. Aqui incluídas uma boa parte das 59 propostas que a Secom aprovou na conferência, tendo como linha o fortalecimento da comunicação pública, como a criação do Operador Nacional Único de Rede nas mãos da EBC, a mudança de critérios para a publicidade institucional que também alcançará a comunicação comunitária, a inclusão dos canais comunitários na TV digital em sinal aberto, a distribuição equitativa de concessões na era digital para os segmentos público, estatal e privado, uma nova relação com as rádios comunitárias a partir de estruturas específicas para desburocratizar seus pleitos, o fim da criminalização ao setor, inclusive porque passarão a fazer parte também, oficialmente, da pauta de publicidade institucional, o que é uma relação concreta entre estado e movimentos sociais que sustentam a radiodifusão comunitária.

Deste modo, o pessimismo ou o ceticismo de muitos delegados, que só durante o transcorrer da Confecom foram se convencendo que estão de fato fazendo avançar e concretizando um leque de reivindicações que, durante décadas, eram apenas alardeadas como algo muito remoto, devem ser transformados não em otimismo inconsequente, mas num realismo ativo, construtivo, indicando que foi feita uma Confecom possível, com resultados práticos e com conteúdo político e programático justo para a continuidade de uma luta que exige medidas de fundo, muito mais radicais, que só num outro governo e com outras relações de força poderão ser adotadas.

Bandeiras históricas e propostas exeqüíveis

Todas as demandas históricas do movimento pela democratização da comunicação também foram debatidas – a profundidade dos debates foi enormemente prejudicada pela péssima organização dos trabalhos a cargo da FGV, com erros tão primários que o governo está na obrigação de investigar – e em boa medida aprovadas. Há consciência de que estas bandeiras históricas, relacionadas à regulamentação do capítulo da Comunicação Social na Constituição, dependem de um acúmulo de forças muito maior na sociedade brasileira. Se aceitarmos uma estimativa de que a Confecom envolveu a participação de 30 mil pessoas que estiveram nas conferências municipais, conferências estaduais, conferências livres, seminários sindicais, encontros de segmentos, talvez estejamos diante da necessidade de aceitar que ainda falta muito para transformar radicalmente uma tirania midiática instalada há décadas, com poderes de fato para interferir nos rumos do processo político, econômico e social. Só agora, a partir da Confecom o debate da comunicação poderá deixar de ser coisa de especialistas, de comunicólogos, ou de jornalistas, para ganhar de fato a atenção de amplos setores da sociedade.

Desse modo, é importante vitória que as concessões de TV e rádio sejam debatidas e questionadas não apenas por círculos pequenos acadêmicos ou sindicais, que haja propostas para a democratização de suas outorgas e que a renovação destas concessões sejam obrigatoriamente submetidas ao crivo da participação da sociedade, por meio de audiências públicas. É também enorme vitória a aprovação pela Confecom de resoluções visando regulamentar a Constituição que já prevê a proibição do oligopólio e monopólio, que exige o uso educativo e informativo destes serviços, que estabelece a complementaridade entre os segmentos público, estatal e privado, apontando na direção do fortalecimento dos segmentos público e estatal, largamente preteridos na atualidade pelos indecorosos privilégios que o setor privado recebeu ao longo de décadas.

Conselho de Comunicação Social

A Confecom foi além ao aprovar resoluções contra a discriminação racial ou de gênero, contra a publicidade anti-saúde promotora de consumo irresponsável e destrutivo, contra as agressões publicitárias à criança. Especialmente por ter aprovado a criação do Conselho de Comunicação Social, proposta também de iniciativa do governo Lula. Sem desprezar a recuperação do Conselho de Comunicação do Congresso, hoje paralisado. Certamente, tais lutas demandarão enorme esforço de continuidade da ampliação das forças hoje em ação para que possam efetivamente virar realidade. Mas, para isto, já conta com o fortalecimento do campo público da comunicação, incluindo a expansão das emissoras ligadas à EBC, as TVs e rádios educativas, legislativas, comunitárias e universitárias, o que não depende de aprovação do Congresso Nacional, o que seria improvável a curto prazo. É fundamental que o Campo Popular da Democratização também aponte a sua luta para formar uma Bancada da Comunicação Democrática nas eleições de 2010, além de fazer com que os presidenciáveis se posicionem e se comprometam claramente com as resoluções da Confecom, como aliás, Lula mencionou na abertura do evento.

Propostas estratégicas

Há ainda um leque de medidas de cunho estratégico aprovadas na Confecom, especialmente aquelas reiteradas reivindicações para que o governo promova, como política de estado, um Plano Nacional de Banda Larga, democrático, inclusivo, chegando aos grotões deste país. Para isto é necessário um instrumento estatal, já que a participação dos empresários de telefonia na Confecom estava dirigida a arrancar privilégios tributários e orçamentários para que sejam eles os protagonistas desta ação, o que seria temerário. Sem a presença de um instrumento estatal o cinema brasileiro retrocedeu largamente, por isto, é importante a resolução aprovada no sentido de criação de uma empresa pública para estimular a produção, distribuição e exibição do cinema brasileiro. Da mesma forma, sem descartar a participação de segmentos empresariais no Programa de Banda Larga, sobretudo do pequeno e médio empresariado nacional, é indispensável a existência de uma empresa estatal capaz de operar e ditar as regras do jogo para que as amplas camadas de brasileiros pobres também tenham acesso á internet pública em banda larga.

Um grande equívoco

Houve notas negativas nesta Confecom, e não apenas pela precária administração e sistematização dos trabalhos a cargo da FGV. A aprovação da flexibilização do programa Voz do Brasil, atendendo a uma campanha antiga da Abert e da ANJ que nem presentes estavam, pode causar enorme prejuízo ao povo brasileiro. Trata-se de programa radiofônico que se constitui na única possibilidade de milhões de brasileiros que vivem nos lugares mais remotos, sejam ribeirinhos, caiçaras, indígenas e quilombolas, de terem algum tipo de informação de natureza pública. A mídia privada não lhes dá tal oportunidade.

A Voz do Brasil é a única informação que chega a todos os grotões deste país, numa população que majoritariamente não tem qualquer acesso à leitura de jornal. Flexibilizada, será exibida pela madrugada, tal como se faz com o Telecurso Segundo Grau, que embora produzido com verbas públicas, é escondido de seu público alvo. Tornar a Voz do Brasil inaudível é o primeiro passo neoliberal para eliminá-la. Desconsiderou-se nesta medida a última pesquisa de opinião pública realizada, quando mais 73 por cento dos brasileiros declararam-se favoráveis e ouvintes da Voz do Brasil e contrários à sua extinção. A estranha aliança entre setor público, um setor dos movimentos sociais e o empresariado contrário a qualquer forma de regulamentação de programação pode “proporcionar” mais uma hora de baixaria, de propaganda, de música de pouca qualificação.

Os gringos avançam com IV Frota e Voz da América…

O correto seria defender – como na proposta original – a manutenção da Voz do Brasil, sua qualificação e aperfeiçoamento. A começar pela destinação de um pequeno percentual de seu tempo como uma espécie de Direito de Antena para segmentos sociais atualmente sem voz. Com a flexibilização, prepara-se o terreno para que ela seja inaudível, facilitando sua extinção. É importante que tal equívoco seja corrigido. Que seja realizada uma consulta popular para que o povo brasileiro possa dar a última palavra. Especialmente num momento em que o programa Voz da América, do governo dos EUA, organiza e amplia uma rede de 400 emissoras de rádio na América Latina para, segundo declaração dos responsáveis pelo programa, impedir o processo de transformação comunicativa em curso na América Latina.

O Brasil também é parte de processo de mudanças, com seu ritmo próprio e diferenciado, seja pelas peculiaridades do desenvolvimento capitalista no Brasil e também porque ainda não se registra uma maioria parlamentar que viabilize, como em outros países, mudanças democráticas na comunicação social. Mesmo assim, foi realizada a Confecom possível, com medidas concretas de curto prazo e consolidação das bandeiras históricas da luta pela democratização da comunicação que vão nortear esta caminhada longa daqui em diante. Mas, já com o governo fazendo suas essas bandeiras. Não houve uma “virada de mesa”, era previsível que não houvesse. Mas, já há um leque de forças, um Campo Popular da Comunicação que precisa manter-se atuante, organizado, com plenárias regulares, reuniões periódicas, vencendo o desafio de ampliar a participação da sociedade nesta luta, que ainda é insuficiente para as metas gigantescas pretendidas diante de inimigos tão poderosos. Mas, já estamos numa etapa mais avançada desta caminhada.

Beto Almeida é presidente da TV Cidade Livre de Brasília.

Veja: A revista que virou panfleto

A revista “"Veja"” parece ter perdido definitivamente o rumo, talvez em função do vexame histórico na cobertura da crise financeira internacional. Afinal, não é todo dia que uma redação prepara uma capa espetacularmente incisiva, com o Tio Sam de dedo em riste e a manchete garantindo "Eu salvei você" (edição 2079, com data de 24/9/2008), para, dias depois, essa mesma capa se transformar num case de "barriga" jornalística, uma vez que o crash de 29 de setembro revelou não apenas que o Tio Sam não havia conseguido salvar ninguém como estava desesperadamente em busca de uma solução que envolvesse a União Européia e até países emergentes. A "barriga" foi tão descomunal que na semana seguinte a rival “Carta Capital” fez graça e repetiu a capa da “"Veja"”, com o mesmo Tio Sam de dedo em riste, acompanhado por uma manchete marota: "Ele não salva ninguém".

Se o problema fosse apenas na forma, tudo bem, "barrigas" acontecem nas melhores redações (em "Veja", com uma freqüência um tanto maior, estão aí o boimate, os milhões do Ibsen Pinheiro e os dólares de Cuba que não me deixam mentir). A questão central não está na forma, está no conteúdo. "Veja" há muito tempo não é uma revista jornalística, mas um panfletão conservador, editado por uma equipe que conta com a fina flor do pensamento reacionário brasileiro. A crise global, porém, parece ter mexido com os nervos do pessoal da "Veja" e o panfletão perdeu o rumo.

Em um primeiro momento, "Veja" apresentou ao distinto público a idéia de que a crise já tinha acabado com o anúncio do primeiro pacote de Bush-Paulson; o que havia era um "soluço" absolutamente normal no capitalismo. Na semana seguinte, com data de capa de 1° de outubro, mas circulando no fim de semana de 27-28 de setembro, portanto às vésperas do crash de 29/9, a revista da Editora Abril voltou a dar capa para a crise, fazendo uma espécie de "balanço" do que vinha ocorrendo. "Depois do desastre" era a manchete da capa – mas o desastre real ainda nem tinha acontecido.

Exemplo de fora

O problema de "Veja" é que os valores nos quais continua acreditando e defendendo estavam virando pó com a crise e não havia discurso coerente que servisse para manter o panfletão em pé, muito menos com o disfarce de veículo jornalístico.

Primeiro, veio a euforia (ok, existe uma crise, reconhecemos, mas Bush é "dos nossos", vai dar um tiro certeiro e cortar o mal pela raiz). Não funcionou, para a perplexidade dos jornalistas que cuidam de traduzir o pensamento reacionário norte-americano em uma linguagem acessível a qualquer idiota, e a revista começou a tentar reconhecer que se tratava mesmo de uma crise gravíssima e que expõe as entranhas de um sistema podre, desregulado e baseado na ganância de gente que vendia terrenos na Lua sem o menor escrúpulo, contando com a certeza da impunidade.

Enquanto tateia em busca de um discurso para a crise – se os mercados continuarem eufóricos, provavelmente a próxima capa será um enorme "UFA!" – "Veja" não descuida do front interno. Na edição corrente (nº. 2082, com data de capa de 15/10), a "Carta ao Leitor", espaço editorial da revista, leva o título "O povo não é bobo", acompanhada de uma grande foto do prefeito Gilberto Kassab. O recado da revista ao seu público começa assim: "O primeiro turno das eleições municipais demonstrou, outra vez, que a esmagadora maioria dos brasileiros sabe, sim, votar, ao contrário do que ainda insistem em propalar os descrentes na democracia nacional (felizmente, poucos)".

Em seguida, vem o argumento "racional" de que a população votou nos melhores, gente que trabalha sério, "independente do partido". Beto Richa (PSDB) e Fernando Gabeira (PV) são citados no texto, e Kassab na legenda da foto ("Gilberto Kassab, de São Paulo: exemplo de que a maioria dos brasileiros sabe, sim, votar"). No final do texto, o veredicto final: "Não basta para um partido – qualquer um – contar só com a força de um presidente da República bem avaliado e simpático. É preciso muito mais. O povo não é bobo".

Não, de fato o povo não é bobo e já sabe que "Veja" tem lado. Neste ponto, aliás, seria mais honesto e correto copiar o que de bom existe nos Estados Unidos e explicitar, no editorial, que a revista apóia os candidatos da oposição, especialmente os do PSDB e DEM – legendas que por sinal apóiam Gabeira no Rio. É assim que se faz lá fora e é assim que agiram “Carta Capital” e, em diversas ocasiões, a “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”. "Veja", ao contrário, editorializa as reportagens.

Aritmética enviesada

Um bom exemplo está também na edição desta semana, na reportagem que faz um balanço do resultado das urnas. A revista reconhece que o PT cresceu, mas diz que foi nos grotões. Um infográfico está lá para quem quiser fazer contas: em número absoluto de votos, o PT cresceu 1% em relação a 2004, o DEM teve 17% a menos do que na votação anterior e o PSDB perdeu 8% dos votantes de quatro anos atrás. O PMDB, líder no país pelo critério de prefeitos eleitos, viu seu eleitorado crescer 30%.

Qualquer foca de jornalismo faz as contas, soma os danos e conclui que o lead é a derrota dos partidos de oposição, que perderam exatamente 25% do eleitorado de quatro anos atrás. Qualquer foca, menos a "Veja", que preferiu destacar o aumento de 30% do PMDB, um partido-ônibus em que cabe qualquer um e que tem na resiliência a sua maior virtude. É justo que se dê destaque à vitória peemedebista, mas é evidente que o fato político mais relevante é a estrondosa derrota da aliança demo-tucana, com conseqüências evidentes na corrida sucessória de 2010.

No fundo, "Veja" age na política e na economia seguindo a máxima do ex-ministro Rubens Ricupero: o que é bom (para o ideário conservador), a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde. E isto, fica aqui o reconhecimento, o pessoal da redação de "Veja" sabe fazer como ninguém.

* Luiz Antônio Magalhães é editor de política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa.


Conselho da TV Pública não tem representante dos trabalhadores

O governo federal divulgou, na segunda-feira (26), quem vai integrar o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Pública. Entre 15 nomes escolhidos estão o do ex-governador do Estado de São Paulo Cláudio Lembo (PFL), do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto (PMDB), do consultor da Rede Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, de Maria da Penha e do “rapper” MV Bill .

O Conselho Curador terá na presidência o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e será composto também por quatro ministros: Educação (Fernando Haddad), Cultura (Gilberto Gil), Ciência e Tecnologia (Sérgio Rezende) e Comunicação Social (Franklin Martins).

Dos nomes apresentados pelo ministro Martins, destaca-se a ausência de representantes de organizações sociais ou de movimentos ligados aos trabalhadores. A opção do governo parece ter sido de privilegiar o campo conservador, que aparece bem representado com Delfim Netto, ex-ministro do regime militar, e Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo pelo DEM (ex-PFL).

“Os nomes das pessoas que formam o conselho são altamente expressivos, mas optaria por fazer uma composição mais eclética e com a participação de segmentos organizados da sociedade, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”, comenta João Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT. Ele pondera que se trata de uma posição pessoal, sem ter sido discutida em nenhuma reunião da organização sindical.

João Brant, coordenador do Coletivo de Comunicação Social Intervozes, é mais crítico. Para ele, o Conselho Curador da nova TV pública é conservador e elitista, composto por diversos empresários e nenhum representante dos trabalhadores. “A composição do Conselho foi decidida unicamente pelo Executivo, a partir de critérios próprios. É a sociedade que tem que escolher”, defende .

Segundo ele, a escolha dos nomes se deu sem diálogo com o movimento negro, indígena ou feminista, “o que mostra que definitivamente representatividade não foi um dos critérios nesse processo”. Brant é taxativo: “é um conselho de notáveis”. E salienta que não se sente representado por nenhuma daquelas pessoas.

Para o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, o conselho é plural e representa diferentes setores e regiões do País. De acordo ele, todos os representantes foram escolhidos com base na diversidade cultural, regional, e na pluralidade de experiências profissionais. O conselho, conforme está representado, será capaz de cumprir "com plenitude" o seu papel de fiscalizar, de acordo com Franklin.

Tereza Cruvinel, indicada para a presidência da TV Brasil, está satisfeita com a formação do conselho e pondera que “uma representação partidária ou corporativa acabaria expressando os interesses de grupos organizados da sociedade, e não sua diversidade”. Por este motivo, segundo ela, optou-se pela escolha de personalidades de elevado conceito e credibilidade que se destacam em suas áreas de atuação.

Participação

Com os nomes já definidos, o coordenador do Intervozes sugere aos cidadãos e organizações sociais trabalhar agora os mecanismos de diálogos e gerenciamento da TV Pública, e cita as experiências no campo da Saúde onde, por exemplo, tem em algumas regiões do país modelos avançados de gestão, com conferências periódicas e conselhos representativos, eleitos pelos setores envolvidos por meio de mecanismos democráticos.

O pesquisador da USP Laurindo Leal Filho também manifesta preocupação com a interação da população com o conselho. “Minha preocupação é seu o caráter. Os conselhos precisam ter um perfil de fácil acesso para o público. Ele pode ser homologado pelo presidente, mas precisa ser escolhido pela sociedade para que ela tenha acesso. O importante é que seja acessível, a qualquer momento”, afirma o pesquisador Laurindo Leal Filho.

Para ele, a relação entre o público e a TV “não poderá funcionar como ocorre hoje na Fundação Padre Anchieta (da TV Cultura, em São Paulo), que é possui um corpo de conselheiros quase "clandestino e sem transparência”.