O Projeto de Lei 89/2003, aprovado no Senado e passando por nova discussão na Câmara dos Deputados, amplia o controle sobre o uso da Internet sob o pretexto de combater delitos cometidos na rede. Ele prevê a criminalização de práticas como a troca de dados sem autorização dos “legítimos titulares de rede”, a violação de redes e dispositivos e a difusão de “códigos maliciosos”, além de obrigar os provedores de acesso a armazenarem as informações sobre os dados de endereçamento eletrônico e as conexões realizadas nos três anos anteriores.
Para o estudioso de tecnologias da informação e da comunicação Marcelo Branco, a proposta vai na contramão das políticas públicas existentes hoje no Brasil sobre o assunto. Segundo o pesquisador, o Brasil tem se destacado nacional e internacionalmente por defender políticas mais flexíveis na área da propriedade intelectual. A afirmação foi feita em debate organizado no Congresso Nacional Sociedade e Governo Eletrônico (Consegi), que acontece em Brasília até o dia 29/8.
O governo federal, acrescentou Branco, está promovendo iniciativas nacionais e assumindo posições em fóruns internacionais que privilegiam o fomento à criação e a ampliação da livre circulação de conhecimento, em detrimento de ações que criminalizam novas formas de troca de conteúdos possibilitadas pelas tecnologias digitais.
"O Brasil, por meio do Itamaraty, lidera a agenda do desenvolvimento na Organização Mundial de Propriedade Intelectual [OMPI], defendendo que a entidade deveria estimular a inovação e a competitividade. Hoje, a OMPI não faz isso, pelo contrário. Ela bloqueia a inovação e não estimula a competitividade”, lembrou. Na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), realizada em duas etapas na Suíça e na Tunísia em 2003 e 2005, o Brasil também atuou contra o endurecimento das normas de proteção à propriedade intelectual.
No plano nacional, o estudioso ressaltou a iniciativa do Ministério da Cultura de promover a inclusão digital por meio do estímulo de novas práticas a partir de tecnologias digitais, cujo exemplo emblemático é o programa Pontos de Cultura. Outra ação do órgão neste sentido é o questionamento sobre a atual regulamentação do direito autoral no país, com a organização de seminários nacionais para discutir uma reforma do marco legal.
Sem igual no resto do mundo
Segundo Marcelo Branco, o PL-89 também se mostra desconectado das opções de regulação da Internet em outros países. Enquanto na Europa os tipos de violação citados no projeto são tratados na esfera civil, no texto da proposta eles são levados à legislação penal. Na Espanha, conta Branco, há um marco a partir dos direitos civis que protege os dados enviados e recebidos pelos cidadão na Internet e impede, por exemplo, a disponibilização por parte dos provedores de informações sobre as atividades realizadas em suas redes.
“Até na França o provedor tem que avisar três vezes para o cidadão que está cometendo uma ilegalidade. E se houver reincidência a pessoa é enquadrada na figura de delito civil”, disse. O governo francês é reconhecido por atitudes contrárias à liberdade na rede, tendo editado recentemente nova legislação coibindo a troca de arquivos peer to peer.
“No Brasil, se o projeto for aprovado, nós sairemos penalizando este tipo de prática com três anos de cadeia”, criticou.
Críticas
João Cassino, que participou do debate representando a empresa Cobra Tecnologia, listou o que considera os principais problemas do projeto. O primeiro seria a destruição das redes abertas de acesso à Internet. A proibição do acesso a uma rede sem autorização constante em um dos artigos, aliada à exigência de registro pelos provedores dos dados referentes às conexões realizadas impediriam, na prática, que uma pessoa pudesse entrar em uma rede sem fio com seu computador.
Além disso, o registro das informações de acesso para subsidiar investigações sobre indícios de delitos levaria a uma exigência de identificação do autor dos acessos, violando a privacidade da população no uso da Internet.
Outro ponto contestado por Cassino foi a exigência de autorização do “legítimo titular de rede” para transferir um arquivo de uma pessoa para outra. “Quem é este legítimo titular de rede? Se eu for repassar um e-mail que recebi a outra pessoa terei de pedir autorização ao Gmail?”, questionou.
Estas incertezas, continuou, são prejudiciais aos pequenos provedores e pontos de acesso comunitários. Em um embate judicial contra grandes operadoras ou empresas de conteúdo, a probabilidade maior é de decisões em favor das segundas.
Propagar a crítica
Para Everton Rodrigues, do programa governamental Casa Brasil, uma das razões do avanço do projeto a passos largos é o fato dos ativistas envolvidos com ações de inclusão digital e com tecnologias digitais livres não estarem cientes de seus riscos. Ele defendeu a ampliação dos debates e críticas públicas à proposta como forma de colocar a discussão para além dos que hoje estão envolvidos nela.
Ao final do debate, lembrou que a mobilização deve ser muito ágil, já que o PL irá tramitar na Câmara com rapidez a partir da volta do recesso parlamentar. O apelo já havia sido feito aos participantes do Consegi por críticos ao projeto de lei, que abriram faixas contra a proposta na abertura do evento, realizada no dia 27/8. Mas, durante o debate, soou o alerta de que será necessário muito mais do que isso para barrar o projeto ou seus artigos mais problemáticos na Câmara.