A Anatel presenciou nesta sexta-feira, 21, um momento histórico. Infelizmente para o órgão regulador, o fato foi negativo para a entidade. Pela primeira vez desde que a Anatel foi criada, há 12 anos, o Conselho Consultivo rejeitou o Relatório de Gestão elaborado pela agência. A decisão foi tomada por seis votos a quatro, rejeitando o parecer favorável ao documento relatado pelo conselheiro Roberto Pinto Martins, representante do governo no conselho.
A maioria dos membros do grupo consultivo encontrou inconsistências no relatório de prestação de contas da Anatel e protestou sobre a dificuldade de a agência de atender às demandas da sociedade. "A agência carece de dar ouvidos ao Conselho Consultivo. Aprovar com ressalvas seria persistir no erro", argumentou o conselheiro José Zunga, representante da sociedade. A "aprovação com ressalvas" citada por Zunga foi sugerida pelo próprio relator Roberto Pinto Martins.
Votaram a favor da aprovação do relatório com ressalvas os conselheiros Roberto Pinto Martins (relator, representante do governo), Bernardo Lins (Câmara dos Deputados), Luiz Perrone (empresas) e Roberto Franco (sociedade). Os votos pela rejeição partiram dos conselheiros José Zunga (voto vencedor, representante da sociedade), Ricardo Sanches (empresas), Walter Faiad (usuários), Israel Bayma (Câmara dos Deputados), Amadeu Castro (Senado Federal) e Roberto Pfeiffer (usuários).
Mesmo texto
Em seu parecer sobre o relatório, Martins também vê problemas na atuação da Anatel em 2008, daí a sugestão de uma aprovação com ressalvas. Mas o que chamou mais atenção é que o voto paralelo de José Zunga, que acabou prevalecendo, aproveita os mesmos argumentos de Martins para sugerir a rejeição. Segundo relatos dos conselheiros, Zunga mudou apenas uma palavra no documento apresentado por Roberto Pinto Martins: ao invés de concluir "pela aprovação", o conselheiro concluiu seu voto "pela rejeição", mantendo absolutamente o mesmo texto entregue pelo relator.
Assim, a percepção dos conselheiros é que, de uma forma ou de outra, não restava dúvidas ao Conselho Consultivo de que o Relatório de Gestão da Anatel era falho. Para o conselheiro Ricardo Sanches, representante das empresas e um dos defensores da rejeição, acredita que, apesar de a decisão tomada hoje não ser vinculativa, o sinal dado é bastante claro para a Anatel. "É como se a sociedade tivesse rejeitado o Relatório de Gestão. Porque nós somos a voz da sociedade dentro da Anatel", analisou.
Sanchez lamenta apenas que esse constante enfraquecimento da agência acaba tendo efeitos colaterais para a própria sociedade, na medida em que dá poderes ainda maiores de atuação das empresas frente ao órgão regulador. "Se você enfraquece a agência, contra a nossa vontade a gente acaba fortalecendo as grandes empresas. Isso é lamentável, mas não tinha jeito de aprovar o relatório como está", declarou.
Rusgas
Desde que o material foi encaminhado ao Conselho Consultivo, há dois meses, o clima já não era favorável à Anatel. Inicialmente, o incômodo era com a demora no envio: o documento com data de março de 2008 só foi encaminhado ao conselho em junho.
A primeira tentativa de entrega formal do relatório ao conselho foi rejeitada pelos integrantes por conta da ausência das informações dos órgãos de controle externo no relatório. Com a recusa em receber o documento, a Anatel não pode impor o prazo de 30 dias para a análise do Conselho Consultivo naquela ocasião.
Na reunião do mês seguinte (julho), a agência impôs o recebimento do relatório. Para isso, todos os superintendentes do órgão regulador, chefiados pela Superintendência-Executiva, responsável pela compilação do documento, compareceram na reunião e fizeram uma leitura completa do Relatório de Gestão 2008, oficializando a entrega do material mesmo sem as informações pendentes localizadas pelos conselheiros.
O clima piorou quando os membros do Conselho Consultivo perceberam que o documento continha uma única citação ao trabalho do grupo durante 2008, de apenas um parágrafo.
Na reunião de hoje, os conselheiros não pouparam críticas à atuação da agência frente às demandas da sociedade. A imposição do relatório pelos superintendentes e a parca citação sobre os trabalhos conduzidos pelo Conselho Consultivo no ano passado ofenderam diversos conselheiros. As maiores críticas sob a ótica do tratamento administrativo dado ao Conselho Consultivo partiram do conselheiro Israel Bayma, segundo relato dos demais participantes. Bayma chegou a reclamar diretamente da condução do trabalho pela superintendente-executiva da agência, Simone Scholze, que assina como coordenadora o Relatório de Gestão.
O único membro do Conselho Diretor presente na reunião foi a conselheira Emília Ribeiro. Ela tentou convencer o Conselho Consultivo a adiar a decisão, segundo os participantes, e argumentou em defesa do documento produzido pela agência. Os apelos, no entanto, não foram suficientes para evitar a rejeição do relatório.