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O Dia Nacional de Greve e o padrão invisível de jornalismo

Meios de comunicação tradicionais adotam estratégia da ocultação e criminalização na cobertura dos atos e paralisações da última sexta-feira

Por Pedro Rafael Vilela*

Não é a primeira vez, nem será a última, mas não deixa de ser simbólica a (não) cobertura da mídia brasileira sobre os protestos e paralisações de diversas categorias profissionais ocorridos em mais de 21 estados e no Distrito Federal, na última sexta-feira (11), no Dia Nacional de Greve.

Os atos, organizados por movimentos sociais e pelas principais centrais sindicais do País, contaram com a participação de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, além de estudantes, que interromperam suas atividades em setores como transporte público, limpeza urbana, bancos, escolas e indústria, e foram às ruas das maiores cidades brasileiras para protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55, em tramitação no Senado.

Se aprovada, essa PEC vai impor um congelamento nos gastos públicos, como saúde, educação, cultura e saneamento básico pelos próximos 20 anos, uma tragédia em termos de direitos sociais sem precedentes na história do Brasil.

Uma mudança constitucional tão drástica, num país que tivesse um sistema de comunicação plural e diverso, deveria gerar, para dizer o mínimo, um intenso debate na sociedade, com participação maciça da própria mídia na visibilidade e no esclarecimento das reais implicações da medida. Não é o que ocorre no Brasil.

A irrealidade da mídia

Em um de seus ensaios mais célebres, o jornalista e sociólogo Perseu Abramo descreveu com acuidade as múltiplas formas de manipulação da informação por parte da imprensa. Ao distinguir os quatro padrões básicos de distorção da realidade praticados pela mídia, Abramo chama a atenção para o padrão de ocultação, um dos mais recorrentes.

Em suas próprias palavras, “é o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre os fatos da realidade”.

Um outro padrão concebido por Perseu Abramo, o da fragmentação, tem a ver com a forma como a mídia, ao noticiar um fato, decompõe a totalidade desse fato, operando um processo de seleção de alguns aspectos, em detrimento de outros.

É o que ocorre, por exemplo, quando a ênfase das matérias trata apenas das consequências dos bloqueios no trânsito e fechamento de rodovias, como que opondo os objetivos dos manifestantes ao do conjunto da população. Ao mesmo tempo que ressalta esse aspecto, silencia sobre as motivações das paralisações e se recusa até mesmo a dar voz aos envolvidos nas mobilizações para dialoguem com a sociedade. Trata-se de uma inversão rasteira dos fatos e da própria realidade, mas que é absolutamente corriqueira na cobertura da mídia.

Basicamente, esses dois padrões de manipulação, facilmente verificáveis, deram a tônica do noticiário na (não) repercussão das manifestações e paralisações no Dia Nacional de Greve.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) acompanhou com atenção a cobertura das principais redes de televisão, jornais e portais de notícias ao longo da sexta-feira e no dia seguinte. O resultado? Um tapa na cara da democracia e um descompromisso brutal com o direito à comunicação e informação da população brasileira.

Televisão: a gente não se vê por aqui

Protesto no Rio de Janeiro

As principais emissoras de televisão aberta parecem ter disputado entre si o título de quem mais ignorou as expressivas mobilizações do Dia Nacional de Greve. O Jornal Nacional, da Globo, noticiário de maior audiência na tevê brasileira, decidiu simplesmente não exibir um segundo sequer dos atos que paralisaram algumas das maiores cidades do país, apostando forte na estratégia da ocultação.

Na opinião de Perseu Abramo, em seu ensaio sobre manipulação da grande imprensa, a mídia é mais perversa por aquilo que ela não veicula do que por aquilo que leva ao ar. É como se ela definisse os fatos sociais que merecem ser considerados fatos jornalísticos ou não.

“Todos os fatos, toda realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe de suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, de sua visão de mundo, de sua linha editorial”.

A Globo News, canal de notícias das Organizações Globo na televisão por assinatura, que, durante as manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff dedicava praticamente a totalidade de sua programação aos protestos, dessa vez apenas cumpriu um lamentável protocolo de cobrir com distanciamento e até desprezo os atos do Dia Nacional de Greve.

Exibindo notas curtas e panorâmicas ao longo de sua programação, sem sequer ouvir os porta-vozes dos atos, a emissora deu ênfase justamente às interrupções no trânsito e paralisação dos transportes públicos em cidades como São Paulo e Brasília.

No programa Estúdio I, que se define pela característica de noticiário com análise, e vai ao ar de segunda à sexta, às 14h, a cobertura dos protestos seguiu a lógica de relatar superficialmente os acontecimentos. No momento de analisar a notícia, os participantes do programa praticamente ignoraram as causas do protesto e logo mudaram de assunto.

Para se ter uma ideia, o programa dedicou mais tempo à matéria sobre o site de dicas econômicas de moda da filha do Donald Trump do que à repercussão da greve nacional, incluindo aí os comentários de estúdio.

No Jornal da Record, uma nota de 37 segundos, lida pelo apresentador, apenas mencionou protestos de estudantes e servidores do Rio de Janeiro contra atrasos nos salários por parte do governo estadual, com ênfase na repressão da Polícia Militar.

O Jornal da Band, levado ao ar na noite da sexta-feira (11), como que reconhecendo a dificuldade em ignorar as manifestações, optou por um caminho misto, entre a ocultação e a distorção com doses generosas de criminalização da manifestação política e do próprio direito de greve.

Na matéria de um minuto e 10 segundos, o telejornal enfocou imagens das manifestações pela ótica da paralisação do transporte público e bloqueio de ruas e rodovias, ressaltando a ideia de que os protestos “atrapalharam muita gente”. Os dois únicos entrevistados foram pessoas que criticaram as interrupções no trânsito, e não houve qualquer menção mais clara sobre os motivos do protesto.

Já o SBT Brasil, dentre os principais telejornais, foi o que exibiu a matéria mais equilibrada. Com 4min27 de duração, a reportagem seguiu a ênfase de relatar criticamente os bloqueios e paralisações de rodovias na primeira parte da matéria, mas foi a única a dar voz para lideranças dos movimentos (Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares e Rodrigo Rodrigues, secretário-geral da CUT Brasília).

Destacou passeatas e protestos de estudantes e professores no Rio Grande Sul, que resultaram em forte repressão da Brigada Militar. Bom lembrar que diversas categorias de servidores estaduais do RS sofrem com salários atrasados há meses. A própria Brigada Militar, que reprimiu os protestos, corre o risco de nem sequer receber o 13º salário em decorrência da política de austeridade do governo Ivo Sartori (PMDB-RS), que tem penalizado principalmente os serviços públicos no estado.

Ocultação nos jornais

Os três maiores jornais impressos do País, em suas edições publicadas no sábado (12), decidiram deliberadamente ignorar os atos ocorridos no dia anterior. Até mesmo a Folha de S. Paulo, que se vende como veículo aberto ao debate e que busca exibir diversos pontos de vista políticos diferentes, não dedicou uma linha sequer ao assunto.

No jornal O Globo, da família Marinho, idem. O Estadão, tido como o mais conservador entre os três, publicou uma nota pequena, na página interna B3, de economia, com cerca de 10 linhas, praticamente um registro dos protestos, e não uma cobertura.

Nos portais de notícias UOL e G1, foram publicadas matérias sobre os protestos, repetindo a fórmula panorâmica de descrição dos atos a partir do ângulo das interrupções no transporte e paralisação das rodovias. Nenhuma dessas matérias ganhou destaque na página principal desses portais. Para encontrá-las, os interessados teriam que buscar principalmente na página de últimas notícias ou no buscador do próprio site, o que diminui muito o potencial de audiência dessas notícias.

Censura privada na TV pública

Se o comportamento dos veículos privados de comunicação não chega a surpreender, foi lamentável constatar que as mesmas fórmulas de ocultação e cobertura superficial se aplicaram também à matéria exibida pela TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no seu principal telejornal, o Repórter Brasil, na noite de sexta-feira. Em menos de dois minutos, a “reportagem” exibiu trechos dos protestos e paralisações em diversos estados.

Novamente, destaque para os bloqueios de rodovias e paralisações no transporte público e nas escolas. Nenhum porta-voz dos trabalhadores foi ouvido para contextualizar o significado daqueles atos. Oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional, como preconiza a lei de criação da EBC, mandou lembranças dessa vez.

Esse episódio não parece estar desconectado da grave intervenção promovida por Michel Temer sobre a EBC, que praticamente eliminou as garantias de autonomia e independência de sua programação frente ao governo, ao extinguir principalmente o Conselho Curador e os mandatos do diretor-presidente e do diretor-geral.

O contraponto

Coube aos meios de comunicação alternativos oferecer uma cobertura decente e proporcional ao tamanho das paralisações e mobilizações da última sexta-feira. Apenas para ficar em um dos exemplos mais expressivos, a Mídia Ninja utilizou seus canais nas redes sociais para distribuir, ao longo de toda a sexta-feira, um rico conteúdo das manifestações, que incluía, principalmente, vídeos e fotos, com registro de paralisações em mais de 20 cidades, incluindo diferentes categorias: metroviários, rodoviários, professores, estudantes, trabalhadores da limpeza urbana, e muito mais.

Vale destacar que, ao contrário da cobertura televisiva, onde as filmagens se deram com distanciamento, partir do topo de edifícios ou do alto dos helicópteros, a cobertura da Mídia Ninja se dá diretamente das manifestações, abrindo espaço para falas dos trabalhadores e capturando uma dimensão mais orgânica do significado desses atos. O portal Brasil de Fato também publicou dezenas de matérias e postagens destacando a abrangência das paralisações em todo o país.

Esse contraponto só reforça uma conclusão inevitável: a grande imprensa só não cobriu o Dia Nacional de Greve porque não quis. Ou melhor, porque tratou-se de uma deliberada decisão editorial de ignorá-lo e, com isso, alienar ainda mais o conjunto da sociedade sobre o debate do presente e do futuro do país.

Não há democracia sem mídia democrática. E, sem democracia, não se constrói um país justo. Re-existir sempre, calar jamais!

*Pedro Rafael é jornalista, mestre em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaboraram Bia Barbosa e Renata Mielli

Participação social é principal pilar da comunicação pública, defendem especialistas e ativistas

A comunicação no Brasil foi implementada com base em uma perspectiva privada. Somente em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram dados os primeiros passos para a construção de uma rede de emissoras públicas no país. Porém, desde a sua criação, a empresa sofreu questionamentos quanto à sua atuação e relevância, principalmente por parte de empresários do setor privado de comunicações.

Com a consolidação do impeachment da presidenta Dilma Roussef, várias medidas foram tomadas para enfraquecer a EBC e acabar com seu caráter público. Para debater sobre esse assunto a União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil) realizou na última quarta-feira, dia 10, a mesa A Comunicação Pública e seus percalços recentes no Brasil.

Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC – extinto com a publicação da Medida Provisória (MP) 744 -, relatou que as medidas que vêm sendo tomadas na empresa desde de que Michel Temer assumiu a Presidência visam não só enfraquecer a empresa, mas também acabar com qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública. “Para ser considerada pública, a emissora precisa ter participação social. As decisões que o governo vem tomando estão enfraquecendo todas as emissoras públicas do país”, afirma.

Para Bia Barbosa, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a experiência do Brasil com a comunicação pública é ainda “embrionária”, surgindo com um problema já em sua origem: a vinculação com a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). “Como pode uma empresa pública estar vinculada ao setor que é responsável por fazer a assessoria do governo”, questiona.

Apesar da crítica pontual, Barbosa afirma que a EBC é um “embrião é fundamental” para a consolidação de uma rede de comunicação pública. “A extinção do Conselho Curador transformou a EBC em uma empresa meramente governamental, algo que era interesse de muitos parlamentares e de grandes grupos de comunicação que estão tendo a conta paga por apoiar o golpe”, frisou. Ela destacou que, nos últimos dias, algumas pautas têm sido aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional, entre elas a anistia aos concessionários de rádio e TV com outorgas vencidas e a aprovação da “flexibilização” de veiculação da Voz do Brasil.

Ivonete Lopes, pesquisadora do Copráticas – Grupo de Pesquisa em Comunicação e Práticas Sociais daUniversidade Federal de Viçosa, apresentou duas hipóteses para as mudanças que vêm ocorrendo na EBC. Uma seria o potencial visto pelos gestores na sua promoção pessoal. A outra seria a reserva de mercado, buscando o benefício de algum grupo específico. “A compra de conteúdo da Rede Globo anunciada essa semana pela presidência da empresa evidencia essa segunda tese”, apontou ela.

Lopes afirmou que, durante todos os anos de existência da EBC, a Rede Globo sempre recebeu uma verba muito maior em publicidade do governo em relação à própria EBC. “A Empresa Brasil de Comunicação  abriu caminhos para uma programação diferenciada, que aborda a diversidade e pluralidade do país, e consegue produzir e inovar mesmo com o contingenciamento do governo”, destacou.

A professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Nélia Del Bianco defende que a lei de criação da EBC nos aproximou dos princípios defendidos pela Unesco para uma comunicação pública. “Universalidade, Diversidade, Independência e Diferenciação são as balizas para cumprirmos o caráter público de uma empresa. Com a extinção do Conselho Curador, nos afastamos cada vez mais destes princípios”.

A professora apontou ainda que, no caminho para a democratização da comunicação no Brasil, ainda temos muito que avançar. Pois “o oligopólio irrestrito dos meios de comunicação de massa não fornece condições reais para a formação de uma opinião pública livre e autônoma”, relatou.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é uma empresa pública criada em 2007 no contexto do sistema público de comunicação previsto na Constituição Federal em complementaridade aos sistemas privado e estatal. É gestora da TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, das rádios Nacional AM do Rio, Nacional AM e FM de Brasília, Nacional OC da Amazônia e Nacional AM e FM do Alto Solimões, bem como das rádios AM e FM MEC do Rio de Janeiro. É também responsável pela Voz do Brasil e pelo canal de TV NBR, que veicula os atos do governo federal.

A empresa divulga conteúdos jornalísticos, educativos, culturais, esportivos e de entretenimento, buscando expressar a diversidade e pluralidade brasileiras. A estrutura prevista no decreto de criação contava com: Assembleia Geral; órgãos da administração, que são o Conselho de Administração e a Diretoria-Executiva; e órgãos de fiscalização, que são o Conselho Curador e o Conselho Fiscal, mais Auditoria Interna.

Medida Provisória 744/2016

A MP 744, publicada no dia 2 de setembro no Diário Oficial da União (DOE), apresenta alterações que atacam a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a participação da sociedade civil nas decisões da empresa, acabando com seu Conselho Curador.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Unesco defende alfabetização midiática como forma de fortalecer o uso livre e democrático da mídia

“Alfabetização midiática como ferramenta de transformação”. Essa foi a tese defendida por Alton Grizzle, representante da Divisão de Liberdade de Expressão e de Desenvolvimento da Mídia, vinculada à Organização das Nações Unidas para a Educação, Comunicação e Cultura (Unesco), em seminário realizado hoje, 7 de novembro, no Congresso Nacional, em Brasília (DF).

Grizzle defendeu a posição durante sua palestra no seminário “Educação Midiática e Informacional no Brasil”, que teve como objetivo debater experiências de educomunicação nas escolas brasileiras e dar a conhecer o projeto “Alfabetização Midiática e Informacional”, da Unesco.

O representante do escritório central da Unesco, em Paris, enfatizou que a entidade usa o termo “informação e alfabetização midiática” para o que no Brasil estamos chamando de educomunicação. Tratar sobre o tema, na sua avaliação, é uma forma de “transformar a vida dos jovens no país”.

Para ele, a má compreensão ou a falta de compreensão a respeito da mídia, da comunicação, das bibliotecas, da informação inicia-se na mente dos homens e das mulheres, e é na mente dos homens e das mulheres que se deve corrigir esse mau uso. Grizzle  relata que o trabalho da Unesco sobre a temática sse concentra em fortalecer o uso livre e democrático da mídia.

“Vivemos num mundo virtual. Acredito que grande parte de nós pode se entender em algum lugar deste mundo. Seja no mundo da televisão, do Facebook ou do Radiopélago, nós vivemos num mundo virtual. Tudo que fazemos, tudo que aprendemos sobre o mundo ao nosso redor é mediado neste mundo virtual”, aponta ele, refletindo sobre a relevância da alfabetização midiática para que se comunique e se informe eticamente.

Grizzle enfatizou a necessidade de que se reconheça que cada cidadão é co-criador da informação e do conhecimento e que tem uma mensagem a dizer. Dessa forma, deve ser empoderado para que possa acessar os meios para expressar a sua própria comunicação. Respondendo à crítica de conselheiros do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, sobre a função jornalística nos projetos, ele foi enfático: “Jornalismo para cidadão não substitui jornalismo profissional. É complemento”.

Educação midiática

A iniciativa de realização do seminário partiu do conselheiro Ismar de Oliveira Soares, que também preside a Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom). Para ele, é necessário discutir sobre a contribuição que um programa de educação midiática e informacional pode oferecer para a melhoria dos processos educativos, “tanto na educação formal escolar quanto na educação não formal, na família e nas organizações sociais”.

Soares lembrou que o tema do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, ressalta As possibilidades da educomunicação, que permite aos estudantes uma oportunidade de compreender questões de relacionamento e de contextos sociais da sociedade brasileira.

“Para alguém ter tido um bom desempenho na prova do Enem, era necessário que tivesse tido também uma educação midiática e informacional que correspondesse a essa necessidade. Estamos falando de algo relativo ao currículo das escolas e algo relativo à prática social, especialmente no que se refere ao direito de conhecer o sistema de comunicação e de nele intervir a partir da perspectiva da cidadania”, destacou Soares.

Analfabetos funcionais

Conforme Raquel Paiva, professora e pesquisadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nas duas últimas semanas um conceito muito utilizado nas décadas de 1970 e 1980 tem voltado a figurar na mídia, o dos “analfabetos funcionais”, referindo-se principalmente à condição suscetível de manipulação.

“Até o início do século passado, nós tínhamos instituições responsáveis por fazer a mediação entre o homem e o mundo. Tínhamos o trabalho, a escola, a família, a religião, a política. Enfim, estruturas que eram responsáveis por realizar essa mediação, ou seja, explicar o mundo para o sujeito, inserindo o sujeito no mundo. Entretanto, tudo isso mudou. Essas instituições foram completamente invadidas pelo que nomeamos midiatização, o que significa neste momento a concretização total do domínio da informação, com os seus valores e regras”, ressalta paiva

Paiva defende que o poder midiático seja reconhecido como tal, como primeira medida de enfrentamento à situação. “O não reconhecimento significa adotarmos a compreensão de que se trata de algo natural, da natureza, e não é. Trata-se de um sistema, e este sistema carrega as imperfeições da natureza humana. Então, se temos um sistema político voltado para a inclusão social, o sistema de produção de mensagens é aberto a todos, os quais passam a atuar não apenas como consumidores da produção. Se, por outro lado, temos um sistema de concentração de empresas responsáveis pela produção dessas mensagens [entretenimento e notícias], as pessoas são, em maior número, meros consumidores passivos”.

A pesquisadora defende a necessidade de ser sistematizada a leitura crítica da produção midiática de forma a reduzir “o fascínio e, consequentemente, o pouco questionamento crítico da produção”. Ela professora lembrou que alguns institutos e teóricos já se preocuparam com a força dessa estrutura midiática e como esse quadro poderia transformar a humanidade, caso do relatório MacBride. “Esse relatório – Many voices, one world (Muitas vozes, um só mundo) – foi divulgado em 1980, na Conferência Geral da Unesco, e chocou o mundo. Por quê? Além do diagnóstico, propunha uma nova ordem comunicacional, buscando promover a paz e o desenvolvimento humano”, enfatizou ela, lamentando que o relatório nunca tenha sido efetivamente executado – embora tenha permanecidocomo um referencial teórico para aqueles que acreditam na democratização da comunicação.

Educomunicação na prática

Nessa perspectiva, as estudantes Clarice Villari, do Dante Alighieri, e Maria Eduarda Silva de Oliveira, da Escola de Ensino Fundamental Casablanca, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, apresentaram o projeto “Educom.geraçãocidadã.2016”, uma experiência realizada entre as duas instituições de ensino – uma particular e a outra pública – com a implementação de práticas de educomunicação voltadas para a alfabetização em educação midiática e informacional. As escolas já possuíam projetos de educomunicação e, por iniciativa do professor Ismar Soares, realizaram A ação em parceria.

“Fomos apresentados ao projeto na mesma semana e tivemos nosso primeiro contato visual via Google Hangouts. Então nós nos conhecemos um pouco virtualmente antes de nos conhecermos pessoalmente. Antes de o projeto começar, assistimos a um vídeo, que seria o início da nossa reflexão, chamado “Nós, os Povos!”, da ONU, com as 17 metas da organização. A partir desse vídeo, tivemos a nossa reflexão inicial sobre o mundo, que depois daria origem à maioria das atividades do projeto”, declarou Clarice Villari.

De acordo com Maria Eduarda de Oliveira, a iniciativa proporcionou uma compreensão melhor sobre a mídia. “Foi uma contribuição muito grande para nossas vidas, uma nova forma de ver um mundo e de ser mais críticos ao que está ao nosso redor”. O Educom.geraçãocidadã.2016 possui página no Facebook e um canal no YouTube, onde estão reunidas a informações sobre o projeto.

Saber interpretar a mídia

A proposta central dos temas que envolvem educomunicação e alfabetização midiática é a de habilitar pessoas de todas as idades, de todos os sexos e de qualquer nível de instrução a ler, a interpretar a produção que hoje é responsável por expressar valores e ditar na sociedade o que deve ser feito e aceito. A importância desse tema é visível ao se observar os dados da Pesquisa Brasileira de Mídia de 2015, elaborado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, junto com o Ibope: a TV segue sendo a principal fonte de informação e entretenimento para 95% da população, com os jovens de 14 a 25 anos assistindo uma média de quatro horas diárias. O uso da mídia digital aparece em segundo lugar, alcançando 48% dos brasileiros, com um consumo de 5 horas diárias. O principal acesso da mídia digital são as redes sociais, em especial, o Facebook.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

A cobertura midiática das escolas ocupadas: silêncio e criminalização

Como em vários momentos da história, a imprensa, quando não invisibiliza a ação dos estudantes, criminaliza as ocupações e quem luta por direitos

Por Marina Pita*

O silêncio pode dizer mais do que mil palavras. A frase – dessas compartilhadas em grupos de WhatsApp pela manhã – significa muito na atual conjuntura do país.

Num contexto de mais de mil escolas ocupadas em todo o Brasil contra a PEC 241 e a Medida Provisória que reforma o Ensino Médio, o silêncio da imprensa sobre a mobilização dos estudantes é mais um capítulo sombrio do processo pelo qual passa o país, exemplar quando falamos de ausência de diversidade e garantia do acesso à informação no Brasil.

Muita gente só tomou conhecimento das ocupações no último final de semana, quando locais de votação no segundo turno das eleições municipais tiveram que ser trocados em função das escolas mobilizadas.

Até ali, as matérias – principalmente na televisão – foram raras. Agora seguem poucas, sem dar voz aos estudantes que ali estão, tampouco aos setores da sociedade que apoiam os protestos contra da PEC e a MP 746/2016.

Um dos maiores jornais do país, a Folha de S.Paulo ignorou a ascensão das ocupações. O tema aparece no impresso em matéria do dia 11 de outubro com o foco apenas no estado do Paraná: ”Estudantes ocupam cem escolas e professores aprovam greve no Paraná”.

Mais de uma semana depois, apenas em 19 de outubro, vem o segundo texto, com viés claramente criminalizador: “Ocupação em 181 escolas pode causar cancelamento de provas do Enem”. No dia 24 de outubro, o tema volta a aparecer por conta da morte de um estudante em Curitiba.

Entre o crescimento de 100 a 800 escolas ocupadas, vigorou o silêncio do jornal sobre o assunto. Nada se falou sobre as ocupações em outros estados.

Na sexta-feira 25, um novo texto intitulado “Protesto em escola ocupada do Paraná tem tensão, apitaço e xingamentos”. O movimento dos estudantes é apresentado como “baderna”.

Considerando a amplitude do movimento “Ocupa Paraná”, a opção da Folha foi cobrir desproporcionalmente uma manifestação contra a ocupação em uma das escolas.

Frases genéricas como “de um lado, pais, alunos e professores que querem a volta às aulas passaram a organizar protestos contrários. Em algumas cidades, chegaram a “ocupar” antes os colégios para evitar a tomada do local pelos manifestantes” demonstram a ausência de rígido critério de apuração.

Afinal, as ações contra as ocupações – apesar da violência que adotam, algo também não apontado pela imprensa – são minoritárias diante do crescimento da mobilização nacional.

A sequência de matérias como “Com escolas ocupadas, Paraná vai ter Força Nacional na eleição”, “Alunos são algemados após serem retirados de escola invadida no TO”, “Tumulto em Escola no Paraná”, “Com escolas ocupadas, até supermercado vira local de votação no Paraná”, “Escolas ocupadas poderão ter o Enem adiado, diz Ministério da Educação” mostra a facilidade como os jovens mobilizados por seus direitos são apresentados como baderneiros,irresponsáveis e que atrapalham a vida dos cidadãos que simplesmente querem estudar.

A tônica da Folha tem sido, assim, colocar em oposição o movimento que defende a educação universal, gratuita e de qualidade e os demais estudantes.

O próprio Ombudsman do jornal classificou a cobertura do jornal de protocolar:

“A Folha noticiou de forma tímida a movimentação. Para dar ideia da extensão, na sexta, segundo entidades estudantis, havia 123 universidades e 1.197 escolas ocupadas no país; cerca de 850 no Paraná”. Ainda, lembrou o silêncio da imprensa local quanto à marcante fala da estudante Ana Julia, que incendiou as redes sociais.

“Na quarta, 16, nenhum grande jornal noticiou a inusual presença de estudantes na tribuna. Na quinta, às 12h53, o site da revista econômica americana ‘Forbes’ captou a importância da fala da jovem. Só às 19h a Folha colocou no ar perfil de Ana Júlia, recuperando o discurso”.

O STF e a criminalização

No jornal carioca O Globo, a cobertura com viés crítico às ocupações também deu a linha. Se primeiro o foco era no “distúrbio” que a mobilização poderia trazer ao Exame Nacional do Ensino Médio (“Com mais de 640 escolas ocupadas governo do Paraná se diz preocupado com eleições e Enem” no dia 18).

Depois, os veículos do Grupo Globo fizeram questão de destacar a fala do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre os eventuais gastos que as ocupações geraram com a mudança dos locais de votação.

A declaração de Gilmar Mendes foi exibida à exaustão ao longo da noite do domingo 30 nos telejornais da GloboNews, chegando a irracionalidade de sugerir à AGU que estude cobrar os estudantes o “custo” das ocupações para as eleições. No site d’O Globo, a chamada era “Ocupação de escolas gerou gastos nas eleições, diz Gilmar Mendes”.

Antes disso, a opção do jornal carioca tinha sido entrevistar com destaque o Secretário estadual de Educação do Paraná e silenciar os estudantes. As aspas escolhidas para o título da matéria não são sobre soluções para o impasse, negociações, mas a simples ameaça: “Wagner Victer: ‘Quem diz que não prejudica é leviano’ “.

O Jornal Nacional do dia 27 apresentou reportagem sobre a bárbara apreensão de estudantes no Tocantins, que chegaram a ser algemados ilegalmente.

Mostraram o documento do Ministério Público que “justificava” a medida e deram um tempo irrisório para a opinião contrária da Defensoria Pública do estado, que criticou a apreensão dos alunos. A matéria sequer informou aos telespectadores por que aquela escola tinha sido ocupada.

Nesta terça, 1 de novembro, o Bom Dia Brasil preferiu dizer que o cerco da Polícia Militar para pressionar pela saída de estudantes de uma escola ocupada em Taguatinga, no Distrito Federal, atrapalhava a circulação de moradores.

Ocupações escolas no Jornal Hoje
Criminalização: estudantes retratados no Jornal Hoje como quem está praticando atos ilegais

 

O desequilíbrio no espaço dado – quando dado – aos estudante também caracteriza a cobertura na TV. Apenas a título de exemplo, no mesmo Bom Dia Brasil do dia 26 de outubro, em reportagem de 3 minutos e 40 segundos, apenas 13 segundos foram dedicados aos estudantes para explicarem por que ocupam as escolas.

Um exemplo contrário foi a matéria da Agência Estado, “Mais de mil escolas e universidades estão ocupadas no Brasil”, de 26 de outubro, que ouve não apenas a presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Camila Lanes, mas cita nota da Associação dos Reitores das Universidades Federais (Andifes) e da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais favoráveis ao movimento dos estudantes. Algo raro até agora na imprensa nacional.

O papel da comunicação pública e da internet

Foi na Agência Brasil – com todos os problemas que a EBC sofre depois do desmonte que tem sido implantado na empresa pública pelo governo Temer – que o cidadão pôde se informar minimamente sobre o contexto geral das ocupações Brasil afora.

Reportagens como “Mais de mil escolas do país estão ocupadas em protesto; entenda o movimento”, “Estudantes secundaristas e meio acadêmico debatem ocupação de escolas no Rio” e “Alunos do DF ocupam escolas para serem ouvidos sobre mudanças na educação” fizeram o que se espera da imprensa: jornalismo.

A batalha pela narrativa das ocupações, entretanto, segue travada mesmo na internet, em blogs, sites da imprensa alternativa e nas redes sociais. O discurso de Ana Julia – que ganhou a capa de CartaCapital essa semana – foi ouvido por todos no Youtube, Facebook e nos grupos de WhatsApp.

Ao participar de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado nesta segunda-feira 31, a estudante do Paraná fez questão de negar, veementemente, o papel de passividade atribuído aos estudantes por alguns e replicado por comentaristas e jornalistas da grande mídia. Não há doutrinadores e doutrinados neste jogo. Tampouco revoltados sem causa.

A jovem que fez milhares pararem para ouvir quem está vivendo as ocupações jogou luz a algo que se repete sistematicamente quando o país precisa debater temas centrais para o seu futuro: a dificuldade de entender o que está acontecendo quando se acompanhando o noticiário apenas pela mídia tradicional.

* Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

AGU tenta conter vitórias obtidas nos tribunais contra concessões de rádio e TV para políticos

A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações na figura de amicus curiae, se reuniram na última quarta-feira (26) com o ministro Gilmar Mendes. O PSOL e as entidades entregaram ao relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379 uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas nas ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Segundo Bráulio Araújo, advogado do PSol, a “ jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona na petição que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Influência indevida de políticos
Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”. Araújo ainda relata que decisões tomadas em outros tribunais também reforçam o entendimento de que a Constituição veda a celebração de contratos públicos, entre os quais se encontram as permissões e as concessões de radiodifusão, firmados entre a Administração Pública e pessoas jurídicas que tenham como sócios os políticos titulares de mandato eletivo.

Um exemplo disso seria o julgamento de apelação (nº 102.771.5/0-00) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu que, “em virtude das incompatibilidades negociais previstas pelos artigos 54, I, “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Brasileira, empresa que possui políticos titulares de mandato eletivo como sócios não pode participar de licitação pública, nem pode firmar ou manter contratos com a Administração”. Outro exemplo seria a decisão sobre apelação cível (nº 2006.011311-6) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que anulou um contrato administrativo celebrado pelo Poder Público com uma empresa que tinha deputado federal como sócio-cotista, em razão da proibição prevista no artigo 54 da Constituição. O tribunal condenou os responsáveis pela celebração do contrato pelo crime de improbidade administrativa, além de ordenar a devolução dos valores recebidos.

Tribunais apontam inconstitucionalidade
Bráulio Araújo rebate as alegações da AGU sobre as ADPFs 246 e 379, de que “a Constituição não proíbe que políticos sejam sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, os tribunais têm dado uma resposta firme a esse discurso: “a Constituição proíbe sim, de forma clara, a participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão”. Para ele, as decisões judiciais tomadas até o momento dialogam com as duas ADPFs e têm sim se posicionado contra a prática inconstitucional de participação de políticos como sócios de empresas de radiodifusão. “Ao combater essa inconstitucionalidade, essas decisões estão promovendo a segurança jurídica, e não o contrário, como sustenta a AGU. Não há direito adquirido com a manutenção de práticas inconstitucionais”, declara o advogado.

A petição entregue pelo Intervozes, Artigo 19 e Partido Socialismo e Liberdade ao ministro Gilmar Mendes relata que “a tutela jurisdicional ordinária é o único instrumento que vem sendo capaz de combater essa prática inconstitucional, ainda que com os limites inerentes aos processos ordinários”, e solicita que seja indeferida a medida cautelar requerida pela AGU por flagrante falta de base legal. Agora, cabe ao relator da ação pedir à presidenta do STF, ministra Cármen Lúcia, uma data para o julgamento do tema pelo plenário do tribunal.

“Ficamos surpresos com essa atuação da AGU. Claramente é uma resposta do governo federal a um pedido de deputados que começaram a ser condenados nas ações que o Ministério Público Federal moveu em seus estados de origem e que agora pretendem usar o STF para manter seus privilégios ilegais”, analisa Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, que esteve na reunião com o ministro Gilmar Mendes. O Intervozes é uma das organizações que formalizou uma representação, junto ao MPF em diferentes estados, contra o controle de emissoras de rádio e TV por políticos. “Em vez de coibir essa inconstitucionalidade, por meio do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, que outorga as licenças e tem o dever de fiscalizar o setor, o governo federal age para impedir que a Justiça atue no âmbito dos estados para barrar as ilegalidades. É uma vergonha. Esperamos que o Supremo não impeça os processos em andamento em todo o país e que julgue rapidamente as ADPFs, que já estão na Corte há bastante tempo”, conclui Bia.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação