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Para que o povo tenha a palavra

Aula inaugural dos cursos jurídicos do ano letivo de 2010 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1/3/2010

Toda sociedade ou associação estável organiza-se em função do poder, que é a capacidade atribuída aos dirigentes de impor suas decisões, com base em princípios fundamentais, consensualmente aceitos.

Na sociedade política, que engloba todas as demais, essa aptidão a impor decisões funda-se, em última instância, na disponibilidade da força pública, isto é, da organização dos meios de coerção, postos oficialmente à disposição dos governantes. Mas ela supõe, normalmente, uma obediência voluntária dos governados, obediência essa que se apoia, em última análise, no reconhecimento da legitimidade do poder; ou seja, na convicção geral de que ele é justo e necessário.

Com efeito, em uma sociedade cujo poder organizador é tido como injusto pela maioria dos sujeitos, os dirigentes são obrigados, para se fazerem obedecer, a recorrer sistematicamente à força. É uma situação anormal, que não pode subsistir por muito tempo.

Para manter inabalada a obediência voluntária dos governados, por conseguinte, importa sempre zelar pelo reconhecimento geral da legitimidade, quer do sistema de poder em geral, quer da pessoa de seus detentores em particular.

A justiça penal

Ora, esse juízo de legitimidade do poder nunca é feito intelectualmente, de modo abstrato, mas sempre concretamente, em função das preferências valorativas, dos sentimentos, das crenças e opiniões, que formam o que hoje se denomina a mentalidade social.

As sociedades do passado eram compostas de grupos sociais distintos e heterogêneos, até mesmo quanto ao seu estatuto jurídico.

Em Portugal, as Ordenações Afonsinas (I, 63, pr.) adotaram a tripartição estamental própria da Idade Média. Havia, assim, "os que rogam pelo povo", chamados por isso "oradores"; os que lavram a terra, "per que os homens ham de viver, e se mantem, som ditos mantenedores"; e "os que ham de defender som chamados defensores". Cada um desses estamentos era dotado de direitos e deveres próprios. Como se vê, os comerciantes, que já ao final da Idade Média constituíam a uma forte classe montante e alguns séculos depois a classe dominante, estavam excluídos dessa tripartição estamental da sociedade.

A partir das Ordenações Manuelinas, a sociedade portuguesa passou a conhecer uma multiplicidade de ordens ou estados privilegiados: universitários, médicos, cirurgiões, boticários, pintores, gramáticos e literatos, músicos, geômetras e astrônomos. Os privilégios variavam de estamento a estamento. O privilégio mais prezado e cobiçado era referente à justiça penal. Nas Ordenações Filipinas (V, 133), por exemplo, os doutores em cânones, em leis e em medicina não podiam ser "mandados meter a tormento"; isto é, não eram submetidos à tortura, salvo nos casos de crime de lesa-majestade, aleivosia, falsidades, moeda falsa, testemunho falso, feitiçaria, sodomia, alcovitaria e furto.

A expansão do sistema capitalista

Sem dúvida, cada uma dessas ordens ou corporações desenvolvia o seu próprio esprit de corps. Mas todas elas partilhavam em comum uma mesma mentalidade ou visão de mundo, de índole tradicional e religiosa.

A partir das revoluções do século 18 – a industrial e as duas políticas, a norte-americana e a francesa – bem como da expansão mundial do capitalismo, esse panorama mudou radicalmente. Surgiu algo sem precedentes na História, qual seja a formação das primeiras sociedades de massas. Nelas, as diferenças estamentais foram suprimidas, e as classes sociais, embora afastadas entre si pela crescente desigualdade de níveis de vida, tenderam a fundir-se em uma massa homogênea sob o aspecto cultural, com o abandono dos costumes tradicionais e o enfraquecimento da fé religiosa.

Assentou-se aos poucos um modo de vida voltado para o progresso material, com a inoculação daquilo que Max Weber, em ensaio célebre, denominou o "espírito do capitalismo". Ele se funda na preocupação exclusiva com os interesses próprios e no descaso com a coisa pública, isto é, o bem comum do povo. Segundo a justificativa apresentada por Adam Smith [Da Riqueza das Nações, livro I, cap. II], até hoje largamente utilizada pelos próceres do capitalismo e seus "intelectuais orgânicos", no sentido gramsciano, a busca racional do próprio interesse acaba por realizar, involuntária, mas necessariamente, o interesse coletivo.

Os forjadores dessa mentalidade de egoísmo racional – repito, sem precedentes na História – foram os empresários industriais modernos. Eles atuaram com um objetivo bem definido: legitimar a instauração do capitalismo, não apenas como sistema econômico, mas também como modo global de vida em sociedade, no qual tudo – a política, a religião, a família, a escola, as forças armadas – deve subordinar-se ao princípio da utilidade econômica.

Com a instauração mundial do sistema de produção em série e de padronização do consumo, criaram-se rapidamente (ou seja, em menos de dois séculos) modos de vida homogêneos em todos os quadrantes da Terra. Em obra publicada em 2004 [The Birth of the Modern World 1780 – 1914], C. A. Baily traça um panorama impressionante da uniformidade mundial de vestuário, alimentação, registros horários, estrutura linguística, atribuição de prenomes às pessoas, práticas de esporte e lazer, a partir do século 19, como efeito da expansão sem fronteiras do sistema capitalista. Toda essa camada cultural uniforme, contudo, passou a recobrir, ainda por efeito da expansão mundial do capitalismo, uma desigualdade cada vez mais pronunciada de níveis de vida, não apenas dentro do mesmo país, mas também entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Efeitos de democratização do avanço tecnológico

Nas sociedades de massas assim criadas, além do contato tradicional de pessoa a pessoa, criou-se um relacionamento impessoal e coletivo, mediante o envio de mensagens homogêneas a destinatários anônimos, para consumo em bloco e sem possibilidade de diálogo. É o que se denominou, segundo a expressão anglo-saxônica de origem, mass media communication; ou seja, um sistema englobando a grande imprensa, o cinema, o rádio e a televisão.

Acontece que o vocábulo comunicação sofre, no caso, notável variação semântica. Na língua matriz, communicatio e o verbo cognato communico, -are, significam pôr ou ter em comum, receber em comum, ou entrar em relações pessoais com alguém.

Ora, no campo da mass media communication, a verdadeira comunicação foi excluída. A partir de determinados centros emitentes, cada vez menos numerosos, mensagens coletivas são enviadas impessoalmente a consumidores, que se comportam como recipientes puramente passivos.

Em suma, instaurou-se nesse campo o mesmo sistema aplicado pelo capitalismo industrial com pleno êxito, no mundo todo: produção em série e consumo padronizado.

Sem dúvida, a invenção da internet, agora interligada aos meios de comunicação móveis, como telefones celulares, iPjosdireitoaco e MP3, veio alterar o esquema original de comunicação de massa, ao criar um ambiente de diálogo coletivo a envolver um número crescente de pessoas, no mundo todo. Mas não extrapolemos inconsideradamente os efeitos de democratização que esse avanço tecnológico irá produzir. Lembremo-nos de que o público usuário desses engenhos eletrônicos pertence à minoria do estrato econômico superior da sociedade. Em um país como o Brasil, onde 95% da população dispõem de uma renda média mensal inferior a 800 reais, a grande massa continuará presa ao rádio e à televisão.

A garantia dos direitos individuais

Para que se compreenda bem a notável transformação social ocorrida com a introdução dos meios de comunicação de massa, é importante verificar a evolução da imprensa periódica a partir do início do século 19. A esse respeito, o testemunho de Alexis de Tocqueville, que morou nove meses nos Estados Unidos no início da década de 30 daquele século, merece ser lembrado.

Ao comparar as características fundamentais da sociedade norte-americana em relação à sociedade européia ocidental, ele apontou a multiplicidade de jornais locais, então existentes nos Estados Unidos. "Não há quase nenhuma aldeia que não tenha o seu jornal", observou ele [De la Démocratie en Amérique, t. I, segunda parte, cap. III]. Contrariamente ao que ocorria nos países europeus, na América do Norte não se exigia nenhuma licença oficial para a criação de um periódico; e bastava reunir um pequeno número de assinantes, para que um só jornalista editasse o seu próprio jornal.

Tocqueville acrescentou que, para os americanos mais esclarecidos, a razão da fraqueza da imprensa, nos Estados Unidos, residia exatamente nessa incrível disseminação dos jornais. "Constitui um axioma da ciência política, nos Estados Unidos", observou ele, "que a única maneira de neutralizar os efeitos dos jornais é multiplicar o seu número."

Já no segundo volume dessa mesma obra [idem, t. II, quarta parte, cap. VII], publicado dez anos depois do primeiro, Tocqueville não hesitou em dizer que a liberdade de imprensa constitui o modo mais seguro de se garantirem os direitos individuais, nas sociedades democráticas. "Nos nossos dias", afirmou ele segundo o estilo grandiloquente da época, "o cidadão oprimido possui um só meio de defesa: dirigir-se a toda a nação e, se esta não o ouve, ao gênero humano." E isto, concluiu, só pode ser feito por meio da imprensa livre.

Concentração no mercado de comunicação

Menos de um século depois que essas linhas foram escritas, porém, operava-se nesse setor uma revolução de 180 graus. Percebeu-se simultaneamente, em todos os quadrantes do globo, que a junção da imprensa com o cinema, e em seguida com o rádio e a televisão, constituía o meio mais eficaz de se forjarem mentalidades novas e de se modificarem os costumes ancestrais, no sentido de levar as multidões a obedecer cegamente, senão de modo entusiástico, às orientações veiculadas por esses canais de difusão unilateral de mensagens.

Na União Soviética e seus satélites, assim como na Alemanha nazista e demais Estados fascistas, todos os meios de comunicação de massa foram concentrados em mãos das autoridades políticas, para atuar na propaganda do regime. Essa organização autoritária persiste ainda hoje em alguns países, como a China, o Irã e Cuba.

Ao mesmo tempo, nas nações do chamado "mundo livre", sob a batuta de grandes empresários capitalistas, iniciou-se um vigoroso movimento de rápida concentração do controle privado de jornais, emissoras de rádio e canais de televisão. Nos Estados Unidos, a pressão neoliberal logrou revogar em 1996 a lei de 1934, que estabelecia limites na concentração de controle empresarial desses veículos. No mesmo sentido, em 2003 a Federal Communications Commission eliminou as proibições então existentes para a participação cruzada no capital das empresas do setor. O resultado não se fez esperar: enquanto em 1983 havia no mercado de comunicação de massa 50 empresas de médio porte, hoje este é dominado por apenas cinco macroempresas [São elas: Time Warner, Viacom, Vivendi Universal, Walt Disney e News Corp.]

Portas fechadas

No Brasil, assistimos ao mesmo fenômeno. Quatro grandes redes dominam todo o mercado nacional de televisão: a Globo controla 342 empresas; a SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142.

Com essa formidável concentração de controle empresarial, operou-se uma modificação de monta no grau de influência dos meios de comunicação de massa, sobre a sociedade em seu conjunto.

Como salientei, quando Tocqueville visitou a América do Norte na primeira metade do século 19, quase todos os municípios americanos tinham o seu periódico local, e cada um desses pequenos jornais divulgava notícias e comentários à sua maneira. Hoje, a grande maioria dos periódicos locais desapareceu, e os poucos jornais restantes de ampla difusão quase não se distinguem entre si.

Por outro lado, as emissões de televisão e de rádio são hoje captadas nos Estados Unidos, respectivamente, por 98,3% e 99% das moradias. Tirante algumas diferenças de estilo sem maior importância, a escolha das notícias e o teor dos comentários difundidos por essas emissoras obedecem ao mesmo denominador comum: a defesa dos valores tradicionais da sociedade norte-americana, como a garantia das liberdades individuais, a intangibilidade da propriedade privada, a redução das atividades do Estado ao mínimo indispensável e o nacionalismo dominador nas relações internacionais.

Quem quiser se manifestar contra essas posições dogmáticas, ao contrário do que sucedia no tempo de Tocqueville, encontrará fechadas todas as portas dos mass media communication.

Patrões da comunicação dominam as almas

Pode-se dizer que um cenário análogo existe no Brasil há pelo menos meio século, com a criação de um poderoso oligopólio empresarial de imprensa, rádio e televisão.

Em pesquisa realizada em 2008, verificou-se que o consumo médio diário da televisão aberta, entre nós, é de quatro horas e quarenta e dois minutos por pessoa. Observou-se, aliás, que nos últimos sete anos o brasileiro tem passado quase 30 minutos a mais por dia em frente ao aparelho de televisão. Quanto ao rádio, estima-se que 80% da nossa população ouvem as suas emissões pelo menos 15 minutos por dia.

Ora, esse consumo radiofônico e televisivo em massa é feito de maneira acentuadamente acrítica. Em pesquisa de opinião pública realizada a esse respeito em 2009 no Brasil, nada menos que 83% dos entrevistados declararam confiar nos jornais, na televisão e no rádio; contra apenas 17%, que reconheceram não ter neles confiança alguma ou quase nenhuma.

Na verdade, o nosso oligopólio privado de meios de comunicação de massa não surgiu espontaneamente, mas foi montado com o apoio direto das autoridades políticas, durante o regime militar. Tratava-se, de um lado, de demonstrar que o Estado autoritário, instaurado com o golpe de 1964, garantia a democracia, salvando-nos do terror comunista. Cuidava-se, de outro lado, de difundir em todas as programações o consumismo de massa, em benefício da expansão capitalista.

Com isto, reforçou-se sobremaneira, no seio do povo, a tradicional mentalidade passiva e conformista, indiferente à política, considerada pelo vulgo como um jogo reservado exclusivamente àqueles que, na linguagem saborosa de Camões, nasceram não para mandados, mas para mandar.

Como se percebe, o que Tocqueville estimara ser o melhor, senão o único meio de garantia dos direitos individuais contra o Estado, transformou-se, nos dias atuais, em novo poder político de natureza privada, capaz de ombrear-se com os órgãos públicos, ou de servir de principal instrumento de propaganda de regimes autoritários. Nos países que se declaram paladinos da liberdade de expressão, estabeleceu-se, a esse respeito, uma partilha de competências: enquanto as autoridades estatais subjugam os corpos, os patrões da comunicação social, à semelhança dos chefes religiosos, dominam as almas.

Mandante precisa da permissão do mandatário

A nossa Constituição, em seu art. 220, proclama livres "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo". Mas no campo da grande imprensa, dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, essa liberdade só existe para os controladores das respectivas empresas.

Curiosamente, ao final do segundo volume de De la Démocratie en Amérique [Quarta parte, cap. VI], Tocqueville conjecturou sobre a possibilidade de surgir um novo despotismo nos tempos modernos, diverso daquele que se impôs nas sociedades antigas. "Ao que parece", escreveu ele, "se o despotismo vier a se instalar nas nações democráticas dos nossos dias, ele apresentaria outras características: seria mais extenso e mais ameno, e degradaria os homens sem os atormentar." Acrescentou que ele assemelhar-se-ia ao pátrio poder, se tivesse por objeto preparar os homens para a vida adulta. Mas o que ele busca, na verdade, é fixá-los irrevogavelmente em um estado de perpétua menoridade, de modo que os atos mais importantes da vida de cada um devam ser praticados sob a supervisão dessa autoridade tutelar.

Não tenho dúvidas em afirmar que esse regime de despotismo aprazível existe entre nós, e se apresenta como um sistema de dupla face: sob a moderna fachada democrática, exposta na Constituição e louvada na imprensa, no rádio e na televisão, continua a vigorar a oligarquia tradicional. O povo somente é admitido à cena política no momento das eleições. Mas estas, em lugar de representarem o exercício normal da soberania popular, ocultam na verdade a sua alienação.

Dois exemplos bastam para ilustrar a estrutura dúplice do nosso regime político.

Ao forjar no século 16 o conceito moderno de soberania como poder absoluto e perpétuo, Jean Bodin enfatizou que "o ponto principal da majestade soberana e do poder absoluto consiste em dar lei aos súditos em geral, sem o seu consentimento" [Les Six Livres de la République, edição original de 1583, Livro I, capítulos VIII e X]. Pois bem, é esse o privilégio reconhecido, entre nós, aos mal chamados representantes do povo: além de fazerem as leis, eles se atribuem a competência exclusiva para reformar a Constituição.

Como se isso não bastasse, a nossa inventividade jurídica chegou ao extremo de exigir a prévia autorização do Congresso Nacional para a realização de plebiscitos e referendos, que a Constituição reconhece expressamente como expressões da soberania popular (Constituição, art. 14). Ou seja, o mandante precisa da permissão do mandatário para manifestar sua vontade soberana!

Estimular as redes sociais

Ora, no desenvolvimento desse enredo caviloso, a colaboração do oligopólio privado dos chamados meios de comunicação de massa não pode ser desprezada. O seu poder de pressão sobre o Congresso Nacional e os políticos em geral tem sido irresistível nos últimos decênios. A própria Constituição Federal de 1988 foi elaborada sob a influência dominante dos empresários do setor.

Ouso afirmar, portanto, que o regime de despotismo doce e envolvente, cujos contornos Tocqueville divisava nebulosamente na primeira metade do século 19, já se instalou nos modernos países capitalistas, e especialmente no nosso, por obra e graça do sistema autocrático de imprensa, rádio e televisão.

A magna tarefa que se impõe hoje, por conseguinte, no mundo inteiro, consiste em elaborar e instituir outra forma de relacionamento coletivo, pela qual os homens possam verdadeiramente se comunicar; isto é, pôr em comum suas idéias, sentimentos e opiniões. Sem isto, é inútil pretender ensaiar um verdadeiro regime democrático, pois ele pressupõe a capacidade do povo soberano de discutir entre si as grandes questões, de âmbito nacional ou internacional, sobre as quais deve decidir, e de interpelar constantemente os agentes estatais sobre as justificativas de sua conduta.

Em suma, trata-se de recriar, na esfera da vida política, uma nova ágora ateniense.

Algumas diretrizes impõem-se, para tanto.

Em primeiro lugar, é indispensável contar com uma alternativa fiável aos meios de comunicação de massa. Nesse sentido, deve-se estimular a criação das chamadas redes sociais na internet. Muito embora até o momento restritas à minoria rica, é incontestável que elas restabelecem um relacionamento pessoal e direto entre os homens, agora no plano macrossocial. Não se deve, aliás, esquecer que a eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, deveu-se em boa parte à ação dessas redes sociais. A rede intitulada Facebook, por exemplo, reúne hoje nada menos do que 350 milhões de usuários, espalhados em todas as partes do mundo.

Proibição de monopólio ou oligopólio

No terreno próprio das comunicações de massa, duas grandes diretrizes de reforma devem ser seguidas.

A primeira delas consiste em superar a carência legislativa.

Nunca é demais relembrar que a supressão das liberdades fundamentais pode ocorrer, tanto pelo excesso, quanto pela ausência de leis.

Nos regimes totalitários ou autoritários, as prescrições normativas são abundantes e minuciosas, e muitas delas vigoram secretamente, ao alvedrio dos que comandam. De modo que os cidadãos jamais sabem, ao certo, o que podem fazer sem sofrer sanções repressivas.

Mas o vácuo legislativo, tão louvado pelo liberalismo hodierno, provoca a mesma supressão das liberdades, porque o terreno social se abre então, amplamente, à dominação sem limites dos ricos e poderosos.

Ora, em nosso país o setor de comunicação social encontra-se, há vários decênios, largamente desprovido de leis. Até hoje permanece em vigor o Código de Telecomunicações de 1962, cujas disposições já foram em grande parte revogadas, e as que ainda se encontram formalmente em vigor são descumpridas. É o que ocorre, por exemplo, com as normas constantes de seus artigos 38, alínea h, e 124, que fixam em 5% e 25%, respectivamente, o tempo mínimo para a transmissão de informações e o tempo máximo para a publicidade comercial.

Por outro lado, posto que promulgada a Constituição há mais de 21 anos, continuam sem regulamentação quase todas as suas disposições sobre a comunicação social; notadamente as que estabelecem as diretrizes gerais sobre a programação das emissões de rádio e televisão, e a proibição do estabelecimento em todo o setor, direta ou indiretamente, de monopólio ou oligopólio (artigos 220 e 221).

Usurpador alardeia pretensos direitos

Para completar esse quadro em branco, o Supremo Tribunal Federal, em lamentável decisão de 30 de abril de 2009, jubilosamente acolhida pelos patrões das grandes empresas do setor, julgou implicitamente revogada pela Constituição a lei de imprensa de 1967. Somos, assim, um caso raro no mundo, de país que se dá ao luxo de viver sem lei de imprensa.

Diante dessa grave indigência legislativa, propus recentemente ao presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o ajuizamento, perante o Supremo Tribunal Federal, de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, relativamente às disposições constitucionais pertinentes à comunicação social.

A segunda diretriz geral a ser seguida para a reformulação do setor de comunicação de massa em nosso País diz respeito, especificamente, ao rádio e à televisão.

Ambos utilizam-se, para as suas emissões, de um espaço público, ou seja, em boa etimologia e melhor doutrina, um espaço pertencente ao povo. Tratando-se de bem público, comum a todos, escusa lembrar que ele não pode ser apropriado por ninguém: nem pelo Estado nem pelos particulares. A função do Estado é simplesmente administrar a sua utilização em benefício do povo.

É exatamente por isso que, tanto aqui como alhures, a prestação do serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens depende de autorização, concessão ou permissão da autoridade administrativa competente (Constituição Federal, art. 21, XII, alínea a).

Acontece que, entre nós, o decantado oligopólio empresarial que domina o setor atua na prática, e se considera em teoria, como proprietário desses canais de comunicação pertencentes ao povo. Chega-se até ao cúmulo do arrendamento de canais pelo seu concessionário. Ou seja, analogamente ao que ocorre com o soberano no campo político, aqui o legítimo dono é substituído por um usurpador que, a todo momento, alardeia seus pretensos direitos adquiridos.

Disposições aberrantes do sistema administrativo

A gestão desse espaço público de comunicação deve competir a um órgão igualmente público, isto é, não subordinado a nenhum Poder estatal e muito menos a particulares. O Conselho de Comunicação Social, criado por força do art. 224 da Constituição Federal, não preenche tais requisitos. De um lado, porque foi declarado órgão auxiliar do Congresso Nacional; de outro, porque a Lei nº 8.389, de 1991, que o regulamentou, dele fez uma entidade solenemente inútil.

Importa assim criar, em todas as unidades da federação, um órgão regulador das atividades de comunicação social, composto de representantes de entidades públicas, como o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, ou as universidades públicas.

Da mesma forma, a utilização do espaço público de comunicação há de ser reservado preferencialmente a entidades públicas, vale repetir, não estatais nem privadas.

Sugiro, assim, que se crie, em todas as unidades da federação, sob a forma de fundação pública, um organismo de rádio e televisão, cujos administradores sejam designados pelo competente Conselho de Comunicação Social.

Por outro lado, vale a pena repetir que, se as emissões de rádio e televisão constituem um serviço público, as empresas privadas somente podem ser admitidas a prestá-lo mediante regular contrato de concessão, com a observância das exigências normais, como a licitação prévia (Constituição Federal, art. 175), inclusive para a renovação do contrato.

Escandalosamente, porém, não é o que ocorre no Brasil. Sob a pressão dos grandes empresários do setor, o Congresso Nacional inseriu na Constituição (artigos 223 e parágrafos) que as concessões de exploração de rádios e televisões sejam submetidas, em última instância, à decisão do próprio Congresso (Constituição, artigos 223 e parágrafos), o qual se revelou, nessa matéria, um órgão bem mais flexível do que o Poder Executivo. Impõe-se, pois, a revogação dessas disposições aberrantes do sistema administrativo comum.

Direito de antena

Na concessão do serviço público de comunicação social, preferência deve ser dada às rádios comunitárias, que têm sofrido toda sorte de preterições e constrangimentos, inclusive sanções penais, por iniciativa das macroempresas do setor.

É mister, além disso, suprimir o poder autocrático no seio das empresas privadas de imprensa, rádio e televisão, em razão do qual os patrões dispõem do privilégio de difundir suas opiniões pessoais na massa do público sobre todos os assuntos, e gozam até mesmo da prerrogativa de insultar impunemente seus desafetos! Em tais empresas, portanto, a partir de certa dimensão, a orientação editorial deveria competir a um conselho de administração composto, por metade, de representantes dos jornalistas que nela trabalham.

Tudo isso, contudo, seria vão, se não se garantisse efetivamente, a todos, o direito fundamental de expressão nessa área.

Proponho, com esse objetivo, duas medidas principais.

A primeira delas consiste na criação, a par do direito tradicional de resposta, destinado a garantir o respeito à verdade e à honra individual, um direito de defesa de interesses coletivos ou difusos, a ser exercido por associações ou fundações, cujos estatutos contenham essa previsão.

A segunda medida de reforço ao direito fundamental de expressão é a adoção do chamado direito de antena, já criado nas Constituições de Portugal (art. 40º) e Espanha (art. 20, alínea 3, in fine). Ele consiste na prerrogativa – a ser reconhecida, de preferência, a entidades representativas de setores dignos de proteção especial, como os grupos sociais vulneráveis – da livre utilização do rádio e da televisão, em tempo e horário fixados pela autoridade administrativa reguladora. Atualmente, esse direito existe no Brasil tão-só para os partidos políticos, por ocasião das campanhas eleitorais. Importa estendê-lo, permanentemente, aos grupos sociais relevantes da nossa sociedade civil.

O peso da mediocridade conformista

Como arremate, permito-me voltar os olhos ao berço do regime democrático, a Atenas do século V a.C. Segundo o testemunho unânime dos grandes autores da antiguidade clássica, o traço fundamental da democracia ateniense era a liberdade de palavra, reconhecida indistintamente a todos os cidadãos (isegoria). Sócrates, por exemplo, um de seus críticos mais acerbos, queixou-se, no diálogo Protágoras de Platão, de que nas reuniões da Ekklésia, a assembléia do povo que decidia sobre as questões mais importantes da pólis, qualquer cidadão – carpinteiro, ferreiro, sapateiro, comerciante, armador – rico ou pobre, aristocrata ou plebeu, instruido ou ignorante, tinha o direito de usar da palavra e exprimir sua opinião. Na visão socrática, essa prerrogativa deveria ser reservada exclusivamente aos melhores cidadãos (aristoi).

Ao reinventarmos a democracia nos tempos modernos, o pretexto ridículo da impossibilidade de se reunir o povo em uma só praça fez com que a liberdade de expressão passasse a ser garantida, doravante, tão-só aos governantes e controladores dos meios de comunicação de massa.

Para abolir essa farsa, não basta, na verdade, criar as instituições adequadas, como sugeri nesta exposição. Elas são necessárias, mas não suficiente. É preciso também – e alguns dirão principalmente – formar a consciência cívica do povo.

Oxalá as comunidades acadêmicas deste país, sacudindo o peso da mediocridade conformista, decidam consagrar-se, com zelo e competência, à elevada missão de dar, enfim, a palavra ao povo.

* Fábio Konder Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

Lei da Anistia: Ação entre amigos

Comentário para o programa radiofônico do OI, 30/4/2010

A decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar, por sete votos a dois, o pedido de revisão da Lei da Anistia, encaminhado pela Ordem dos Advogados do Brasil, é tema de primeira página de todos os jornais de circulação nacional nas edições de sexta-feira (30/4).

Promulgada em 1979, a lei consolidava um acordo que viria a permitir a retirada do poder dos chefes militares que se sucediam na Presidência da República desde 1964. Com o desgaste do regime, os ideólogos da ditadura impuseram à oposição consentida da época um acordo de esquecimento em troca da reabilitação de cidadãos cujos direitos políticos haviam sido cassados por força dos atos institucionais.

A decisão do STF vai na contramão do entendimento das cortes internacionais, que não aceitam a anistia de crimes contra a humanidade.

Na época, era comum a imprensa se referir à "sociedade civil organizada" como referência da opinião pública que contava – ou aquele conjunto de forças políticas que negociava com os militares um final sem traumas para o regime que desmoronava.

Longe das decisões

Foi a segunda ditadura mais longa do período na América Latina, apenas mais curta do que o regime cubano. Centenas de pessoas foram mortas e desapareceram nos órgãos de repressão, milhares foram perseguidos e o arcabouço institucional do Brasil virou de pernas para o ar.

Ainda hoje o país enfrenta sequelas daquele período autoritário. Uma delas é o temor de ajustar as contas com a História.

A imprensa, que foi parte influente nesse acordo, sempre se recusou a vasculhar os crimes da ditadura. Muitos dos políticos que apoiaram o regime militar se tornaram personagens diletos do noticiário e fontes de opinião de jornais e revistas.

O jogo do poder segue sendo partilhado pelas mesmas forças que articularam a anistia e a reorganização institucional que se seguiu. A mesma "sociedade civil organizada" conduziu, na década seguinte, a Constituição que viria a compor o arcabouço legal do Brasil redemocratizado.

Na época em que se deu essa negociação, quase metade da população brasileira vivia em condições de pobreza, ocupada com a própria sobrevivência, e, por isso, alienada das decisões políticas. Os acordos da chamada "sociedade civil organizada" contemplavam os interesses da outra metade.

Dormir em paz

O Brasil mudou desde então. Grande parte daqueles que eram os excluídos forma agora a nova classe média, a fatia predominante na sociedade. Esses devem acompanhar com estranheza a decisão do STF, como se estivesse acontecendo em um país estrangeiro. É nessas famílias que recai a herança violenta da ditadura, por meio da truculência policial que restou das escolas de tortura.

Os torturadores do tempo da ditadura podem dormir em paz, sem medo da Justiça. Assim como dormem em paz os torturadores e assassinos dos tempos democráticos.

* Luciano Martins Costa é jornalista e colaborador do Observatório da Imprensa.

Pelo apoio eleitoral explícito

Não é novidade para ninguém que a imprensa – ou o de mais parecido com aquilo que hoje entendemos como tal – nasceu vinculada à política, aos políticos e aos partidos políticos. Historiadores da imprensa periódica nos países onde primeiro floresceu – sobretudo Inglaterra, França e Estados Unidos – concordam que ela começou política e, numa segunda fase, se transformou em imprensa comercial, financiada por seus anunciantes e leitores, chamando-se a si mesma de independente.

Apesar de todas as peculiaridades históricas, não há distinção em relação às origens políticas e partidárias da imprensa no Brasil. Escrevendo especificamente sobre "as reformas dos anos 50 [que] assinalaram a passagem do jornalismo político-literário para o empresarial", Ana Paula Goulart Ribeiro afirma:

“O jornalismo que se desenvolveu, no Rio de Janeiro, a partir de 1821 [com o fim da censura prévia] era profundamente ideológico, militante e panfletário. O objetivo dos jornais, antes mesmo de informar, era tomar posição, tendo em vista a mobilização dos leitores para as diferentes causas. A imprensa, um dos principais instrumentos da luta política, era essencialmente de opinião.” (Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50; E-Papers; 2007; p. 25).

Posição implícita

Estamos em ano eleitoral e os posicionamentos "implícitos" de apoio político partidário da grande mídia estão cada vez mais difíceis de simular. Os resultados comprometedoramente divergentes de pesquisas eleitorais, divulgados – ou omitidos – por institutos vinculados a diferentes grupos de mídia são apenas uma das muitas expressões públicas da partidarização crescente. Até mesmo a presidente da ANJ declarou que, sim, os "meios de comunicação estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada" [ver, neste Observatório, "'Excrescências' do direito à comunicação"].

Não seria, então, democraticamente salutar que cada um dos veículos de comunicação do país explicitasse seu apoio eleitoral e abandonasse a falsa posição editorial de independência, como inusitada e corajosamente fez a própria presidente da ANJ?

O primeiro passo seria declarar: "Pelas razões x e y, apoiamos o candidato A, e não o candidato B". Ao assumir uma posição que já está implícita, tanto na pauta quanto no enquadramento de suas matérias, o veículo talvez ganhasse até mesmo em credibilidade, de vez que o leitor – que não é tolo – não se sentiria enganado.

Direito à informação e democracia

Há, no entanto, uma observação fundamental a ser feita. Seria salutar que jornais, revistas e concessionários do serviço público de rádio e televisão explicitassem editorialmente sua posição político-partidária. Se essa posição, todavia, contaminar deliberadamente a cobertura política, estará sendo violado o direito constitucional dos cidadãos de serem corretamente informados.

Declarar apoio político-partidário a candidatos em disputas eleitorais é comportamento rotineiro em democracias representativas e ajuda a tornar mais transparente todo o processo de disputa política. Isso não exime a grande mídia, no entanto, de seu compromisso ético e profissional com a verdade e o equilíbrio.

Na doutrina liberal, a informação correta, além de um direito do cidadão, serve de base primária para a formação de uma opinião pública autônoma e esclarecida, construtora das decisões do voto nas democracias.

Não é esse o compromisso fundamental da grande mídia?

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009)

Rádios comunitárias: A promessa e a realidade

As rádios comunitárias nasceram no Brasil com a promessa de trazerem uma maior democratização às comunicações. O Brasil contava então – e conta ainda hoje – com um sistema concentrado em grandes redes, no qual a produção de conteúdos era bastante centralizada. Além disso, existia – e existe ainda hoje – um grande número de políticos que eram donos, direta ou indiretamente, de emissoras de rádio e de TV, fenômeno batizado de "coronelismo eletrônico".

Foi nesse contexto que a Lei nº 9.612/98, que criou oficialmente o serviço de radiodifusão comunitária, surgiu. Digo "oficialmente" porque muito antes, ainda na década de 1970, já existiam pequenas rádios que operavam em baixa potência, mas sem autorização. Foi justamente o crescimento desenfreado das rádios livres, especialmente no interior do país, que motivou a promulgação da lei das rádios comunitárias. Rádios que deveriam pertencer a todos e a ninguém, que deveriam estar abertas a qualquer um, sem distinção de classe, cor, credo ou opinião política. Uma rádio comunitária deveria estar livre dos interesses econômicos que norteiam rádios comerciais e dos interesses políticos daquelas que são instrumentos de um "coronel eletrônico".

Porém, o que a lei efetivamente criou foi um processo de outorga bastante complicado, repleto de exigências burocráticas, no qual apenas os mais fortes sobrevivem. E os mais fortes, nesse caso, são aqueles que contam com a ajuda providencial de políticos, que atuam como padrinhos das entidades que podem trazer-lhes algum ganho político, como mostra reportagem da dupla de repórteres Ana Paula Scinocca e Eugênia Lopes publicada no jornal O Estado de S. Paulo ("Políticos viram despachantes de luxo e apadrinham rádios comunitárias", 15/3/2010).

A figura do padrinho

Não por acaso, diversas pesquisas mostram que boa parte das mais de 3.900 rádios comunitárias autorizadas em todo o país estão longe de serem independentes. Na verdade, muitas delas pertencem a políticos e servem a interesses eleitorais específicos – o que o professor Venício A. de Lima e eu chamamos de "coronelismo eletrônico de novo tipo" em pesquisa publicada neste Observatório.

O "novo tipo", na verdade, designa apenas a esfera em que o fenômeno ocorre, que deixa de ser federal e passa a ser municipal. A estrutura de fundo permanece inalterada: concessões públicas, que deveriam prestar um serviço público, são utilizadas para fins particulares. Informação dá lugar a propaganda política e os prejuízos para a democratização das comunicações são enormes.

Há solução para o problema? Sim, por certo, e ela passa obrigatoriamente pela simplificação do processo de outorga. Com menos exigências, a figura do padrinho passa a ser dispensável. Entidades verdadeiramente comunitárias, por mais humildes que sejam, teriam a oportunidade de receber uma autorização para prestarem o serviço de radiodifusão. Teríamos assim mais rádios, mais pluralidade, mais fluxo de informações. Resta saber se há vontade política para se incentivar uma verdadeira democratização das comunicações.

* Cristiano Aguiar Lopes é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados; editor do blog Museu da Propaganda.

Marcos regulatórios: Quem tem medo do debate?

[Sobre comentário para o programa radiofônico do OI, 7/4/2010]

Os feriados de Páscoa e as fortes chuvas no Rio deixaram para trás um assunto que voltou a ferver na semana passada. Outra vez, mais uma vez, uma vez mais a polêmica em torno da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), anunciado em dezembro passado e mal digerido pela mídia nos meses seguintes, em especial nos tópicos relativos à responsabilidade social da mídia.

A pendenga avivou-se em meados de março, numa reunião ocorrida na Federação do Comércio, em São Paulo, com a presença de dirigentes de entidades empresariais da indústria da comunicação, quando o PNDH apanhou sem dó nem piedade de todos os palestrantes [ver "Os outros direitos humanos" (rolar a página)]. Foi ali, naquele encontro, que a presidente da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, afirmou que os meios de comunicação no Brasil "estão fazendo, de fato, a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada".

De longe, de perto

A frase infeliz repercutiu a torto e a direito, deu munição farta aos que veem na mídia um inimigo a ser eliminado, e recebeu tradução livre do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que na terça-feira (30/3) afirmou, segundo a Folha de S.Paulo, que a presidente da ANJ "fala exatamente o que eu vinha dizendo como crítica. (…) `Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos´".

No mesmo dia a dirigente patronal rebateu o ministro, sublinhando que é papel da ANJ "defender a liberdade de expressão frente às seguidas tentativas do governo de criar regras para controlar os veículos de imprensa e os jornalistas". E deu como exemplos o projeto do Conselho Nacional de Jornalismo, as recomendações da Conferência Nacional de Comunicação e os pontos polêmicos do próprio Programa Nacional de Direitos Humanos.

Visto de longe, parece que estamos no limiar de atos institucionais ou da promulgação de decretos-lei. Visto de perto, são todas medidas – por mais polêmicas que sejam – que defendem a criação de marcos regulatórios, de alguma regulação que seja, sobretudo e principalmente para os canais de radiodifusão, que operam sob regime de concessão pública. Medidas que, ao fim e ao cabo, dependem de discussão e aprovação pelo Congresso Nacional – um "pequeno detalhe", aliás, convenientemente esquecido pelos críticos.

Por que, afinal, ter medo desse debate?

* Luiz Egypto é redator chefe do Observatório da Imprensa.