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E por falar em televisão pública…

Para alguma coisa há de ter servido a decisão do governo de criar uma rede nacional de televisão pública. Ela trouxe à tona a confusão semântica entre o público e o estatal. Mas acima disso lembrou que está na hora de se discutir o que é – e o que poderia ser – uma televisão pública no Brasil.

Parte da imprensa explorou convenientemente a confusão demonstrada pelo presidente Lula durante a posse dos novos ministros, na quinta-feira (29/3). Para o presidente…

"…o que nós queremos é dar oportunidade para um jovem que queira aprender português possa ter aula de português às 9h da manhã, às 11h. Que as pessoas possam assistir a uma peça de teatro pela televisão a uma hora da tarde, ao meio-dia. Que a gente possa ensinar espanhol, ler inglês, que a gente possa ensinar matemática".

Este insólito samba do crioulo doido não demonstra apenas que o presidente da República não está bem informado sobre o que venha a ser uma televisão pública. Lembra também, e sobretudo, que muitos dos conceitos tentados pelo presidente permeiam o que se entende e se pratica hoje dentro das próprias televisões públicas. O presidente poderia se informar melhor, mas é metalúrgico de formação. A televisão que ele está assistindo é que deveria ser diferente.

Propaganda explícita

A má notícia é que quando se fala em televisão pública não se está pensando nem em público nem em televisão. Tem-se a impressão que televisão pública é mais ou menos isso que passa pela cabeça do presidente: uma instância para substituir professores e para ficar à margem da própria prática da televisão.

E, no entanto, uma televisão pública é tão melhor quanto mais ela possa servir à própria televisão. A boa televisão pública não é a que põe no ar aulas de matemática ou sonolentos discursos sobre o nada. É a que se compromete radicalmente com a própria expressão televisiva. A boa televisão pública não é uma escola e muito menos o aprendiz amador da televisão privada. É o espaço para o desenvolvimento de formatos e linguagens comprometidos com o futuro da própria televisão e que devem estar anos à frente do que a televisão comercial seja capaz de praticar.

Televisão pública é o espaço da invenção, da experimentação, do diálogo com a diversidade criativa, que se manifesta por meio do diálogo com a produção independente, com as muitas cabeças que estão dispostas a pensar televisão como um meio autônomo, ágil e relevante – não como uma repartição pública eletrônica.

A melhor televisão pública que se pode imaginar é a que lança o seu olhar sobre o novo, o inseguro, o que ainda não foi tentado mas poderia ser. A que tem a coragem e a energia de se lançar como um veículo capaz de começar a aprimorar a sociedade aprimorando a própria maneira de fazer televisão.

Por isso, uma televisão pública não pode existir sem absoluta liberdade de criação e de pensamento. Mais uma vez Lula demonstra não estar informado sobre o assunto quando diz que a televisão pública "não é para pichar". Se estivesse melhor assessorado teria dito o contrário: "Quero uma televisão que seja capaz de pichar". A televisão, se é pública, é a que mais deve ter a liberdade para o que o presidente chama de "pichar". Se essa restrição lhe for imposta, ela deixa de ser pública. Mesmo sem fazer propaganda explícita de atos do governo, é aí que ela começa a se transformar em estatal.

Modelo piorado

O governo tem algumas televisões diretamente estatais (duas só na Radiobras), outras que são ditas públicas, mas estão sob seu controle absoluto. Ninguém pode impedir que crie outras estatais, mesmo que se tornem redundantes e gastem à-toa o dinheiro do contribuinte. O peculiar é que essa polêmica surge na esteira do anúncio, primeiro pelo ministro Hélio Costa, da Comunicações, depois pelo próprio presidente da República, da decisão do governo de criar uma rede de televisão pública que tem toda a cara de estatal. Na tentativa de sustentar que o que pretende criar é uma televisão pública, o governo esbarra na explicitação de uma visão no mínimo antiquada do que seja tal coisa.

Confusões de conceito como as demonstradas por Lula – e por praticamente todos os outros integrantes do primeiro escalão do governo que tem falado sobre a matéria, como os ministros Hélio Costa e Luiz Dulci – ressaltam a oportunidade de se tentar aprimorar as redes de televisão pública no país.

Sempre que isso acontece, chove explicações sobre os principais modelos de televisão pública existentes no mundo. O da BBC, imbatível, mas financiado por uma alta taxa cobrada ao usuário, o que é impraticável no Brasil. O da PBS, mais factível, fundamentado em contribuições espontâneas do público e das empresas.

O ministro Dulci se referiu ainda à RAI. Não deve ter o hábito de assistir à rede italiana. Se tivesse, compreenderia que está citando um SBT piorado, porque tem o mesmo ideário estético da rede paulista e falta-lhe na tela um gênio como Silvio Santos. Aparecem também citações ao modelo da TV Cultura, que no Brasil é o que melhor reproduz as condições para a prática de uma televisão pública consistente.

Serviço relevante

Não é absurdo pensar na formação de uma rede pública de televisão a partir do que já existe no país. Mas isso passa pela disposição de se uniformizar a absurda teia que se foi formando desde que a primeira televisão universitária apareceu no Brasil, já bem tarde, em 1968, no ano da implantação do AI-5. O governo pode ter um papel importante nessa transformação. Na verdade, só o governo pode bancar essa transformação. Se isso acontecesse, Lula passaria à história como um herói, no capítulo da televisão pública.

Esse capítulo não vai falar bem do presidente a partir da criação de uma mega-TV estatal. Mais uma vez, a coisa se coloca em termos políticos. Se a idéia defendida pelo governo for mesmo a de uma TV estatal (que parece estar sendo camuflada em televisão pública a partir da visão constrangedora apresentada pelo presidente e seus ministros), então o governo terá nos seus último dois anos e meio uma grande rede para divulgar os seus atos, eventualmente ajudar o PT em 2010, mas essencialmente não ser vista por ninguém.

Mas se o governo estiver disposto a fortalecer a televisão pública existente e transformá-la de fato no relevante serviço público que hoje ela não é, então terá que ter a grandeza de ser limitado na sua gestão, acostumar-se à idéia de ser "pichado", trocar aulas de matemática pelo exercício de uma televisão grandiosa.

Não é de todo uma má idéia. Já que o governo decidiu falar em televisão pública, por que não tentar construí-la?

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Lições provisórias de um debate em aberto

É pedagógica a polêmica deflagrada desde que o ministro das Comunicações entregou ao presidente da República, na segunda-feira (12/3), um estudo sobre a viabilidade de uma rede pública de televisão digital – e dela os interessados nos rumos das comunicações no Brasil devem tirar suas lições.

A largada para a controvérsia foi dada pelo Estado de S.Paulo em manchete de primeira página logo no dia seguinte (13/3). Na matéria, assinada por Gerusa Marques, aparece pela primeira vez o que se tornaria objeto de manifestações variadas dos atores interessados no tema. A jornalista dizia que o "anteprojeto" apresentado pelo ministro era "uma espécie de emissora de TV do Executivo para divulgar as ações do governo federal".

Foi o suficiente. Sem que o próprio "anteprojeto" jamais viesse a público, abriu-se um debate revelador que certamente confirma muito do que já se sabe e levanta suspeitas sobre o que não se sabe. Quais as lições que podemos tirar dele?

Primeiro, fica mais uma vez claro que não há coordenação para as ações de política de comunicações no governo Lula. É sabido que iniciativas sobre o setor têm sido patrocinadas pela Casa Civil, pelo gabinete pessoal do presidente, pela Secretaria Geral, pelo Ministério da Cultura e pelo Ministério das Comunicações.

Não é de surpreender, portanto, que o ministro das Comunicações tenha solenemente ignorado o esforço que há meses vem sendo feito em conjunto pela Casa Civil, pelo Ministério da Cultura, pela TVE e pela Radiobrás – esta, formalmente ligada à Secretaria Geral – para construção do I Fórum Nacional de TVs Públicas. Esse esforço conta com a participação das associações representativas das TVs educativas, legislativas, comunitárias e universitárias, além de representantes da sociedade civil.

O ministro das Comunicações, com a ajuda da grande mídia, estabeleceu de imediato uma confusão semântica e conceitual entre TV pública e TV estatal, objeto central das discussões preparativas do Fórum. Como se sabe, o artigo 223 da Constituição determina a "complementaridade dos sistemas privado, público e estatal", mas este artigo – como quase todos os outros – do capítulo da Comunicação Social nunca foi regulamentado.

A quem interessa essa confusão semântica e conceitual?

Quase unaminidade

Segundo, na maioria das intervenções públicas sobre a questão, reaparece de forma nítida o preconceito anti-Estado onipresente entre os atores que têm conduzido o debate sobre as comunicações no país. Nega-se, in limine, ao Estado o direito de propor qualquer iniciativa no setor de comunicações como se estivéssemos num regime ditatorial e não vivêssemos num Estado de Direito.

Ignora-se que em democracias liberais como a nossa houve uma privatização da censura, que é exercida rotineiramente com maior intensidade, direta ou indiretamente, pelo interesse privado. E ignora-se também a norma constitucional que determina, sim, a existência complementar de três sistemas de radiodifusão, dentre eles um estatal e um público.

Não seria legítimo e democrático que o Estado – sob este governo ou qualquer outro – incentive a criação de uma rede pública digital de radiodifusão que alcance 100% do território nacional e ofereça uma comunicação alternativa de qualidade à população, como, aliás, existe e funciona em outras democracias como a nossa? Por que se deseja afastar o Estado do setor de comunicações? Quem de fato se sente ameaçado e por quê?

E terceiro, o ponto mais intrigante. O ministro das Comunicações tem reiteradamente defendido posições e implementado políticas coincidentes com os interesses da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), historicamente ligada às Organizações Globo e poderosa representante dos radiodifusores privados. Esse alinhamento ficou novamente claro agora. Por quê? A Abert, sem se envolver na polêmica conceitual entre o público e o estatal, apoiou o "anteprojeto" de "uma espécie de emissora de TV do Executivo para divulgar as ações do governo federal", rejeitado pela (quase) unanimidade da grande mídia como autoritário, desnecessário, chavista e oneroso. Uma rede pública de TV digital não contraria os interesses dos radiodifusores privados? Como entender essa posição?

Explicação coerente

Há duas possibilidades. A primeira aponta para uma ousada jogada política de conquista da opinião pública. Antecipando a avalanche de manifestações contrárias que inequivocamente surgiria na grande mídia, o "apoio" da Abert esconderia, na verdade, uma estratégia "invertida" de pressionar o governo a abandonar a idéia de uma Rede Pública de Televisão.

A outra possibilidade, mais provável, é que, de fato, o Ministério das Comunicações e a Abert desejam a criação de uma rede nacional digitalizada de televisão. Estatal ou pública? Não importa. E por quê? A rede digital, construída com recursos públicos, seria de uso compartilhado com os radiodifusores privados que se desonerariam, portanto, do investimento de sua construção. Não seria a primeira vez na história das comunicações brasileiras que tal fato aconteceria. Foi exatamente assim na construção da rede nacional de microondas (a antiga Embratel) durante o regime militar [devo a Cristiano Aguiar haver me chamado a atenção para este ponto].

Ser creditada a uma falsa "teoria da conspiração" será a crítica mais fácil às duas possibilidades acima aventadas. Todavia, ainda não se encontrou uma explicação razoável e coerente para a posição assumida publicamente pela principal representante dos radiodifusores privados.

O interesse que prevalece

Quando escrevo, anuncia-se a indicação do jornalista Franklin Martins para assumir as funções de ministro do governo Lula, responsável pelo que é a Secretaria de Imprensa e porta-voz, a Secom (hoje vinculada à Secretaria Geral) e ainda cuidar da implantação da Rede Pública de Televisão. Sobre o assunto, disse ele em entrevista à Folha de S.Paulo (24/3): "O governo não pretende criar uma TV do governo, estatal. Mas estimular, fazer crescer e dar forma a uma rede pública de TV" [ver aqui a entrevista completa].

A serem confirmadas a indicação e a abrangência do novo ministério, é de se esperar que exista de fato uma coordenação efetiva para a criação da Rede Pública de Televisão. É indispensável, então, que o governo confirme a realização do I Fórum Nacional de TVs Públicas e que promova um amplo debate sobre o tema nos mais diferentes segmentos da sociedade brasileira.

Como tudo mais na formulação de políticas de comunicações, também na construção de uma Rede de TV Pública há enormes interesses envolvidos e os atores estão "movendo suas pedras". A questão, mais uma vez, é saber se o interesse público vai prevalecer. Que se tirem as devidas lições do atual debate.

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O ator excluído do debate da comunicação

Uma questão recorrente no debate sobre as políticas públicas do setor de comunicações no Brasil é a exclusão histórica da sociedade civil como ator significativo na sua formulação. Salvo raras exceções – e, mesmo assim, contraditórias e questionáveis – o principal interessado na existência de uma comunicação democrática tem sido um não-ator, sistematicamente excluído por aqueles que de fato exercem o poder no setor, vale dizer, os grupos privados de mídia e o Estado. 

Existem, claro, várias razões para essa exclusão histórica. Ao contrário de setores de políticas públicas que envolvem direitos consolidados como a saúde, o salário mínimo, o emprego, a educação ou a moradia, o direito à comunicação não está positivado legalmente e a consciência de sua existência ainda é difusa e reduzida na grande maioria da população brasileira. 

Reside aí, aliás, um dos principais nós da questão. Nas comunicações, são os atores cujos interesses predominam – os grupos privados de mídia – os responsáveis principais pela colocação dos temas em discussão na agenda pública. E mais: são esses atores que têm o maior poder de influenciar, direta e/ou indiretamente, na formação da consciência pública sobre o problema. 

Um complicador adicional, como qualquer estudioso da sociologia da cultura sabe, é que os hábitos no consumo do entretenimento e da informação são construídos no longo prazo. E quando não se tem uma alternativa de referência, dificilmente o modelo cultural hegemônico será questionado. (Daí, no caso da televisão, a maldosa falácia do "argumento do controle remoto" ou do "basta desligar o aparelho".) 

Modelo oligopolista 

Essas questões vêm a propósito de decisões que certamente serão tomadas em futuro próximo na regulação das comunicações. E tudo indica que, mais uma vez, sem a participação do principal ator interessado. Refiro-me à inadiável Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), que deverá não só regular o mercado de comunicação eletrônica mas o mercado de comunicações como um todo. 

A elaboração de uma LGCEM, que vinha sendo postergada há anos, passou nos últimos meses a interessar aos mais poderosos atores do setor, isto é, à "velha" mídia e às teles. O modelo de negócios que vai prevalecer no mundo da convergência tecnológica digital deverá ser definido. Essa decisão terá repercussões imensas na economia política do setor, inclusive nos muitos ramos industriais vinculados às comunicações – elétrico, eletroeletrônico, informática. Não é pouca coisa que está em jogo.  

Exatamente por isso, os grandes atores já se mobilizaram e atuam abertamente, pelo menos em dois sentidos: consultores especializados trabalham na elaboração de propostas de LGCEM que servirão de referência de negociação política com o governo e o Legislativo; e seus representantes apresentam projetos de lei que necessariamente terão que ser levados em conta quando um projeto de LGCEM começar a tramitar no Congresso Nacional. 

Para a sociedade civil, o que está em jogo é a manutenção de um modelo oligopolista que não contempla o direito à comunicação e não atende à maioria da população brasileira. Convenhamos, também não é pouca coisa. 

Papel central 

Quando a Federal Communications Commission – a agência reguladora das comunicações nos Estados Unidos – tentou "flexibilizar" as regras da propriedade cruzada dos meios, em 2003, uma imensa e inesperada reação da população junto ao Congresso impediu que a medida fosse consumada. Milhões de e-mails entupiram as caixas de correio eletrônico de deputados e senadores mostrando o desserviço à democracia do que lá se chama "controle corporativo da mídia".  

A reação popular nos Estados Unidos foi conseqüência de um trabalho de "formiguinha" que dezenas de entidades de observação e crítica da mídia vêm fazendo ao longo do tempo. No Brasil, ainda falta muito para que o direito à comunicação se consolide junto à maioria de nossa população.  

Estamos avançando, todavia. Partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e observadores estão cada vez mais ativos no trabalho de mostrar à população o papel central que a mídia exerce nas democracias contemporâneas – e, portanto, no cotidiano da vida de cada um de nós.  Não há outro caminho.  

* publicado originalmente no Observatório da Imprensa – www.observatoriodaimprensa.com.br

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Jornalismo cidadão: modismo passageiro ou o futuro da notícia?

A pergunta tornou-se ainda mais intrigante depois que a agência de notícias Associated Press, um dos bastiões do tradicionalismo jornalístico nos Estados Unidos, anunciou há dias uma inesperada parceria com o projeto Now Public , uma revolucionária experiência canadense que reune 60 mil colaboradores voluntários, também conhecidos como jornalistas cidadãos, em 140 países. 

Ao justificar o acordo, a AP, a segunda maior agência de notícias do mundo, explicou que a incorporação de notícias produzidas por cidadãos comuns "visa diversificar e aprofundar a pauta de informações" oferecida pelos seus 240 escritórios ao redor do planeta. A justificativa admite implicitamente que as exigências de informação no mundo atual superam a capacidade dos seus 4.000 jornalistas e funcionários distribuidos em 96 países. 

Now Public, criado em 2005 pelo empreendedor canadense Michael Tippet, é considerado desde o ano passado como um projeto empresarial bem sucedido, numa área do novo jornalismo pela internet, onde as dúvidas e incertezas ainda são enormes. Entre os consultores do projeto estão alguns dos mais conhecidos gurús da comunicação online como os norte-americanos Dan Gillmor, J.D. Lassica e Howard Rheingold. 

A parceria AP/NowPublic é um ponto a favor daqueles que apostam na incorporação do cidadão comum na produção de notícias. A iniciativa acontece quase simultaneamente à realização do evento We Media e da divulgação da maior pesquisa academica já realizada até agora sobre o chamado jornalismo cidadão, um conceito ainda sujeito a muitos questionamentos. 

O We Media  reuniu em Miami, entre 7 e 9 de fevereiro, a nata dos futurologistas e comunicadores online dos Estados Unidos para um debate onde o que mais impressionou foi o longo obituário de experiências de jornalismo cidadão, num país que é considerado o maior laboratório de incorporação de pessoas comuns na coleta e publicação de notícias. 

O pessimismo do evento anual surgido em 2003, após a publicação do histórico informe We Media  , contrasta com uma visão quase otimista dos resultados da pesquisa The rise and prospects of hyperlocal journalism  (Ascenção e Perspectivas do Jornalismo Hiperlocal), realizada pelo Institute for Interactive Journalism  e financiada pela Fundação Ford. 

A pesquisa é um dos primeiros estudos acadêmicos sobre o fenômeno do noticiário local produzido por cidadãos comuns e sua principal conclusão é a seguinte: o jornalismo cidadão veio para ficar, mas as iniciativas nesta modalidade de cobertura mostram uma grande rotatividade e baixa esperança de vida.  

Isto significa que deve aumentar muito o número de sites e projetos na medida em que as pessoas comuns começarem a ter maior consciência de sua participação na formação da agenda pública de temas para debate comunitário. A pesquisa admite que o público ainda não adotou o jornalismo cidadão e reconhece que a boa parte das pessoas comuns ainda assumem uma atitude emocional ao participarem da produção de noticias.

"Durante décadas nós, na imprensa, fomos muito bons na missão de dizer ao público que não iriamos publicar suas contribuições porque elas estavam fora dos padrões jornalísticos. Treinamos gerações e gerações para serem meros consumidores de notícias. Agora, de repente, dizemos aos nossos leitores, vocês devem participar no noticiário", diz Kevin Kaufman, editor do MyTown.DailyCamera.com, da cidade de Boulder, no Colorado e um dos entrevistados na pesquisa.

O trabalho mostra como a gama de projetos de cobertura local por cidadãos comuns é extremamente variada e relaciona nove grandes categorias que vão desde sites mantidos por jornais regionais até páginas editadas por um individuo especializado num só tema. Há também muitas iniciativas surgidas em torno de problemas localizados e que desaparecem quando a questão é resolvida ou perdeu importância.

Os projetos de jornalismo cidadão começam a se multiplicar pelo mundo afora. Na Índia, o Citizen Express  reune um grupo de jornalistas independentes que produzem uma página que cobre 29 áreas informativas contando apenas com material fornecido pelos seus usuários. Idéia semelhante está sendo desenvolvida na Espanha, com o site Reportero Digital  que já tem páginas em quatro cidades e vai abrir em breve mais 14.

Todos eles seguem a mesma trilha aberta em 2001 pelo jornal sul-coreano Ohmy News , que hoje tem 40 mil colaboradores e quase 30 milhões de leitores diários. No Chile, um dos mais lidos é o El Morrocotudo , da cidade de Arica, só para citar um dos casos mais conhecidos na Améria Latina.

A multiplicação de iniciativas mostra que o público começa a se interessar pela participação e que os jornais estão dispostos a não perder esta oportunidade de reconquistar as simpatias de seus leitores. Ainda há muito de modismo e novidade no fenômeno do jornalismo cidadão, mas existe um componente estrutural que tende a transformá-lo num ator importante e permanente. 

Os jornais não tem mais recursos financeiros, técnicos e humanos para atender à demanda de informações locais. Isto abre um campo enorme para a participação dos cidadãos tanto na produção de páginas informativas pessoais ou em grupo, como fornecendo notícias para empresas jornalísticas. Trata-se, no entanto, de um processo que ainda vai tomar algum tempo porque implica mudanças de atitudes dos jornalistas profissionais e do cidadão comum, que continua muito desconfiado da grande imprensa.  

Conversa com os leitores

Ao escrever esta nota tentei encontrar experiências brasileiras de cobertura de temas locais a partir de colaborações de pessoas comuns. Ouvir falar de um projeto cujo nome parece ser Rec6 ou Rec9. Não consegui achá-lo na Web por isto peço que vocês me ajudem a encontrar casos brasileiros porque alguma coisa deve estar sendo feita nesta área por aqui. Temos casos como o Midia Independente, produzido por colaboradores voluntários mas cujo foco são as questões políticas. A reunião de experiências nacionais poderia levar à criação de um blog como o argentino Periodismo Ciudadano.

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O silêncio sobre as Comissões de Comunicação

O Correio Braziliense de quinta-feira (15/2) deu manchete de capa de quase meia página para a nova composição das Comissões Temáticas Permanentes da Câmara dos Deputados. O título era "Doadores emplacam seus deputados nas comissões da Câmara" e o subtítulo anunciava que "Políticos que tiveram campanha financiada por empreiteiras, mineradoras e outras empresas garantiram vaga nas seções que definirão projetos de lei a serem votados. Nomeações atendem aos interesses de grupos econômicos".

As matérias internas nas páginas 2 e 3 detalhavam a relação dos nomes de alguns integrantes de comissões, o valor das contribuições de campanha e os respectivos doadores cujos interesses privados estão vinculados aos temas nelas tratados. São relacionados nominalmente deputados de seis comissões: Agricultura, Seguridade Social e Família, Finanças e Tributação, Minas e Energia, Viação e Transportes e Desenvolvimento Urbano.

Figurinhas carimbadas

As graves acusações do Correio Braziliense provocaram protestos veementes de alguns deputados e o novo presidente da Câmara declarou que a Procuradoria Parlamentar iria verificar se cabe alguma medida judicial contra os jornalistas que assinam a matéria. "Um jornalista não tem autoridade para fazer insinuações sem prova", disse ele.

Ao ter entre seus financiadores legais um determinado grupo empresarial, o deputado estaria necessariamente submetendo sua ação parlamentar aos interesses desse grupo? A questão do financiamento das campanhas eleitorais é um dos objetos de discussão da inadiável reforma política que certamente o Congresso Nacional retomará na atual legislatura.

Vale registrar, no entanto, que estranhamente não constou da reportagem do Correio Braziliense a relação dos deputados e seus respectivos doadores da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). No caso dessa Comissão podem, de fato, existir situações de conflito de interesse. Tem sido assim ao longo dos anos. E não só em relação aos doadores de campanha, mas sobretudo em relação aos membros titulares e suplentes da CCTCI que são, eles próprios, concessionários dos serviços públicos de radiodifusão.

Essa condição, inclusive, diferencia os membros concessionários da CCTCI de outros parlamentares que eventualmente tenham recebido doações de campanha de grupos empresariais com interesse direto em sua atuação parlamentar. Na CCTCI, o interesse é também do próprio deputado concessionário.

Uma rápida leitura da relação dos membros da nova CCTCI revelará que lá estão figurinhas carimbadas como, por exemplo, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), José Rocha (PFL-BA), Vic Pires Franco (PFL-PA) e Paulo Bornhausen (PFL-SC), com sabidas ligações com a radiodifusão.

Um leque impressionante

Não seria de interesse público que o levantamento do Correio Braziliense tivesse também incluído a CCTCI?

É ainda interessante registrar que passou praticamente despercebido da grande mídia a criação pelo plenário do Senado Federal, em 7/2, da nova Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCTICI), desmembrada da antiga Comissão de Educação, onde existia uma Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro, Música e Comunicação Social.

Compete à nova Comissão opinar, dentre outros temas, sobre proposições pertinentes à política nacional de ciência, tecnologia, inovação, comunicação e informática; organização institucional do setor; propriedade intelectual; comunicação, imprensa, radiodifusão e televisão; outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; regulamentação, controle e questões éticas referentes à pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, inovação tecnológica, comunicação e informática, além de outros assuntos correlatos. Sem dúvida, um leque impressionante de temas do setor.

Vínculos com a radiodifusão

Houve protestos contra a criação da CCTICI. O senador Flávio Arns – que acabou sendo membro da comissão – chegou a afirmar que a iniciativa "fazia parte da negociação de cargos ocorrida no início desta legislatura". Entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Associação Nacional de Biossegurança e a Associação Brasileira de Propriedade Industrial também protestaram. Temem que o desmembramento provoque "o esvaziamento e a desarticulação dos temas que estão em andamento na atual Comissão de Educação".

O novo presidente dessa comissão é o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), suplente do atual ministro das Comunicações, Hélio Costa. E o vice-presidente é o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), de conhecidas ligações com a Rede Record de televisão. Entre seus membros estão também senadores sabidamente vinculados à radiodifusão como Sérgio Zambiasi (PTB-RS), Maria do Carmo Alves (PFL-SE), José Agripino (PFL-RN), João Tenório (PSDB-AL), Flávio Arns (PT-SC), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Mão Santa (PMDB-PI).

O compromisso da mídia

É sempre interessante constatar como a grande mídia evita falar sobre si mesma ou tratar de questões a ela diretamente relacionadas. Neste caso, comportamento ainda mais curioso, de vez que o Congresso Nacional, desde a Constituição de 1988, é co-responsável com o Poder Executivo pelas concessões e renovações de concessões de radiodifusão, além de formular e decidir diretamente sobre as políticas públicas do setor de comunicações.

O primeiro compromisso da mídia e de seus jornalistas é com o interesse público. É isso mesmo, não é? Ou não é?