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TV digital: Omissão do STF favorece radiodifusores

Na sexta-feira, 19 de março, completam-se exatos nove meses que a Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3944) protocolada pelo PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF) em 21 de agosto de 2007 (ver aqui). O parecer da PGR é totalmente favorável a ADI e, à época, o relator, ministro Carlos Ayres Brito, informou, por intermédio de sua assessoria, que sua decisão sairia em 30 dias. Até hoje, nem a decisão do relator e, por óbvio, nem o julgamento no plenário do STF aconteceram.

A relevância do tema para o país e a magnitude dos interesses em jogo fizeram com que a escolha do modelo tecnológico para a TV digital brasileira fosse objeto de debate público à época das decisões tomadas pelo governo Lula (2003-2006) [ver, neste Observatório, "Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada" , "Os radiodifusores falam com uma só voz" , "Sobre algumas peculiaridades bem brasileiras" e "O ator principal não foi convidado"]. No entanto, como costuma acontecer entre nós, quase quatro anos depois, embora não se tenha ainda uma decisão final sobre a legalidade dessas decisões, o assunto praticamente "desapareceu" da agenda pública e se considera "favas contadas" a adoção do modelo japonês.

O que os nossos jornalões estão a noticiar, sem mais, é que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, viaja para "vender" a TV digital brasileira (?!) para a América Latina, cujo modelo, aliás, já teria sido adotado por Peru, Argentina, Chile e Venezuela (ver aqui , para assinantes).

De que se trata?

A ADI 3944 sustenta a inconstitucionalidade de quatro artigos (7º, 8º, 9º e 10º) do Decreto nº 5.820 , de 29 de junho de 2006. O Decreto5.820/2006 é, na verdade, uma continuação do Decreto nº 4.901/2003 e, ambos, instituem e definem as regras de implantação do SBTVD, isto é, o sistema brasileiro de televisão digital. Os artigos cuja constitucionalidade se questiona são os seguintes:

Art. 7º Será consignado, às concessionárias e autorizadas de serviço de radiodifusão de sons e imagens, para cada canal outorgado, canal de radiofreqüência com largura de banda de seis megahertz, a fim de permitir a transição para a tecnologia digital sem interrupção da transmissão de sinais analógicos.
§ 1º O canal referido no caput somente será consignado às concessionárias e autorizadas cuja exploração do serviço esteja em regularidade com a outorga, observado o estabelecido no Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão Digital – PBTVD.
§ 2º A consignação de canais para as autorizadas e permissionárias do serviço de retransmissão de televisão obedecerá aos mesmos critérios referidos no § 1o e, ainda, às condições estabelecidas em norma e cronograma específicos.

Art. 8º O Ministério das Comunicações estabelecerá, no prazo máximo de sessenta dias a partir da publicação deste Decreto, cronograma para a consignação dos canais de transmissão digital.
Parágrafo único. O cronograma a que se refere o caput observará o limite de até sete anos e respeitará a seguinte ordem:
I – estações geradoras de televisão nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal;
II – estações geradoras nos demais Municípios;
III – serviços de retransmissão de televisão nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal; e
IV – serviços de retransmissão de televisão nos demais Municípios.

Art. 9º A consignação de canais de que trata o art. 7o será disciplinada por instrumento contratual celebrado entre o Ministério das Comunicações e as outorgadas, com cláusulas que estabeleçam ao menos:
I – prazo para utilização plena do canal previsto no caput, sob pena da revogação da consignação prevista; e
II – condições técnicas mínimas para a utilização do canal consignado.
§ 1º O Ministério das Comunicações firmará, nos prazos fixados no cronograma referido no art. 8o, os respectivos instrumentos contratuais.
§ 2º Celebrado o instrumento contratual a que se refere o caput, a outorgada deverá apresentar ao Ministério das Comunicações, em prazo não superior a seis meses, projeto de instalação da estação transmissora.
§ 3º A outorgada deverá iniciar a transmissão digital em prazo não superior a dezoito meses, contados a partir da aprovação do projeto, sob pena de revogação da consignação prevista no art. 7o.

Art. 10º O período de transição do sistema de transmissão analógica para o SBTVD-T será de dez anos, contados a partir da publicação deste Decreto.
§ 1º A transmissão digital de sons e imagens incluirá, durante o período de transição, a veiculação simultânea da programação em tecnologia analógica.
§ 2º Os canais utilizados para transmissão analógica serão devolvidos à União após o prazo de transição previsto no caput.

Entre as razões apresentadas pela ADI 3944, acatadas pelo parecer da PGR, vale destacar:

"O artigo 223 da Constituição foi violado de duas formas. A primeira, com a utilização no texto do Decreto, do termo `consignação´ para o que é, na verdade, uma concessão. Ou seja, o Decreto, atropelando a competência do Congresso Nacional, concede às emissoras atuais um canal inteiro de 6 megahertz.
(…)
A tecnologia digital (…) é uma nova tecnologia. Se ela não acrescentasse uma capacidade maior de produzir informações e programas, tal `consignação´, em tese, poderia ser aceita, sob o argumento de que se trataria de uma mera modificação de natureza técnica. Mas trata-se de uma tecnologia que concede, e a palavra é significativa, um espaço ou espectro maior de atuação às emissoras atuais.
(…)
Ainda que se considere que a nova tecnologia não implicaria nova concessão, estaríamos, no mínimo, falando em renovação das concessões existentes. Perceba-se que a `migração´ estabelece prazos e condições às concessionárias.
(…)
Num canal de 6 megahertz, várias programações podem ser transmitidas simultaneamente, no que se convencionou denominar multiprogramação. Ao ‘consignar’ às emissoras um canal com tamanha capacidade, está-se, paralelamente, impedindo a entrada de outros atores na programação. Ao invés de se ampliarem as possibilidades de ingresso de outros canais, incluindo novas emissoras e permitindo acesso a programações variadas (…) tem-se uma verdadeira outorga de espaço maior às concessionárias que já atuam no mercado. O que provavelmente ocorrerá é o que a norma constitucional visa a impedir: o oligopólio, ou, melhor dizendo, um aprofundamento do oligopólio já existente"

Quem ganha e quem perde

Logo depois da assinatura do Decreto nº 5.820 escrevi neste Observatório que "uma das maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos ou seus representantes. No caso da adoção pelo Brasil do modelo japonês para a TV digital, não poderia haver clareza maior sobre quem ganhou e quem perdeu ou sobre quais, de fato, foram os interesses atendidos" ("O ator principal não foi convidado" ).

Basta consultar agora a lista dos amicus curiae aceitos para apresentar suas razões no julgamento ainda a ser feito pelo STF para se constatar a verdade dessa afirmação.

O que sempre esteve em jogo é a oportunidade ímpar para se democratizar o mercado brasileiro de televisão. A opção feita pelo Decreto nº 5.820 favorece inquestionavelmente aos atuais concessionários deste serviço público e impede a ampliação do número de concessionários. Contraria, portanto, o princípio da "máxima dispersão da propriedade" (maximum dispersal of ownership), vale dizer, da pluralidade e da diversidade.

Mais do que isso: o Decreto 5.820/2006 impede a extensão da liberdade de expressão a um maior número de brasileiros que, a não ser acatada a ADI 3944, continuará sendo exercida prioritariamente por aqueles poucos grupos que controlam a grande mídia e equacionam liberdade de expressão com sua liberdade de imprensa.

Às vésperas da assinatura do Decreto 5.820/2006, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reunia cerca de 40 entidades, divulgou um manifesto que terminava com a afirmação: "O governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas" (ver aqui).

Quanto mais tempo demorar a decisão do STF sobre a ADI 3944, mais o Decreto 5820/2006 se tornará "irreversível". É urgente, portanto, que o STF faça o julgamento e, sobretudo, tome uma decisão que evite a confirmação deste "erro histórico".

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009).

Devassa na auto-regulação

A discussão sobre a censura ao comercial da cerveja Devassa protagonizado pela grã-fina Paris Hilton ficou mais tempo em cartaz do que o próprio clipe.

É bom que seja assim, porque a suspensão da propaganda foi uma empulhação. Embora oficialmente sancionada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM), do governo federal, quem orquestrou, badalou e lucrou com a proibição foi o Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), entidade privada, sustentada pela mídia, sobretudo mídia eletrônica.

No caderno "Mais!" da Folha de S.Paulo (domingo, 7/3), o filósofo Renato Janine Ribeiro radiografou o episódio com precisão. A SEPM não poderia recusar o apoio a uma medida contra a exploração da mulher como objeto sexual. Se o fizesse estaria na contramão dos argumentos que justificaram a sua criação.

Interesses precisos

A peça publicitária não é mais devassa, nem mais agressiva, nem mais pornográfica do que dezenas de outras que jamais provocaram qualquer reação dos zelosos defensores da moral.

O comercial de Paris Hilton foi o pretexto para valorizar o conceito de auto-regulação no momento em que começou a esquentar a discussão sobre "controle público" da comunicação. Convém lembrar da onda tardiamente montada para combater o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos que, como os dois anteriores lançados nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, ousou classificar a baixaria televisiva como atentado aos direitos humanos.

Não cabe ao Conar discutir a qualidade da programação das concessões públicas de radiodifusão, seu negócio é cuidar do conteúdo da propaganda. Mas o Conar tem sido cada vez mais lembrado como modelo bem sucedido de controle de qualidade.

É bom que se registre que o Conar tem sido leniente em matéria de propaganda enganosa. Raramente estrila, geralmente condescende com o mercado. A entidade tem funcionado mais como lobby em defesa dos grandes segmentos anunciantes do que como um mediador entre interesses divergentes.

Rigor inócuo

As investidas do Conar contra a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir a venda de remédios nas gôndolas das farmácias sob a alegação de que o consumidor não pode ser "tutelado" pelo farmacêutico é pueril e impertinente: nada tem a ver com publicidade e, por outro lado, ignora os perigos da automedicação e, sobretudo, das superdosagens.

Registre-se ainda que a auto-regulação é, em si, um conceito avançado. Uma sociedade capaz de criar poderes e contrapoderes é organicamente democrática. Mas as medidas adotadas pelas corporações auto-reguladas devem ter real significado para os demais segmentos da sociedade.

O rigor contra o comercial da Devassa é inócuo, tem algo farisaico. E deixa evidente a manobra de "vender" a auto-regulação como panacéia para impasses que nos EUA geralmente são resolvidos por agencias reguladoras propriamente ditas, como a Federal Communications Commission (FCC).

A confusão entre liberdade de expressão e de mercado

O Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, promovido em São Paulo pelo Instituto Millenium, em parceria com a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais, contou, na abertura, em 1º de março de 2010, com a presença do ministro Hélio Costa, das Comunicações. O evento aparentou ser uma "tímida versão" empresarial da Conferência Nacional da Comunicação (Confecom) nos moldes que inicialmente Hélio Costa queria promover a Confecom – um seminário sobre comunicação com participação restrita dos inscritos. Ao invés de debates acirrados, o fórum trouxe painéis com as idéias complementares do empresariado; no lugar de aprovação de propostas negociadas e votadas, doutrinação ideológica para a "liberdade" de mercado.

Na "Confecom da Abert e ANJ", o ministro da Comunicações do governo Lula, que não foi vaiado como na verdadeira, aproveitou para relembrar que, nas disputas entre empresários que defendem os oligopólios e movimentos sociais que lutam pela democratização, ele está no lado dos primeiros. "Nunca permitirei o controle público da mídia, primeiro porque sou jornalista e segundo porque sou ministro da Comunicações", enfatizou Costa. Cabe questionar que tipo de jornalista e de ministro é ele.

Medo e preconceito

Se fosse um jornalista comprometido com interesse social, Hélio Costa lutaria para que os meios de comunicação cumprissem seu papel de incentivar o debate público, por meio da participação da sociedade organizada e da audiência na programação e na gestão da política editorial dos veículos. Isso é controle público da mídia. Se fosse um ministro preocupado com a democracia e a coisa pública, trabalharia para que as concessões atendessem sua missão social: dar visibilidade aos diversos atores públicos e promover a inclusão social. Isso é controle público da mídia. Mas, ao contrário disso, os jornais e as concessões nas mãos de empresários que "topam tudo por dinheiro" estão comprometidos com o consumismo insustentável, a exclusão social das minorias e a competição agressiva. Esses são os contravalores da mídia que, para o ministro Hélio Costa, devem estar imunes de qualquer tipo de fiscalização, punição e controle?

A retórica (ou sofisma) que refuta o controle público da mídia utiliza-se de um artifício que tenta confundir liberdade de expressão com "liberdade" de mercado. A última consolida o poder dos empresários que, privilegiados nas relações socioeconômicas, possuem os meios de produção, as tecnologias e o acúmulo de riquezas. Dessa maneira, quando se confunde liberdade de expressão com liberdade de mercado, quem tem o controle do capital passa a reproduzir seu privilégio no mercado simbólico. As palavras, os sons e a imagens ficam concentradas nos interesses dos empresários que querem o consumo desenfreado e a exclusão de grupos sociais opositores.

Baseados nessa confusão entre mercado e expressão, Marcel Granier, diretor da RCTV, emissora venezuelana opositora a Hugo Chávez, o jornalista argentino Adrián Ventura e o equatoriano Carlos Vera tentaram confundir os abusos de seus governos com a proposta do Plano Nacional de Direitos Humanos de controle público da mídia.

A desinformação continua promovendo o medo e o preconceito sobre o assunto.

* Ismar Capistrano Costa Filho é jornalista, mestre em Comunicação pela UFPE, professor de ensino superior e assessor de comunicação.

Acesso à informação pública: Um passo depois do outro

Após idas e vindas, com um certo atraso e com algumas modificações, finalmente foi aprovado, na última quarta-feira (23), o parecer do relator, deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB – RS), ao Projeto de Lei nº 219, de 2003, que regula o acesso à informação pública no Brasil. A matéria tramitava em uma comissão especial que analisava, além do projeto principal, outras quatro proposições a ele apensadas – entre elas o PL nº 5.228, de 2009, elaborado pela Casa Civil (ver, neste OI, "Liberdade, ainda que tardia").

Este é um passo importante para, finalmente, regulamentarmos o inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, que estabelece o direito de todos de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse geral e coletivo. O inciso prevê o "prazo da Lei" para que informações públicas sejam prestadas pelo Poder Público – prazo esse que, passados mais de 21 anos da promulgação da Constituição, ainda não foi estabelecido.

Os trabalhos da Comissão Especial que analisou o projeto de lei de acesso à informação pública começaram em 2 de setembro do ano passado, quando foi designado relator o deputado Mendes Ribeiro Filho. Diversas entidades foram ouvidas em audiências públicas ao longo de 2009 – entre elas as associações dos procuradores da República, do Ministério Público e dos Magistrados do Brasil, além da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Também participaram dos trabalhos o Arquivo Nacional, a Organização Transparência Brasil, a organização Artigo 19, a Unesco e a Universidade de Brasília.

Provimento de informações

O resultado foi a apresentação de um substitutivo bastante detalhado e abrangente, muito mais ousado do que o projeto enviado pelo Executivo, e que acolhe a maior parte das sugestões das muitas entidades que participaram do seu processo de elaboração. Se o projeto se tornar lei, qualquer pessoa – não apenas cidadãos, mas também estrangeiros – poderá apresentar pedido de acesso a informações a órgãos e entidades públicas, incluindo autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem a necessidade de justificar os motivos da solicitação. A informação deverá ser prestada imediatamente ou, em casos excepcionais, num prazo máximo de 20 dias, prorrogáveis por mais 10. As regras valem não apenas para a União, como previsto originalmente no projeto do Executivo, mas para estados, Distrito Federal e municípios.

Porém, o substitutivo, a exemplo do projeto do Executivo, faz muito mais do que simplesmente determinar os "prazos da Lei" para a oferta de informações públicas. Ele reitera que a regra é a transparência e que o sigilo somente será aceito para informações pessoais, para dados referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos sensíveis e para informações que sejam imprescindíveis para a segurança da sociedade – tendo sempre como balizador o interesse público. O substitutivo também obriga a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações, reforçando que a regra é a transparência, e a exceção, o sigilo.

No âmbito do Poder Executivo Federal, caberá à Controladoria-Geral da União (CGU) zelar pela correta aplicação da lei. O órgão ganhou também a atribuição de dar a palavra final, na via administrativa, em relação ao provimento de informações. Caso um requerimento de acesso à informação pública seja negado em qualquer dos órgãos ou entidades sujeitas à lei, o cidadão poderá recorrer à CGU que, se julgar procedentes as razões do recurso, determinará a imediata liberação dos dados requeridos.

Como serão os sítios

O substitutivo cria ainda dois novos órgãos, com atribuições exclusivamente relacionadas ao acesso à informação pública: a Comissão de Reavaliação de Informações, ligada à Casa Civil e composta por ministros ou autoridades com prerrogativas similares, que será responsável pela gestão de informações sigilosas; e o Núcleo de Segurança e Credenciamento, integrante da estrutura do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a quem caberá garantir a segurança de informações sigilosas.

Ainda que a regulamentação dos procedimentos de acesso à informação seja um evento de importância ímpar para a sociedade brasileira, é na oferta proativa de informações que estão os avanços mais significativos da nossa embrionária lei de acesso à informação pública. A exemplo de diversos países latino-americanos que aprovaram suas leis de acesso recentemente, como Argentina, Chile, México e Uruguai, o substitutivo aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados dedica vários artigos à publicação obrigatória de informações na internet.

De acordo com o substitutivo, diversas informações de órgãos e entidades públicas, como estrutura organizacional e registro de competências; repasses e transferências de recursos; registros de despesas; procedimentos licitatórios; e dados para acompanhamento de programas governamentais deverão ser obrigatoriamente publicados na internet. A proposta também especifica como deverão ser esses sítios na internet: eles deverão conter ferramentas eficientes de pesquisa de conteúdo; ofertar acesso automatizado a sistemas externos; possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos; manter atualizadas as informações disponíveis; entre outros requisitos.

Transposição para o mundo real

A proposição aprovada pela Comissão Especial, que agora será analisada pelo plenário da Câmara dos Deputados, foi capaz de superar diversos problemas que existiam na proposta do Executivo. Ela é muito mais abrangente, pois não se restringe apenas ao Executivo Federal, atingindo todos os poderes e todos os níveis da Federação. Além disso, o substitutivo extinguiu a possibilidade de sigilo eterno que existia na proposta elaborada pela Casa Civil: o prazo máximo para a manutenção de sigilo passa a ser de 25 anos, prorrogáveis uma única vez por mais 25 anos.

Mas, por mais bem elaborado que seja o projeto, há que se ter cuidado com duas euforias que se convergem nesse tema: a tecnológica e a legislativa. A visão mítica de que a tecnologia é a panacéia para a plena transparência governamental é uma ameaça. Outra ameaça está em não se dar conta de que a aplicabilidade real dos textos legais pode ser superestimada – afinal, quantos são os casos de legislações extremamente modernas, muito bem redigidas, que não passam de letra morta devido à sua incompatibilidade com ritos e costumes das sociedades em que estão inseridas?

Portanto – e isso não é novidade – o papel da imprensa é fundamental na transposição dessa futura lei do papel para o mundo real. Direitos são realmente aplicáveis se, e somente se, a sociedade os conhece, e sabe que pode contar com eles sempre que necessário. E não existe ainda instituição mais capaz de dar visibilidade pública ao tema do que a imprensa. É necessário que ela dê a devida atenção às regras sobre o acesso à informação pública que estão sendo construídas e que, no final das contas, são do seu próprio interesse, já que podem facilitar sobremaneira o acesso de jornalistas – e de qualquer pessoa – a dados governamentais.

* Cristiano Aguiar Lopes é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados; editor do blog Museu da Propaganda.

 

A voz dos donos

A fina flor do empresariado da mídia, algumas cabeças coroadas do jornalismo pátrio e convidados latino-americanos reuniram-se na segunda-feira (1/3), em São Paulo, no fórum "Democracia e liberdade de expressão", organizado pelo Instituto Millenium. A entidade, fundada em 2006, como informa a Folha de S.Paulo (2/3), tem entre seus mantenedores os empresários Roberto Civita, do Grupo Abril, e João Roberto Marinho, das Organizações Globo.

Afora os testemunhos dos jornalistas Adrián Ventura, do jornal argentino La Nación, do venezuelano Marcel Granier, dono do canal RCTV, e do equatoriano Carlos Vera sobre a situação da mídia em seus países, no evento o centro das atenções – e alvo das críticas – foi o chamado "controle social da mídia", expressão que provoca acessos de urticária nos proprietários de empresas de comunicação. O tema voltou à baila no Brasil a partir da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação e da divulgação da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3).

Esses mesmos empresários – e os seus veículos – há tempos movimentam-se por intermédio de suas entidades de classe (ANJ, Abert e ANER) no sentido de interditar o debate sobre o direito à comunicação e o papel da mídia enquanto serviço público, cuja operação deve estar sujeita a um marco regulatório democraticamente construído e socialmente justo. Essa discussão passa ao largo da pauta prioritária dos veículos. Ocorre que, se questões como essas não estão nos veículos jornalísticos, então elas não estarão na agenda pública, então… elas não existem.

Da parte do governo, o ministro Hélio Costa, das Comunicações, presente ao encontro, apressou-se em garantir que o Executivo não aventa a hipótese de estimular o debate sobre o dito controle social. "Em nenhum momento isso foi discutido dentro do governo federal. Consideramos essa questão absolutamente intocável", afirmou, de acordo com o Estado de S.Paulo (2/3).

Da parte do partido do governo, o deputado Antonio Palocci (PT-SP), um dos coordenadores da campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, sublinhou, segundo O Globo (2/3), que "vez ou outra aparece no governo e em outros setores a ideia de interferência estatal na qualidade da comunicação, como aconteceu no Plano Nacional de Direitos Humanos. Não quero condenar o PNDH, mas não concordo com a forma como foi colocada a questão da mídia – disse Palocci, antes de frisar que o Estado não pode dizer a maneira adequada de os jornais funcionarem".

Sem vontade

E tome confusão, porque o embaralhamento da discussão interessa sobremaneira àqueles que querem evitar o debate sobre o papel da mídia numa sociedade que se quer democrática. Um exemplo? Na bateria de críticas que se faz ao PNDH 3, em momento algum se esclarece que ali se propõe que o tal "controle social" deve ser exercido, sim, sobre os canais públicos de radiodifusão que operam sob regime de concessão. Não se trata, portanto, de "controlar" a pauta e a operação dos meios privados, como os jornais. Não se trata de censura, como a grande mídia gosta de repetir a torto e a direito. Trata-se de fazer cumprir a Constituição, observar de perto o comportamento da mídia, qualquer mídia, e disseminar as avaliações obtidas desse acompanhamento. Algo, aliás, que este Observatório faz há 14 anos.

Convém não esquecer que estão lá, no capítulo 5 da Constituição de 1998 – "Da Comunicação Social" –, a proibição de monopólios ou oligopólios dos meios de comunicação, os princípios educativos a ser observados na programação de rádio e TV, o estímulo à produção independente e a promoção da cultura regional, a regionalização da produção e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Por que a sociedade não tem o direito de controlar a observância desses princípios? Por que essas normas ainda não foram regulamentadas quase 22 anos depois da promulgação da Constituição? Por que não discutir abertamente a propriedade cruzada dos meios e as concessões de radiodifusão a parlamentares?

Enquanto não se clarear esse debate, e a grande mídia demonstra não ter vontade alguma disso, fica valendo apenas a voz dos donos. E isto não é o bastante.