O princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão (privado, público e estatal), contido no art. 223 da Constituição, exige um novo modelo de disciplina dos serviços de televisão para além do paradigma clássico, voltado unicamente para o serviço público de televisão por radiodifusão, associado à reserva da atividade em favor do Estado.
O novo modelo, que ora se defende, considera que os serviços de televisão devem ser classificados como: (i) serviço público privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), (ii) serviço público não privativo (sistema de radiodifusão público) e (iii) atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado).
A Constituição impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal, o que, evidentemente, implica harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Em outras palavras, garante-se o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, complementares, considerando as diferenças de fundamentos e evitando-se, assim, distorções arbitrárias no processo de comunicação social.
Correção de oportunidades
Trata-se de uma manifestação particular do princípio do pluralismo no campo da comunicação social por meio da radiodifusão em prol da estruturação policêntrica do sistema de radiodifusão, isto é, em favor da diversidade das fontes de informação e da multiplicidade de conteúdos audiovisuais para a sociedade brasileira. Vale dizer, a interpretação da referida norma constitucional deve ser feita com base no princípio do pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas organizacionais comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Assim deve ser porque tal norma tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores privado, público e estatal, cabendo ao Estado a adoção de normas e procedimentos para cumprir tal tarefa, que logo a seguir serão expostos.
A organização dos sistemas de televisão por radiodifusão há de ser feita pelo Estado, no exercício de sua função regulatória (art. 174), conforme os objetivos da regulação. Há, aqui, uma forte conexão entre o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão e o conceito de regulação. A idéia de complementaridade representa a negação de uma relação de hierarquia entre os sistemas de radiodifusão; e, por conseqüência, requer a funcionalidade integrada dentro do sistema de comunicação social.
O princípio da complementaridade exige, ainda, a fixação de critérios de facilitação do acesso prioritário às freqüências do espaço eletromagnético pelo setor público e pelo setor estatal. Isto porque, em face da hegemonia da radiodifusão privada em nosso país, há o dever de que as freqüências disponíveis para uso de canais de televisão sejam, preferencialmente, outorgadas aos setores estatal e público (aqueles responsáveis pela prestação de serviços públicos privativos e não privativos do Estado), pois em relação aos mesmos existem maiores exigências em favor dos interesses públicos e das obrigações constitucionais. Trata-se de uma medida de correção das oportunidades comunicativas no interior da comunicação social, sendo que a própria noção de regulação é que ampara tal medida de planejamento administrativo quanto à gestão do espaço radioelétrico, voltada para o equilíbrio entre os sistemas.
Educação e cultura
Enfim, a atribuição prioritária de freqüências justifica-se em razão da prestação do serviço público. Este, é importante destacar, não se limita à correção das falhas estruturais e (ou) conjunturais do sistema de radiodifusão privado (mercado de televisão). A sua função consiste em atuar mesmo quando o sistema comercial, hipoteticamente, funciona bem. Vale dizer, a existência do regime de serviço público de televisão não está atrelada às falhas do mercado (um paradigma liberal); ao contrário, sua causa originária encontra-se em razões que o transcendem, alcançando bens não-econômicos que necessitam de difusão perante o público em geral, daí a exigência do desempenho da função estatal de distribuição dos bens, por exemplo, culturais.
Os serviços públicos consistem em importante mecanismo de garantia dos direitos fundamentais. Alerte-se, contudo, que não se trata do único meio de satisfação dos mesmos. Nesse sentido, o serviço público de televisão é uma das formas de realização dos direitos à liberdade de expressão, liberdade artística, informação (inclusive informação jornalística), culturais, à educação e à comunicação social, entre outros.
No sistema de radiodifusão estatal, há maior espaço para a realização do direito dos cidadãos à informação de caráter institucional e, ao mesmo tempo, de cumprimento do dever do Estado em termos de comunicação institucional. Isto implica a possibilidade de criação e manutenção de canais de televisão para atendimento da referida obrigação.
Já o sistema de radiodifusão público possibilita a concretização dos direitos à educação e à cultura por intermédio das televisões educativas e, especialmente no caso das televisões comunitárias, o exercício direto pelos cidadãos das liberdades de expressão e de comunicação social. Em outras palavras, o sistema público é o âmbito, por excelência, para a realização dos direitos sociais relacionados à educação e à cultura.
Pluralidade de fontes de informação
Por sua vez, no sistema privado há maior autonomia privada das emissoras de televisão quanto à execução dos aludidos direitos em função de sua liberdade de radiodifusão e, conseqüentemente, sua liberdade de programação. Os princípios constitucionais catalogados no art. 221 da CF, relacionados à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão, consistem em manifestação especial dos direitos fundamentais à liberdade de expressão artística, à educação, à cultura e à informação jornalística, livre iniciativa e dignidade da pessoa humana, o que será visto mais à frente em item específico.
O eixo de estruturação dos três sistemas de radiodifusão consiste na liberdade de comunicação. Esta manifesta-se, de modo especial, no campo da comunicação social (arts. 220 a 224, da CF), sem, no entanto se confundir com a liberdade de comunicação pessoal ou de âmbito coletivo (art. 5.o, IX, CF). Com efeito, é sintomático que o princípio da complementaridade esteja contemplado no capítulo constitucional dedicado à Comunicação Social. Portanto, em virtude disso, os "sistemas de comunicação de massa" atuam como mecanismos de realização das liberdades comunicativas asseguradas aos cidadãos e à sociedade. Tais liberdades servem tanto à autodeterminação individual quanto à autodeterminação democrática do povo brasileiro. Daí a imprescindibilidade da pluralidade das fontes de informação em um país proclamado como Estado Democrático de Direito em garantia da livre formação da opinião pública.