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O caso Baleia Azul e o perigo de legislar por impulso

A vontade de proteger crianças e adolescentes, inflada por notícias alarmistas, pode levar legisladores a fragilizar a liberdade de expressão

Por Marina Pita*

Quando algo ameaça crianças e adolescentes, a resposta da sociedade é e precisa ser rápida. Essa população, como mais vulnerável, precisa de proteção especial, inclusive na legislação. E, no entanto, vale redobrar a cautela para não responder impulsivamente quando o assunto é ameaça a crianças na web, especialmente em termos legislativos.

Em momentos de pânico, que nos afastam da razão, e na tentativa de protegê-los, somos levados a tomar decisões que volta e meia colidem com direitos fundamentais socialmente estabelecidos, conforme bem definiu Thiago Tavares, diretor presidente da Safernet Brasil e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

O caso Baleia Azul e a reação da sociedade – especialmente dos legisladores – é um desses exemplos importantes de serem analisados.

Primeiro: as pessoas de bem, nossos amigos e parentes, na maior boa intenção, replicam, sem checar, um alarme contra o jogo que levaria jovens e adolescentes ao suicídio. A vontade é proteger, o que move é o pânico.

Em seguida, há um legislador pronto para reagir, muitas vezes bem intencionado, mas sem conhecimento sobre o funcionamento da internet.

No caso do jogo Baleia Azul, o Projeto de Lei 6989/2017, do deputado Odorico Monteiro (PROS-CE), propõe alterar o Marco Civil da Internet (Lei 12.965) para exigir que provedores retirem do ar conteúdos que promovam lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição a situação de risco de vida ou tentativa de suicídio.

E esta proposta, que, como vamos mostrar, é muito problemática, ganhou um requerimento de urgência que está para ser aprovado. Há até um pedido de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Assim, caminha-se na direção contrária da verdadeira urgência, que deveria ser em desconstruir o PL proposto.

Cabe lembrar que os provedores já podem retirar de suas plataformas conteúdos que considerem inadequados.

O que o Marco Civil da Internet faz é garantir que, em caso de divergência de análise – entre o que pensa uma empresa ou mesmo um cidadão –, a plataforma em questão possa ter a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo.

Ou seja, o Marco Civil estabelece que os provedores não são obrigados a retirar determinado teor do ar em reação a um pedido. E isto é bom, porque as denúncias não são sempre bem intencionadas ou razoáveis. Portanto, cabe à Justiça definir quando uma plataforma é obrigada a fazê-lo ou não.

Isso gera lentidão na retirada de conteúdo possivelmente nocivo para crianças e jovens?

Não. As maiores plataformas têm retirado conteúdo inadequado do ar independente de decisões judiciais, quando tal conteúdo fere seus termos de uso. A Alphabet, empresa controladora do Google e do YouTube, por exemplo, mantém uma política de retirada de vídeo sempre que contenha estímulo à automutilação.

Isso acontece de várias formas, por análise algorítmica, que tem limitações (em termos de acerto e de capacidade de identificação), por ações de funcionários dedicados a isto e, inclusive, pela denúncia dos usuários.

A possibilidade da sociedade reclamar sobre conteúdos é fundamental em plataformas com um volume de conteúdo gigantesco e que cresce exponencialmente a cada dia. E isto está acontecendo.

Vale ponderar, porém, que as empresas sozinhas não conseguem responder a problemas que vão além de seus limites cibernéticos.

E, neste sentido, lembramos, como destacou o presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogerio Giannini, em audiência pública na Câmara na semana passada: os jovens estão sob grande pressão para serem bem-sucedidos e é vendida a ideia de que, caso se esforcem e empreendam, alcançarão tal objetivo.

No entanto, a sociedade brasileira hoje é marcada pela falta de oportunidades para ascensão profissional e social, especialmente quando se fala da juventude pobre e negra.

Enquanto a sociedade não responder coletivamente ao contexto cultural, político e socioeconômico que abre espaço para que práticas de automutilação ganhem adeptos, não podemos colocar mais responsabilidade sobre as plataformas de internet do que elas têm de fato.

Mas se a proposta de alteração do Marco Civil para retirada de conteúdo relacionado ao Baleia Azul é inócua em termos de proteção à infância, pode ser desastrosa em termos de liberdade de expressão e acesso à informação.

Sem a mediação da Justiça, pessoas mal-intencionadas podem relacionar conteúdos ao Baleia Azul para que ele saia do ar – uma prática que acontece com notificação de infração de direito autoral.

Um usuário reclama direitos autorais de determinado conteúdo com o fim de retirá-lo do ar, mesmo que não exista infração à Lei de Direitos Autorais, como é o caso de uso justo de conteúdo para crítica e análise.

Agora, a cadeia de reação da sociedade ao jogo Baleia Azul é exemplar do que Julian Assange, no livro Cypherpunks, de 2012, chamava de os infocavaleiros do apocalipse: as ameaças que nos colocam em situação de temor e pânico de modo a abrir espaço para legislações controversas, que não resolvem os problemas que se propõem, mas causam danos a direitos fundamentais como liberdade de expressão e acesso à informação.

Os infocavaleiros do apocalipse são a pedofilia (e demais ameaças à infância), o tráfico de drogas e o terrorismo. A cada vez que alguém usa um desses argumentos, em seguida há uma desenrolar já bastante conhecido: as tentativas de aprovação de leis restritivas dos direitos de quem não comete crime algum.

Aos defensores de direitos humanos fundamentais, recomendamos cautela ao reagir a qualquer medida que vise responder a estas ameaças online e uma resposta firme a tentativas de legislar por impulso ou por autopromoção.

Importante estarem atentos que na terça 16 ocorreu mais uma audiência pública sobre o tema, chamada pela Comissão de Seguridade Social e Família.

Notícia falsa gera uma reação real

Mas um dos fatos mais interessantes sobre o jogo Baleia Azul é que pesquisadores no mundo inteiro apontam que ele surgiu de uma notícia falsa.

No Brasil, o alerta foi feito pela Safernet.

O Baleia Azul, aponta Thiago Tavares, tornou-se conhecido no Brasil após uma reportagem da TV Record no dia 1º de abril, ironicamente, o Dia da Mentira. O diretor presidente da Safernet mostrou a explosão de 1150% nas buscas a respeito do “desafio da Baleia Azul” após a veiculação da reportagem e destacou: os jornalistas não apuraram adequadamente.

Não tentaram, eles mesmos, jogar o Baleia Azul.

Mas a existência do suposto jogo já havia sido desmentida por centros de pesquisas e ONGs pelo mundo, como a britânica UK Safer Net.

Não há registro apurado de suicídio envolvendo o Baleia Azul, na Rússia ou no Brasil, apesar de diversas especulações neste sentido.

A divulgação da existência de um suposto jogo que levava jovens ao assassinato, de forma sensacionalista e alarmista, teria servido sim de gatilho para um efeito de imitação: a mentira se fez verdade a partir de sua veiculação e alguns grupos de jovens em situação vulnerável passaram a se dedicar a fazer bullying online.

O tema é muito delicado. Pensando nisso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) editou um guia com recomendações para o tratamento do tema pela mídia, sugerindo maneiras de como os meios podem atuar na prevenção do suicídio.

Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis.

Segundo a publicação, isso pode gerar um indesejável efeito em cadeia, ao invés de enfrentar o tabu, informar a população e ajudar a prevenir.

Crianças e jovens em situação de vulnerabilidade podem, de fato, ser influenciados pela incitação de práticas de suicídio, mas responder a este problema apontando a mudança nas regras da web é inócuo e problemático, conforme apontado.

A solução é educar – jovens e adultos – para a mídia (e não apenas para o uso de recursos digitais), com compromisso da educação pública neste sentido. Ainda, responder aos anseios de jovens que querem encontrar espaço para se desenvolver nos mais diversos campos da vida.

Eles precisam de mais oportunidade e menos bombardeio de consumo e pressão por sucesso.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

Seminário debate leis de proteção de dados pessoais no mundo

Com o objetivo de aprofundar os debates sobre o tema no Brasil e discutir possíveis propostas de regulação, comissão organizou encontro com representantes de entidades de diferentes perfis

A privacidade é um direito garantido pela Constituição brasileira, e é tema também da Lei de Cadastro Positivo, da Lei de Acesso à Informação e do Marco Civil da Internet. Ainda assim, o Brasil é um dos poucos países no mundo que não tem uma lei específica para a proteção de dados pessoais. Com o objetivo de aprofundar esse assunto, a Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo – realizou nesta quarta (dia 10) e quinta-feira (dia 11) um seminário sobre os marcos legais adotados em outros países para garantir a privacidade das informações.

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que o que está registrado seja utilizado de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. De acordo com o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), autor da iniciativa de realização do seminário, o encontro pretendeu oferecer espaços de diálogo “com outros países para que as medidas adotadas pelo Brasil não sejam divergentes a ponto de prejudicá-lo em suas relações internacionais”.

No primeiro dia de evento, especialistas destacaram a importância de serem implementados mecanismos para a proteção de dados pessoais e compararam os sistemas adotados com este fim pela União Europeia, Chile e Estados Unidos. O modelo europeu foi apresentado por Piedade Costa de Oliveira, membro do Serviço Jurídico da Comissão Europeia. Segundo ela, a privacidade é princípio fundamental determinado na carta de direitos europeia e na Declaração de Direitos Humanos da ONU, e isso também se aplica na proteção de dados. “A recente reforma [na legislação europeia] introduziu novos direitos, como portabilidade, direito ao esquecimento e também a lógica de fortalecimento do órgão regulador, com multas maiores em casos de violações à legislação de privacidade”, frisou.

A lei de proteção da União Europeia (UE) foi assinada em 1995 e proíbe o compartilhamento de dados pessoais com terceiros, podendo ser processados só em tarefas específicas. Além disso, o cidadão deve saber exatamente como serão usados. A União Europeia também estabeleceu regras sobre como os dados pessoais são usados no ambiente comercial, implementando novas ferramentas que colaboram para que as empresas sejam mais responsáveis. O General Data Protection Regulation (GDPR), sistema que regula a proteção de dados na UE, se aplica a todos, inclusive aos países de fora do grupo que quiserem fazer negócios com os países cobertos pela regulação. “Essas regulações serão trabalhadas com todas as autoridades e interlocutores em todos países. Estamos preparando ferramentas mais precisas de verificação de condutas das empresas para assim trabalhar com mais transparência juntos aos cidadãos”, destacou Piedade.

O modelo chileno é o mais recente entre os apresentados, possuindo duas agências: a da transparência e a de proteção de dados. Algo que em tese se aproxima da realidade brasileira, já que o país também possui uma Lei de Acesso à Informação e agora está em discussão no Legislativo e na sociedade civil a criação de uma estrutura que venha regular a proteção de dados. Segundo Alejandra Andrea Vallejos Morales, representante do Ministério da Economia do Chile, no país o “mercado é aberto e competitivo, mas os direitos do consumidor são protegidos”. A lei chilena acompanha a espanhola em alguns pontos, prevendo a proteção à criança e a dados sensíveis, como aqueles relacionados à saúde do usuário. “Estamos nos referindo a empresas que já têm os nossos dados. Precisamos assegurar o uso correto deles. Por exemplo, quando você compra um medicamento, seu plano de saúde fica sabendo. Precisamos garantir a proteção nesses casos”, reforçou Alejandra.

Como a União Europeia estabeleceu restrições quanto à transferência de dados para países que não se adequassem ao padrão europeu de proteção de dados pessoais, os Estados Unidos criaram uma certificação para as empresas garantindo o uso de medidas adequadas. Kara Sutton, representante do Centro de Cooperação Regulatória Global da Câmara dos Estados Unidos, apresentou o modelo do país, caracterizado por uma abordagem setorial e baseado em leis específicas, na regulação e na autorregulação. Kara destacou a necessidade de viabilizar fluxos internacionais de dados e afirmou que a lei brasileira precisa se adequar aos mecanismos existentes, entre eles o privacy shields e as próprias negociações bilaterais. “O Brasil é um sucesso em práticas digitais e pode ser exemplo para outros países na América do Sul quando produzir sua legislação. Por isso essa lei precisa dialogar com as práticas mundiais”, reforçou.

Lei deve conciliar proteção de dados com inovação

No segundo dia de evento, os debatedores defenderam que o marco regulatório sobre a proteção de dados deve conciliar a privacidade do usuário com a inovação tecnológica. Leticia Lewis, diretora de Políticas Públicas da The Software Alliance (BSA), sustentou que uma regulamentação equilibrada será crucial para beneficiar os brasileiros. Para ela, uma proteção de dados pessoais muito restritiva pode acarretar em problemas econômicos para o país, mas é importante garantir o bom uso dos dados pessoais para que o contrário não acarrete prejuízos aos cidadãos.

Natasha Jackson de Almeida , representante da GSM Association (entidade que representa as operadoras de telefone), defendeu um modelo pró-investimento e pró-inovação. Segundo ela, as boas práticas de governança passam também pelo diálogo com a indústria e não somente entre reguladores e legisladores.

Já o vice-presidente de Políticas Globais do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITIC), John Miller, declarou que o Brasil tem de aproveitar a oportunidade e criar uma lei moderna de privacidade, que servirá de modelo para outros países. Conforme ele, sem o fluxo internacional o comércio brasileiro não poderá crescer. Sendo assim, ele destacou a importância de que o país use das melhores experiências no mundo para proteger a privacidade de seus cidadãos, ao mesmo tempo em que deve encorajar a inovação e o investimento estrangeiro. “Não é sobre escolher entre privacidade e inovação, é sobre garantir que os dados não sejam utilizados de forma errada”, enfatizou John.

A voz da sociedade

Bruno Bioni, mestre em Direito e pesquisador do grupo GpoPAI, da Universidade de São Paulo (USP), o seminário representou um cenário positivo de convergência sobre o tema. “É preciso delimitar e prever o livre fluxo de dados. Não queremos destoar das regras internacionais, mas queremos garantir o direito à privacidade e a afirmação de consentimento dos usuários sobre seus dados”, sustentou. Enquanto Rafael Zanatta, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), apontou que é preciso ainda pensar todo o período de transição para a nova lei e que papel vai assumir a Secretaria de Defesa do Consumidor durante este processo.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras. Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras.

Desafio para a democracia

Garantir o direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais analisa os Projetos de Lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados e tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A comissão é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo até o mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Sorria, você está sendo vigiado

Jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, James Bamford mostrou na Cryptorave 2017 que o país monitora as comunicações em todo o mundo

Num mundo em que a espionagem eletrônica é cada vez mais divulgada, especialistas e ativistas se reuniram, em São Paulo, para conversar sobre proteção de dados e divulgar formas de defesa da privacidade na rede. A Cryptorave 2017 chegou neste ano à quarta edição e mais de mil pessoas participaram do evento. O encontro teve como um dos principais objetivos difundir os conceitos fundamentais e softwares básicos de criptografia, e assim educar sobre o seu uso e a segurança na internet.

Foram 24 horas de atividades initerruptas, iniciadas às 20 horas da sexta-feira, dia 6, e finalizadas às 20 horas do sábado, dia 7. James Bamford, jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, foi o responsável pela abertura do encontro e era um de seus convidados mais esperados. Ele mostrou em sua palestra como uma suposta teoria da conspiração, segundo a qual os Estados Unidos monitoram as comunicações de todas as pessoas do mundo, se concretizou.

Durante sua apresentação, Bamford demonstrou, por meio de informações da Agência Nacional de Vigilância (NSA) dos Estados Unidos, vazadas por Edward Snowden e obtidas pelo painelista em viagem à Rússia para se encontrar o denunciante, que os EUA utilizam malwares para coletar informações em pontos específicos do globo, sendo o local mais importante desta coleta no âmbito da América Latina a cidade de São Paulo.

Bamford falou também sobre a iniciativa brasileira de construir um cabo submarino para que o tráfego de dados do país siga direto para a Europa sem ter que passar pelos Estados Unidos — a primeira obra deste tipo e sem contar com a participação estadunidense. Apesar de elogiar a iniciativa, o jornalista destacou que os EUA possuem um submarino que pode interceptar a captação de dados no meio do oceano, além de fazer acordos com outros países para obter tal interceptação em outra ponta. Com isso, ele quis frisar que o país deve fazer a inspeção do cabo de ponta a ponta, para tentar evitar espionagens.

Sobre o satélite brasileiro, ele reforçou a importância para a soberania nacional da construção e operação sem a participação da indústria estadunidense, e lembrou que empresas de telecomunicação muitas vezes cooperam com a espionagem. “Fui procurado pela então presidenta Dilma Rousseff, que estava preocupada com a soberania do país e a espionagem que podia estar acontecendo. Expliquei a ela que todos os cabos que saíam daqui iam primeiro para Miami [nos EUA], e não só os cabos, mas também os satélites, pois a NSA consegue captar as comunicações dos satélites estrangeiros que passem perto da Flórida. Foi dessa conversa que surgiram os primeiros passos para a construção do satélite e também dos cabos ligando o país diretamente à Europa”, relatou.

Bamford afirmou aos presentes que atualmente a grande fortaleza para a proteção das informações e dados pessoais está na utilização da criptografia de ponta a ponta. Por isso, os EUA e as empresas que usam a coleta de dados em benefício próprio querem afastar qualquer possibilidade de criptografia.

Satélite

O Satélite Geoestacionário Brasileiro  foi lançado ao espaço no dia 4 de maio, na teoria o satélite permitirá o aumento da cobertura de banda larga no território nacional.  Porém, a realidade não é tão bonita como faz parecer o governo federal. O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, etc., deve ser leiloado pelo Governo Federal para grandes operadoras de telecomunicação que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou de baixa renda.

No projeto original do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), 70% da capacidade do satélite estaria vinculada à implementação de políticas públicas. Mas, após as mudanças implementadas pela gestão atual, 80% da capacidade do satélite destinada para uso civil será privatizada.

O edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço prestado. Exige apenas “cumprir as metas do PNBL”. Aliás, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) já foi considerado um fracasso exatamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo, permitindo assim o acesso da população com baixa renda.

Navegação com mais privacidade

A Cryptorave não é um evento dirigido apenas a pessoas como conhecimento técnico em transmissão de dados e em redes. A programação diversificada do evento conseguiu atrair e agradar desde pessoas com conhecimento avançado no assunto até pessoas que não tinham até então nenhum contato com os temas da privacidade e da proteção de dados.

Uma das oficinas, intitulada Navegação com privacidade para iniciantes, apresentou o funcionamento da navegação na internet e quais são as ferramentas e técnicas que podem ser usadas para a navegação com mais privacidade. O desenvolvedor web, jornalista e pesquisador Leo Germani foi o oficineiro e trouxe para o debate com os participantes conceitos básicos de criptografia.

 

O que é criptografia

Cryptografia é o nome que se dá a técnicas que transformam informação inteligível em algo que um agente externo seja incapaz de compreender. De forma mais simples, a criptografia funciona como um código: sem ela, uma pessoa ou máquina poderia interceptar, por exemplo, a senha de e-mail durante o login. Com a criptografia, caso a informação seja interceptada durante o acesso, mas sem a chave correta de leitura, será obtida pelo invasor apenas uma lista desordenada e aparentemente confusa de caracteres, sem interpretação lógica aparente.

Segundo Leo Germani, a criptografia é um método de proteção e privacidade de dados cada vez mais necessário. “As informações do navegador vão para o roteador e de lá para a nuvem. Na verdade, esse conceito de nuvem é um conceito comercial. O que eles chamam de nuvem está guardado em algum computador no mundo”, reforçou.

Germani explicou que toda conexão passa por um roteador e vai para o provedor de internet. Para estar conectado com a internet, tem que passar necessariamente por servidores. E aí começam as vulnerabilidades, pois os provedores “sabem quem você é e para onde você foi”. “Quando você acessa um provedor, ele sempre sabe o que você está fazendo. Esses dados estão sendo armazenados e são possíveis de serem acessados por outras pessoas? A resposta é sim!”, frisou.

Medidas básicas de privacidade

Leo Germani ainda destacou que muitas pessoas usam a mudança do proxy como medida para tentar barrar esses problemas, mas alertou para o fato de que estas pessoas podem ser enganadas e acabar desviadas para sites maliciosos. O pesquisador reforçou que existem medidas básicas para evitar algumas violações da privacidade. Confira algumas delas:

  • Não acesse páginas na web enquanto estiver logado em seu e-.mail ou em redes sociais.
  • Use senha forte no roteador do Wifi. Ela criptografa as mensagens do seu computador até o roteador.
  • Utilize sempre páginas https. Ela criptografa a mensagem desde o momento em que sai do computador até o servidor de aplicação, protegendo seu conteúdo.
  • O ideal é usar um sistema operacional livre e manter o antivírus sempre atualizado. (Você nunca vai estar seguro em um sistema proprietário).
  • A navegação anônima só dá proteção contra acessos no próprio computador. Ela não protege os dados de serem interceptados por agentes externos.
  • Para proteção contra malwares e a garantia de uma navegação segura na internet, o melhor é navegar pelo Tor Browser. Ele “anonimiza” a navegação completamente, não o identificando e o livrando de ser rastreado.
  • Use senhas fortes e não use a mesma senha para tudo. Nunca esqueça que o e-mail é a chave para todos os perfis. Use um gerenciador de senhas para facilitar.
  • Nas redes sociais, evite informar todos os dados. Não autorize aplicativos a acessar sua conta. Evite se expor demais, crie grupos e use sempre as configurações de privacidade para se proteger.

Marco Civil estabelece direitos do usuário

A internet permite aos usuários o exercício de direitos básicos e suas ferramentas tornam publicações em meio virtual acessíveis a qualquer público de forma rápida e prática, com todas as vantagens e também os riscos das relações sociais. Mas a aprovação do Marco Civil da Internet resguarda os cidadãos dos excessos praticados pelas empresas.

Os incisos VI a X do artigo 7º do Marco Civil estabelecem que a coleta de dados pessoais e o uso que se fará dos mesmos precisam ser informados previamente ao usuário. Determina ainda que os dados coletados só poderão ser utilizados para aquele fim e que não poderão ser repassados a terceiros sem o consentimento do usuário. Esses direitos são básicos e impedem que empresas coletem dados para fins outros que não o da prestação do serviço ou da apresentação de publicidade. O artigo ainda reserva ao usuário o direito de solicitar a destruição dos dados quando deixar de usar um serviço.

Já o artigo 16 proíbe que um serviço monitore o acesso a outros serviços sem o consentimento do usuário — por exemplo, que uma vez conectado ao Facebook ou ao Google, o acesso a outros sites parceiros dessas empresas seja monitorado e os dados enviados para elas sem o consentimento do usuário. Por outro lado, a regulação adicional como a que dispõe sobre a interconexão de bancos de dados foi deixada para a tão aguardada Lei de Proteção de Dados Pessoais, que está em discussão em comissão especial da Câmara dos Deputados.

Sobre a CryptoRave

Inspirada no movimento das CryptoParties – eventos para a troca de chaves de criptografia –, a CryptoRave surgiu no Brasil como um esforço coletivo para difundir os conceitos, a cultura e as ferramentas relacionadas à privacidade e liberdade na internet. O evento se consolidou como o maior encontro aberto e gratuito deste tipo no mundo e visa aprofundar e qualificar o debate sobre proteção da privacidade na internet como um direito e um dos fundamentos à democracia.

É um evento organizado de forma voluntária, encabeçado pelos coletivos Actantes, Escola de Ativismo, Encripta Tudo, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Saravá, e realizado colaborativamente por muitos indivíduos. Para o sociólogo, doutor em Ciência Política e militante do Actantes Sérgio Amadeu, a Cryptorave cumpre um papel fundamental ao reunir movimentos sociais, ativistas e outras pessoas interessadas “em tomar contato com as tecnologias disponíveis e que possam defender sua privacidade na internet”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Facebook negocia dados de milhões de jovens emocionalmente vulneráveis

Uso de informações de crianças e jovens pela rede social comprova urgência da proteção dos dados pessoais

Por Marina Pita*

Há cerca de dois anos, eu e minha família recebemos a notícia de que minha mãe teria de enfrentar um tratamento para câncer. Dias depois de ter recebido a notícia, resolvi compartilhar pelo WhatsApp, com uma amiga querida que estava longe, o estado de ansiedade e apreensão pelo qual passava.

No dia seguinte, um e-mail na minha caixa de entrada informava sobre um remédio milagroso para a doença. Respirei fundo e apaguei. Coincidência ou não, o fato que é que a informação de que o assunto “câncer” estava no meu espectro de interesse poderia, sim, ser usada para fins de publicidade. A fragilidade, a vulnerabilidade, a insegurança, já descobriram os publicitários há alguns anos, são importantes impulsionadores de vendas.

Agora, se o caso ocorreu já há dois anos, por que compartilhá-lo agora?

Porque um documento interno do Facebook, que acaba de ser vazado pelo jornal Australian, revelou a capacidade da companhia de identificar quando um adolescente ou um jovem trabalhador se sente “inseguro”, “inútil” e precisa de um “impulso de autoestima” – tudo baseado num banco de dados de 1,9 milhão de estudantes de Ensino Fundamental, 1,5 milhão do Ensino Médio e 3 milhões de jovens trabalhadores.

Quem acompanhou, no Dia Mundial da Saúde, os diversos alertas sobre depressão e como a doença é hoje a principal causa de problemas de saúde e invalidez no mundo, pode pensar: que ótimo! Esta informação pode ser usada para gerar algum tipo de acompanhamento, indicação de profissional, sugerir que o adolescente busque ajuda.

Não. Veja bem.

O documento em que a maior rede social do mundo se gabava de poder monitorar posts e fotos em tempo real para determinar quando um jovem se sente “estressado”, “derrotado”, “ansioso”, “nervoso”, “estúpido”, “fracassado”, “idiota” ou “um fracasso” era, na realidade, uma apresentação feita para um dos maiores bancos da Austrália.

Isso mesmo, um banco.

Ou seja, a informação sobre a situação emocional de adolescentes e jovens está sendo usada para fins econômicos, para o lucro de corporações.

Neste sentido, o vazamento do documento do Facebook e a exposição dos dados nele contidos não é apenas mais um alerta sobre a capacidade de coleta e processamento de dados na era moderna. É um importante indicador de que todo mundo precisa de privacidade se não quiser que suas maiores vulnerabilidades sejam exploradas para o único fim de vender.

Em um momento em que muitos alardeiam a era do fim da privacidade, como se fosse algo trivial, em que se ouve a cada roda de conversa que alguém não teme a coleta massiva de dados e a vigilância “porque não tem nada a esconder”, talvez esta notícia faça com que todos passem a entender que a privacidade não é importante apenas para os corruptos, bandidos ou ditos subversivos, mas para que qualquer cidadão esteja protegido do modelo de consumo atual: a qualquer custo, sem limites e sem ética, ao qual todos estamos sujeitos.

É hora de pararmos para questionar as maravilhas que os sistemas de “Big Data” farão pela humanidade, usando os nossos dados para nos entregar o que há de mais perfeito para nossa personalidade ou para encontrar a origem de nossas doenças, e começarmos a entender que uma sociedade orientada para o lucro obviamente usará os recursos tecnológicos em vasta medida para este único e exclusivo fim.

E isso é verdade, apesar do que dizem os “evangelistas” de tecnologia, profissionais altamente qualificados, pagos por grande empresas do setor de “coleta de dados e softwares de inteligência” para apregoar, com apoio de potente máquina de influência de mídia, as benesses que serão um dia obtidas com o modelo em que nós entregamos nossas informações mais pessoais sem nem sequer entrar na lógica do lucro e cobrar por isso.

Exploração comercial de crianças e adolescentes

O mais incrível é que a exploração de dados para fins de lucro não encontra limites nem para com crianças e adolescentes, que devem ser tratados como prioridade absoluta – como estabelece a Constituição brasileira.

Pouco importa se pelo menos eles deveriam ser poupados de determinadas práticas mercadológicas até que tenham maturidade para compreender as implicações de terem seus dados disponíveis para as áreas de publicidade e marketing (no mínimo) das companhias.

Além da sanha do mercado, essa falta de limites está relacionada também com a fragilidade regulatória sobre a coleta, processamento, uso e, claro, proteção de dados pessoais. No Brasil, por exemplo, e apesar dos esforços de diversas entidades, especialistas, acadêmicos e juristas (muitos deles reunidos na Coalizão Direitos na Rede) de ver aprovada uma Lei de Proteção de Dados Pessoais, a agenda política do país e alguns interesses escusos têm impedido que o tema se torne prioridade no Congresso Nacional.

Pelo contrário, o que mais se vê são projetos de lei baseados na violação da nossa privacidade para, supostamente, nos proteger dos males contemporâneos.

Uma legislação adequada à proteção de dados dos cidadãos e cidadãs – em especial, dos mais vulneráveis – é necessária e mais do que bem-vinda. Mas o debate ainda encontra os limites na cultura, nas tecnologias disponíveis e no conhecimento dos brasileiros sobre o assunto.

Para tentar sustentar este outro pilar para a tão necessária garantia do direito à privacidade e à autodeterminação em dados pessoais, organizações como o Intervozes, Saravá, Actantes, Encripta Tudo e Escola de Ativismo organizam anualmente um evento aberto para discutir, neste contexto de coleta massiva de dados e vigilância constante por Estados e empresas, temas como segurança, privacidade, criptografia, técnicas e soluções tecnológicas para a proteção de cidadãos e organizações. Trata-se da CryptoRave.

A edição deste ano começa nesta sexta-feira, 5 de maio, e segue até o sábado 6, às 19hs, na Casa do Povo, em São Paulo. Serão 24 horas diretas de palestras, debates, oficinas, jogos e apresentações artísticas para todos os perfis de pessoas – desde os mais geeks até o cidadão comum, que acaba de descobrir que tem muito a perder se não começar a se atentar para o tema.

Nosso lema deste ano é: “Dance como se ninguém estivesse olhando, porque ninguém precisa de mais depressão no mundo. Mas criptografe, porque todos estão”.

* Marina Pita é jornalista, membro do Intervozes e uma das organizadoras da CryptoRave.  

Encontro em São Paulo discute ativismo e liberdade nas redes

Entre os dias 5 e 6 de maio acontece a quarta edição da CryptoRave, evento que tem como objetivo difundir conceitos fundamentais e softwares básicos de criptografia

São Paulo recebe entre os dias 5 e 6 de maio o maior encontro sobre tecnologia da América Latina, a CryptoRave. O evento, que já está em sua quarta edição, tem como objetivo difundir conceitos, a cultura e as ferramentas básicas do universo da criptografia, além de debater privacidade e liberdade nas redes.

O grande e acelerado avanço tecnológico mostra que, em tempos de retrocessos sociais e políticos, tensionamento entre setores e mobilização de grupos envolvendo os mais diferentes atores, o direito à privacidade deve ser considerado um direito fundamental de todo cidadão e cidadã. Contudo, encontramos atualmente diversas iniciativas que tentam desabilitar a criptografia em sistemas de mensagens instantâneas, como acontece com alguma frequência com o aplicativo WhatsApp.

É neste contexto que entidades e ativistas que defendem o direito à privacidade e ao uso de tecnologias que garantam esta privacidade se unem em torno da CryptoRave, um evento com duração de 24 horas voltado para pessoas interessadas no tema.

Desde 2014, a Crytorave vem se consolidando como um dos maiores encontros abertos e gratuitos sobre a privacidade nas redes. Organizado por coletivos como Actantes, Escola de Ativismo, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Saravá, além de ativistas e hackers independentes, a iniciativa foi totalmente custeada por campanhas de financiamento coletivo e doações de entidades.

Diferentemente da maioria dos eventos de segurança da informação, para além dos aspectos técnicos, a Cryptorave aborda a questão também sob as perspectivas humana, social e política da privacidade. Neste sentido, o encontro oferecerá uma série de oficinas básicas para quem quer entender e melhorar a privacidade em sua comunicação – ou de sua empresa, organização, movimento.

Nas 24 horas do evento, estão programadas palestras, oficinas e atividades sobre segurança, criptografia, hacking, anonimato e privacidade na rede. Assuntos imprescindíveis para entender o impacto crescente da vigilância em massa e aprofundar o debate sobre privacidade na internet como direito fundamental e essencial à democracia.

A abertura do evento contará com a presença do jornalista investigativo James Bamford, um dos maiores especialistas em vigilância de massa e ciberguerra. “Ele nunca esteve no Brasil para um evento aberto, como é a CryptoRave, e estamos animados para o resultado deste encontro”, destaca Marina Pita, jornalista e integrante do Intervozes.

A CryptoRave 2017 será realizada na Casa do Povo, localizada na Rua Três Rios, 252, bairro Bom Retiro, na cidade de São Paulo (SP), a partir das 18 horas do dia 5 de maio (sexta-feira) até 19 horas do dia 6 de maio (sábado). A participação em todas as atividades é aberta mediante inscrição online gratuita, realizada no próprio site do evento: cryptorave.org.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação