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Movimento quer flexibilizar leis sobre direito autoral

Em qualquer diálogo sobre diversidade cultural, logo é exposta a contradição entre a restrição do mercado na defesa da propriedade intelectual privada e o pensamento sobre políticas públicas que potencializem o desenvolvimento cultural da sociedade. Acordos conquistados nas esferas da Organização Mundial do Comércio (TRIPS – OMC) e na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI – ONU) comprometem a atuação dos estados na defesa por soberania sobre suas políticas.

Ícones do conhecimento livre, como Yochai Benkler, autor de A Riqueza das Redes; Lawrence Lessig, fundador do Creative Commons ; Jimmy Wales, fundador da Wikipedia; Cory Ondrejka, do Linden Labs (Second Life); Joi Ito , empreendedor do mundo digital; e Cory Doctorow, editor do blog Boing Boing , entre outras 300 intelectuais, artistas, advogados, tecnólogos e ativistas estiveram em Dubrovnik, na Croácia, entre os dias 15 e 17 de junho, no iCommons Summit 2007 para discutir os rumos da cultura e do conhecimento na rede.

O iCommons é a entidade internacional que conglomera os representantes do Creative Commons de todo o mundo, formando a maior rede internacional de pensadores e ativistas atuantes na área de propriedade intelectual e tecnologia da informação. O iCommons busca promover as condições para um futuro no qual todos possuam a capacidade de participar de forma ativa e crítica dos campos da cultura, da tecnologia e do conhecimento, considerados como os combustíveis universais e essenciais para a inovação e a criatividade. Por tudo isso, sua principal missão é promover ferramentas, modelos e políticas que facilitem esse acesso, participação e integração. O iCommons Summit 2006 teve o Rio de Janeiro como sede e contou com a presença da ministra da Cultura do Chile, Paulina Urrutia, e do ministro Gilberto Gil.

Quem coordena o debate sobre direito autoral no Ministério da Cultura é José Vaz de Souza Filho. Ele acompanhou os debates e relatou que o a sensação sobre o iSummit é o de estar participando de um congresso igual ao de outros tantos movimentos sociais.

"Os militantes por uma cultura livre debatiam entusiasmados, a pluralidade de propostas e a diversidade de experiências relatadas demonstravam a grande vitalidade do movimento. Claro, houve também os embates de idéias, alguns bem acalorados. Mas, ao contrário da grande maioria dos demais movimentos sociais, não havia ali um clima de disputa de poder, de busca de hegemonias de uns sobre outros. Esse talvez seja o maior mérito que anima o movimento Cultura Livre: ninguém quer ser dono de nada, líder de nada: todos querem que todos tenham uma ampla liberdade de criar, compartilhar, transformar e produzir de forma colaborativa", pontua.

No movimento ao menos é consenso que o atual sistema de proteção dos direitos autorais impõe obstáculos absurdos ao desenvolvimento das artes, ao acesso à cultura e à educação, e que a resposta a ser dada passa pela construção de uma nova hegemonia baseada no conceito dos commons. O representante do MinC reflete ainda que os commons são apenas um conceito de base essencialmente empírica. "A experimentação e a criatividade são o motor da cultura livre", afirma.

Tom Chance, do Partido Verde da Inglaterra e País de Gales, propôs um sistema de proteção de direitos autorais em novas bases, de clara vinculação do criador com sua obra, em que a presença de dispositivos de DRM (digital managements rights) poderiam até ser vistos como algo positivo para os artistas. O iSummit 2006 condenou duramente este tipo de dispositivo. Mas, Tom Chance alerta para o fato que discutir limitações aos direitos e licenciamentos flexíveis sem discutir simultaneamente o acesso aos meios de produção cultural poderia levar o movimento para um beco sem saída.

Lawrence Liang, da ALF-Alternative Law Forum, também tocou no tema: "O desafio está em passar do iCommons para o weCommons". Ou seja, sem o acesso aos equipamentos digitais, não é possível sequer o acesso a produtos pirateados. "O compartilhamento da cultura e do conhecimento não pode ser um privilégio de alguns, mas uma necessidade para a sobrevivência de todos na sociedade da informação", acrescenta José Vaz.

No outro extremo do debate, David Berry (Swanmsea University) apresentou uma tese erudita, em que analisou o movimento pela cultura livre a partir de duas categorias filosóficas de Martin Heidegger: ôntico e ontológico. Ôntica seria a luta contra os sistemas de propriedade intelectual, um embate restrito e limitado; ontológico seria uma luta mais ampla, dentro de uma perspectiva de mudança social global. Assim, para realizar essa dimensão maior (ontológica), o movimento por uma cultura livre deveria se articular com outros movimentos sociais (ambientalistas, anti-racistas, anti-capitalistas) com uma perspectiva revolucionária, de transformação social.

Arte remixada

Segundo Vaz, o relato dos artistas que participaram do Programa de Residência do iCommons foi outro ponto alto do evento. Alguns recusaram qualquer cobrança no sentido de vincular seus processos criativos a uma militância pelo commons, ainda que essa seja uma opção plena de possibilidades. Mas os processos criativos e o destino dado a cada obra podem variar e cada artista deve ter a liberdade de experimentar e difundir suas próprias criações da forma que quiser.

O relato da artista Joy Garnett, que se envolveu numa disputa de direitos autorais por ter utilizado uma fotografia que se encontra em domínio privado (Molotov, de Susan Meiselas), mostra como a propriedade intelectual como é tratada impede o processo criativo humano. Usando diversos exemplos da história da arte, a artista demonstrou como o sistema de direitos autorais pode ser nocivo para a evolução da arte, particularmente quando restringe a possibilidade de usos transformativos. Para Garnett, o processo de criação artística sempre foi baseado em algum tipo de "remix".

"Para quem trabalha no âmbito da formulação de políticas públicas, estamos diante de um grande desafio. Sem dúvida, revisar o marco legal é um primeiro passo para reequilibrar os direitos intelectuais (de interesse privado) com os direitos culturais (de interesse público). A balança ainda está muito mais inclinada para os primeiros, em prejuízo do conjunto da sociedade", conclui Vasquez.

* Com informações do Cultura Livre e do centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito – Rio.

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Novos modelos de negócio transformam indústria cultural tradicional

PORTO ALEGRE – Novos modelos de negócios do mais valioso bem de nossos tempos, a informação, o conhecimento, podem estar apontando o fim dos dias de uma tradicional indústria cultural apegada à proteção da propriedade intelectual. Isso porque a produção cultural deve ser baseada em três fundamentos básicos: acesso; interatividade e colaboração. Os modelos industriais tradicionais, no entanto, são claramente restritivos no acesso, unitários na interatividade e a colaboração inexiste.

A Lei do Direito Autoral (9610/98 – leia aqui) que rege este mesmo modelo é legítima. Mas pode ser considerada abusiva a forma como está sendo empregada nos dias de hoje: restringindo o acesso ao conhecimento, segundo Carlos Affonso Pereira de Souza, coordenador adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (RJ), que participou do Festival Criei, Tive Como!, dentro da programação do 8º Fórum Internacional de Software Livre (fisl8.0 – Saiba mais).

Para compreender o abuso, é preciso primeiro ter claro o conceito da comunicação como um direito humano essencial e interdependente dos outros direitos, conforme explica Rodrigo Savazoni, editor-chefe da Agência Brasil, que desenvolveu amplo projeto de implantação de software livre na agência de notícias do governo federal.

Para fazer essa relação, é preciso, ainda, compreender o propósito de um direito proprietário. Em 1909, na França, um cidadão que morava ao lado de um campo de pouso de zepelins, muito incomodado com aquelas aeronaves que sobrevoavam sua residência, decidiu construir uma enorme grade em volta de sua propriedade com extremidades altas e pontiagudas. Após aquela medida danificar inúmeros balões, o dono da pista de pouso resolveu abrir um processo contra o uso abusivo da propriedade que interferia nos direitos dele. Pela primeira vez na História, foi registrado um caso do tipo. E, segundo Carlos Affonso, essa relação deve ser feita também com o conhecimento, com a cultura. “Qual é a função do direito autoral? É incentivar a progressão da produção cultural. O uso desse direito é claramente abusivo”.

“Os grandes conglomerados da comunicação precisam manter seus conteúdos privados. É a opção ideológica deles para se perpetuarem. Por isso, precisamos nos apropriar das ferramentas livres da comunicação e da informação”, pontua Savazoni.

O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas lembra de uma palestra que concedeu a um grupo de juízes, quando perguntou quem ali já havia baixado uma música via Napster ou via outro sistema “não legal”. Mais da metade da sala manifestou-se. “Isso porque se tratava de um grupo de magistrados, homens da lei. Imagine o cidadão comum”.

Fora dos meios legais e formais, temos o exemplo da produção tecnobrega em Belém do Pará, que visa encontrar novos modelos de negócios onde a tradicional indústria cultural já não corresponde às demandas (Leia mais). Isso gera o que Carlos Affonso chama de “revolta dos fatos contra a lei”.

Para Ronaldo Lemos, coordenador do Creative Commons no Brasil (http://www.creativecommons.org.br/), o momento é mais do que necessário para se discutir a função da propriedade intelectual. “Pela primeira vez na História, a indústria cultural encontra um grande competidor. E quem compete com a indústria hoje é a própria sociedade, com o que eles chamam de pirataria, com o software livre, produção colaborativa. Isso é cultura livre”

“Precisamos repensar todo o nosso ordenamento jurídico para nos adaptarmos a essa nova realidade”, acredita Carlos Affonso. Mais do que isso, para transformar esses novos modelos de produção alternativos no que pode vir a ser o futuro da tradição de negócios da cultura, “devemos tirar essa discussão do campo da ilegalidade e da informalidade para prestar atenção no fenômeno de inovação”, conclui Lemos.

A matéria original está disponível clicando aqui.

 

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