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A necessária regulação do exercício da imprensa

A idéia de que a liberdade de imprensa depende da inexistência de regulamentação legal específica, seja ou não voltada só para a imprensa, foi levada por seu mais ativo defensor atual, deputado Miro Teixeira, a uma inovação conceitual que nada tem, ou teve, sequer de parecido aqui ou mundo afora.

Já autor da ação que provocou a recente e temporária suspensão de parte da Lei de Imprensa em vigor (o julgamento final da ação ainda não tem data no Supremo Tribunal Federal), Miro Teixeira apresentou sua nova proposta na 3ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa: além da ausência plena de dispositivo legal sobre exercício da imprensa, devem ficar impedidos de processar jornalistas, sob alegação de dano moral e outros, todos os que exercem função pública. Sejam autoridades governamentais, parlamentares, servidores concursados ou não, lideranças religiosas ou classistas, entre tantos.

A inovação não se encerra aí. Também os procedimentos de defesa, por quem se considere atingido, deixariam de conter o direito de resposta e a eventual publicação da sentença condenatória. Ao pretenso ofendido caberia, se quisesse, oferecer-se a uma entrevista e, por esse ou por modos equivalentes, disputar com o noticiário a publicação de sua defesa.

Estou entre os que acham, mais do que necessária, indispensável a existência de legislação reguladora do exercício da imprensa e, portanto, da sua contraparte, que são os objetos (pessoas e atividades) do publicado. A preservação da liberdade de imprensa e dos direitos democráticos não está na existência de regulamentação, mas no seu sentido e nos propósitos e nas abrangências que estabeleça. Dá uma idéia desse princípio a lembrança de que, assim como os objetos da imprensa têm direitos, o jornalismo também os tem e, acima deles, tem ainda os seus típicos e onerosos deveres sociais, cívicos e morais. Direitos e propósitos contrapostos requerem regulação e, às vezes, a mediação que é o Judiciário.

O impedimento de procedimentos judiciais de defesa, justificada ou não, por parte de "agentes da vida pública" começa por estabelecer uma diferenciação antidemocrática nos direitos gerais da cidadania, com a criação da subclasse dos indefesos morais. Em nome da liberdade, introduz a discriminação no acesso aos direitos civis. É, na relação entre imprensa, direitos e sociedade, o regime totalitário às avessas mas tão totalitário quanto em sua modalidade convencional.

Mais para não ser faltoso, do que por necessidade, fica aqui o registro de que, a deixar a pretensa defesa na disputa por espaço no noticiário, ou seja, à vontade da imprensa, todos sabem que a regra mais adotada seria a de mais ataque e nada de defesa. Originário da imprensa, que foi sua rampa de acesso aos primeiros mandatos, o deputado Miro Teixeira talvez esquecesse, mas sabe que seria assim.

É constrangedor dizer isto, mas aí vai: o problema para ter-se imprensa séria e democrática é a contenção das tantas irresponsabilidades. Não é o caso, aqui, de considerar suas diferentes procedências ou possíveis motivações. Mas impedir o direito de defesa de "agentes da vida pública", a título de impedi-los de "ocultar, intimidar e impedir investigações", seria liberar todas as irresponsabilidades. E, em alguma medida, seria mesmo abrir as portas para chantagens e negócios sujos.

O assunto imprensa é mais complicado, sob todos os ângulos, do que parece. Mais complicado para dentro e para fora da imprensa.

Ainda o imbBrOiglio da ‘BrOi’

Entre as dúvidas que restam sobre o negócio entre governo, Oi e Brasil Telecom, está o dinheiro do BNDES. O banco estatal afirma que não colocará dinheiro na compra da BrT pela Oi (controlada pela Telemar Participações). Criou-se uma engenharia por meio da qual o BNDES não faria um empréstimo, em sentido estrito, às empresas envolvidas, mas as capitalizaria a fim de permitir a redução do número de acionistas -vá lá. O banco enfatiza que não vai emprestar dinheiro do FAT, fundo público que o financia.

Por meio de seu braço que lida com participações em empresas, o BNDESPar, o banco compraria R$ 1,23 bilhão em ações que a Telemar deve emitir, além de R$ 1,33 bilhão em títulos de dívida a serem emitidos pela AG Telecom (da Andrade Gutierrez) e pela LF TEL (de Carlos Jereissati). Com tal dinheiro, esses candidatos ao controle da "BrOi" comprariam a parte de outros sócios. Ou seja, o BNDES apenas estaria gerenciando sua carteira de investimentos em empresas a fim de otimizar o rendimento.

Resta saber as condições em que um ente público, o BNDES, financiará a valorização de um patrimônio majoritariamente privado. Isto é, as condições em que AG e LF TEL emitirão "valores mobiliários": taxas, prazos, condições de pagamento, punições por inadimplência etc., além das condições em que a Telemar emitirá as ações que o BNDES comprará, embora nesse caso o negócio se preste a menos invenções. O BNDES justifica a operação por meio de um ganho público "intangível", digamos, a constituição de uma empresa nacional de grande escala e mais bem dirigida, e por meio de ganhos financeiros da operação de sua carteira de renda variável.

Para saber o custo real desse capital ofertado pelo BNDES, seria preciso que as empresas buscassem no mercado o dinheiro para a "reestruturação societária", as vendas e as compras de ações que dariam origem à "BrOi". Como isso não ocorrerá, claro, talvez se possa avaliar o subsídio implícito se der para comparar outros empréstimos que os controladores tomarão no mercado com as condições do dinheiro que virá do BNDES. Será possível?

Pondere-se ainda a afirmação de que o dinheiro da compra dos "valores mobiliários" pelo BNDES não virá do FAT. Pode ser, mas a coisa fica mais confusa quando se lembra que o BNDES empresta dinheiro a empresas da qual o BNDESPar é sócio (como teles), para ficar num só caso de complexidades. De resto, não haveria uso alternativo para as aplicações da carteira do BNDESPar?

É verdade que grandes empresas se financiam no BNDES -discriminar, em regra, as teles, seria só isso, preconceito negativo, desculpe a redundância. E empresas brasileiras têm dificuldade de se financiar no longo prazo, decerto, mas agora menos, menos ainda as grandes. Enfim, são muitos e grandes os intangíveis dos negócios que o governo patrocina, negócios politizados -privatizações sob FHC e fusões e aquisições sob Lula (petroquímica, agora teles, amanhã talvez farmacêuticas). Fica assim difícil separar ganhos públicos dos privados, e com certeza faltam transparência e critérios objetivos na prioridade de alocação de um dinheiro que é público e mais barato que o do mercado.

Humorístico CQC é a melhor estréia de 2008

O nome é incômodo – soa ao mesmo tempo como CPC, CCC e c.q.d, siglas para coisas tão díspares quanto os centros populares de cultura, o Comando de Caça aos Comunistas e o "como queríamos demonstrar" da matemática-, mas o "CQC" é, por enquanto, a melhor estréia da TV neste ano.

O formato é importado e, na verdade, bastante simples. Numa espécie de telejornal do absurdo, três âncoras apresentam entrevistas com perguntas embaraçosas, reportagens ao estilo de Michael Moore e Borat -repórteres interessados no avesso da notícia ou investidos de missões esdrúxulas etc.

A equipe combina Marcelo Tas, espécie de pioneiro do jornalismo saia-justa com seu repórter Ernesto Varela, com nomes mais recentes do humor, como Rafinha Bastos, Marcelo Luque e Rodrigo Gentili, conhecidos dos circuitos de comédia stand-up e do teatro, além de repórteres com queda para o humor.

O programa vem sendo comparado ao "Pânico na TV", mas guarda diferenças. Embora a irreverência diante de autoridades e celebridades se mantenha em quadros como as excelentes entrevistas do repórter inexperiente Danilo Gentili, o "CQC" leva adiante a verve política.

Mais do que a esculhambação indiscriminada, o programa trabalha com a ironia, sobretudo em relação à própria TV. Que, aliás, sempre foi um dos melhores materiais para se fazer humor em TV: veja-se o "Flying Circus" do Monty Python, o quadro "Weekend Update" do "Saturday Night Live", a "TV Pirata" etc.

O "CQC", por ora, esquivou-se da armadilha fácil daquilo que se chama de baixaria e que, em graus diferentes, assola o humor da TV brasileira. Do "Casseta e Planeta" ao "Toma Lá, Dá Cá", do "Programa do Tom" à "Praça É Nossa", parece que não há possibilidade de fazer graça sem certa humilhação. No "CQC", há mais sutileza e agilidade verbal, além de uma preocupação genuína, ao que parece, em fazer um tipo de jornalismo de denúncia engraçado.

O diabo é, de fato, prosseguir incólume aos apelos do apelativo. Mas a rede já aderiu com entusiasmo ao "CQC", espalhando trechos dos três episódios apresentados até agora pelo YouTube e pela blogosfera. Se a emissora (e os anunciantes) conseguirem ouvir, pode funcionar.

Exclusividade do futebol na Globo é bom e ruim, diz governo

Ficará pronto em março o relatório da Secretaria de Direito Econômico (SDE) concluindo as investigações de supostas práticas anticoncorrenciais por parte da Globo e do Clube dos 13 nas negociações do Campeonato Brasileiro na TV.

A informação é de Mariana Tavares de Araújo, secretária de direito econômico. À Folha ela falou pela primeira vez sobre o caso: "As práticas da Globo e do Clube dos 13 são tanto boas quanto ruins, mas não são ilegais. A exclusividade tem valor e isso significa mais dinheiro para o Clube dos 13 e melhor saúde financeira para os clubes, o que é bom para o consumidor. Por outro lado, é ruim para o consumidor, que só vê os jogos em um canal aberto".

A declaração indica para um parecer ambíguo, mas suficientemente negativo para a Globo, tanto que Mariana Tavares de Araújo já prevê ação contra ela. O relatório, a ser enviado ao (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão que julgará o caso, poderá prejudicar a negociação da Globo para o Brasileirão a partir de 2009.

A secretária nega que tenha sido pressionada para reabrir as investigações. "O presidente Lula nunca me perguntou desse caso, e não me reuni com nenhum deputado ligado à Igreja Universal", diz. Ela afirma também que o processo "nunca parou". Segundo Araújo, a SDE não enviou ofícios às TVs entre 2004 e 2006 porque "estava estudando outros países".

Governo reabre investigação contra Globo no futebol

O governo federal reabriu no ano passado investigações para apurar indícios de práticas anticoncorrenciais por parte da Globo na compra do Campeonato Brasileiro de Futebol.

As investigações tiveram origem em 1997 e estavam paralisadas desde 2004. A Folha apurou que dois fatores impulsionaram a retomada do processo administrativo, aberto na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça: o descontentamento do presidente Lula com a cobertura da Globo da campanha eleitoral de 2006 e pressão de parlamentares ligados à Igreja Universal, cujo líder, Edir Macedo, é dono da Record, hoje maior rival da Globo na disputa por direitos esportivos.

Em ofício de 9 de outubro, a SDE pediu à Globo cópias de contratos, valores pagos e recebidos de 2002 a 2007 pelo Campeonato Brasileiro em cada plataforma (TV aberta, paga e pay-per-view), custo dos comerciais, lista dos dez programas mais vistos em cada ano e audiência detalhada dos dez maiores eventos esportivos.

A Globo respondeu parcialmente em 29 de outubro, em caráter sigiloso e "sob protesto", apontando "irregularidades" no processo. A principal é que as investigações, segundo determinação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), deveriam se limitar a 1997, 1998 e 1999. Assim, a SDE estaria extrapolando "o escopo da investigação".

No ofício, os advogados da Globo manifestam estranheza com a retomada das investigações, "após três anos sem nenhuma movimentação instrutória" e "sem esclarecer o motivo e a razão". Outro ponto levantado pela Globo foi o fato de as investigações terem sido retomadas justamente com um ofício à Record, no qual perguntava à concorrente sobre seu interesse pelo Brasileirão.

A Globo omitiu dados sobre valores pagos e receitas e não forneceu contratos. Foi advertida de que poderá ser multada. Procurada pela Folha, a Globo não se manifestou. A Secretaria de Direito Econômico fez o mesmo, argumentando que não pode falar sobre processos em andamento.