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Cristina: ‘Na Argentina, a mídia terá de cumprir a lei’

A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, afirmou durante o ato pelo terceiro aniversário da sanção da nova Lei de Serviços e Comunicação Audiovisual, realizado quinta-feira (11), que a “Lei de Meios” entrará em plena vigência por decisão da Corte Suprema de Justiça no próximo dia 7 de dezembro, independentemente das pressões contrárias movidas pelo grupo Clarín para adiar sua implementação.

“A lei deve ser igual para todos, não podemos viver numa sociedade em que uns a cumpram e outros possam violentá-la”, declarou a presidenta, ao comandar a manifestação no Museu do Bicentenário da Casa de Governo ao lado de autoridades e lideranças do movimento sindical e social.

Segundo Cristina, o 7 de dezembro “é uma data muito especial pela aprovação desta lei autêntica, criação do povo argentino e uma construção coletiva, que por isso tem tanta força".
Até agora, ressaltou a presidenta, “o Estado argentino já outorgou cinco mil licenças de rádio e televisão, das quais 45 mil pertencem" a diferentes setores, porém há outras "500 divididas, 250 em 25 grupos e outras 250 em um grupo somente" – o Clarín.

Pela Lei de Meios, nenhum conglomerado de comunicação pode ter mais do que 24 outorgas de TV a cabo e 10 de rádio e televisão aberta. Mas o Grupo Clarín possui dez vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado pela Lei, além de quatro canais de televisão, uma rádio FM, 10 rádios AM, e o jornal de maior tiragem do país.

Em seu discurso, transmitido em cadeia nacional, a presidenta condenou as diferentes tentativas dos setores monopólicos de recorrerem à Justiça para atrasar indefinidamente a aplicação da lei. "Hoje podemos nos alegrar por ter conseguido nestes três anos, com novos postos de trabalho, novos conteúdos e novas vozes, que vamos potencializar”, acrescentou.
Com sua postura anti-democrática, apontou Cristina, os conglomerados privados de comunicação encontram-se, “como dizia hoje Atilio Borón, no oitavo círculo de Dante, que é dos mentirosos contumazes".

Ao encerrar seu pronunciamento, a presidenta argentina sublinhou que é preciso seguir em frente, sem ódio, “porque na realidade este projeto que levamos a cabo desde 2003 teve a virtude de não retirar direitos de outros”. “Aspiro a um país com muito amor, com discussão e debate, sem visões catastróficas e apocalípticas”, frisou.

O vice-governador de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, ex-presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) e titular do Comitê Federal de Rádiodifusão (Comfer) no momento da elaboração e sistematização da Lei de Meios, reiterou que ela trará uma situação totalmente nova. “Estamos acostumados a viver num sistema monopólico que acaba parecendo que é natural. Porém, quando se ampliam os direitos, nos damos conta de que estávamos vivendo de forma equivocada”. Por isso, acrescentou, "depois de tanta distorção na aplicação da lei, o 7 de dezembro será um dia chave. Jamais tivemos a possibilidade de ter múltiplas vozes, estando acostumados que alguém desenhe culturalmente as expressões que temos de consumir".

O senador da Frente para a Vitória, Marcelo Fuentes alertou para a "informação distorcida" difundida pelos conglomerados midiáticos e frisou que “não existe conflito entre o governo e o monopólio Clarín, mas entre o monopólio Clarín e a lei". "Em nenhum lugar do mundo se pensa que impor restrições aos monopólios afeta os princípios constitucionais da propriedade, porém o multimídia Clarín não quer se submeter à lei", declarou Fuentes.

Diante do vento democratizante que o exemplo argentino sopra para o continente, a 68ª Assembléia Geral da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), realizada em São Paulo, decidiu condenar o governo de Cristina por sua “hostilidade contra a imprensa". Em seu ridículo “relatório”, o representante da SIP no país, Daniel Dessein, alega que "várias resoluções do governo, manobras judiciais, declarações ofensivas e ameaçadoras de funcionários públicos, medidas contra a mídia e ameaças e agressões físicas a jornalistas delineiam um cenário sombrio para o exercício do jornalismo e o direito de todos os cidadãos se expressarem livremente".

Na sequência da leitura do relatório, em ritmo de suspense, um vídeo elaborado pelo Clarín denunciou o "crescimento da censura" na Argentina, condenando o governo de Cristina por "consagrar o medo, a autocensura e o silêncio". Em solidariedade, outros monopólios de mídia propuseram que a SIP faça uma missão internacional à Argentina no 7 de dezembro. Será uma excelente oportunidade para presenciarem o funeral da ditadura midiática no país de Perón, Evita e San Martín.

Franco enfrenta a TV pública do Paraguai

“Um processo de dois anos não se acaba em duas horas”, disse Marcelo Martinessi, diretor da televisão pública do Paraguai, ao senhor corpulento de traje que chegou ao estúdio exigindo saber a grade de programação do canal no mesmo dia em que o Congresso destituía Fernando Lugo. A imagem aparece no YouTube, 22 de junho, com o título “Atropelo TV Pública”, compilada com outra em que Martinessi lê um comunicado diante das câmeras, rodeado de trabalhadores da emissora, em que disse que, “para além deste momento político, esperamos que se respeite o direito dos cidadãos à informação e haja um ambiente de diálogo para todos e todas”, e anuncia sua demissão do cargo. Dois meses e meio depois, Martinessi e outros trabalhadores denunciam as demissões de 28 pessoas e atribuem a atitude ao fato de que se expressaram contrários ao golpe institucional. O sucessor de Martinessi, Cristian Turrini, declarou 19 demissões e os justificou por falta de recursos.

O Paraguai começou a trabalhar em um projeto de televisão pública apenas em meados de 2010. E o canal foi ao ar pela primeira vez em dezembro do ano passado. “O golpe de Estado nos surpreende com apenas seis meses no ar e quando a televisão estava consolidando a sua aliança com movimentos sociais e setores acadêmicos, estudantis e culturais”, afirma Martinessi. Como ocupava um cargo de confiança no governo de Lugo, o cineasta se sentiu obrigado a renunciar. “Os companheiros gravaram uma mensagem ao vivo essa noite, mas a partir de agora não sabemos o que pode acontecer”, afirma em sua visita a Buenos Aires, para onde veio para contar sua experiência em uma conversa sobre mídia. Viajou com ele Diego Segovia, que até há pouco tempo era diretor de políticas públicas do canal. Segovia assinala que as demissões começaram depois que a televisão pública se convertera em um lugar de resistência onde as pessoas podiam se manifestar.

O programa ‘Microfone Aberto’ era um espaço de três a quatro minutos por semana no qual as pessoas podiam falar e dizer o que queriam falando de uma praça, de um mercado, de um caminho. Durante os dias posteriores à destituição de Lugo, muitas pessoas se aproximaram da porta da emissora para dar a sua opinião. Martinessi assinala que lamentavelmente agora “o microfone está ausente dos lugares da política”. Segovia se mostra convencido de que existe um nexo entre as demissões e as manifestações. “Depois do ocorrido em ‘Microfone Aberto’, as autoridades da Secretaria de Informação começaram a buscar uma maneira de desarticular a equipe de trabalho. Foram demitidos 28 trabalhadores, casualmente a maioria deles havia tido uma participação ativa na semana de resistência. Argumentam que não há orçamento, mas é uma desculpa para justificar esta depuração ideológica que está havendo”.

Há uma semana e meia assumiu Cristian Turrini como novo diretor da TV pública do Paraguai. Turrini foi CEO e presidente da empresa de telecomunicações Calypso Wireless nos Estados Unidos e afirma que seu perfil é de gestão. “Não pertenço a nenhum partido, há cinco meses voltei ao Paraguai depois de morar 22 anos nos Estados Unidos e eles precisavam de um administrador”. Quando se lhe pergunta se é verdade que demitiu 28 empregados do canal, responde: “Não há recursos, os contratos venceram há três meses. Fez-se um esforço para manter os mais imprescindíveis. Pedi uma lista daqueles que eram imprescindíveis e restaram 19 pessoas. Não havia um contrato direto com a TV pública: eram contratados através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI)”.

Turrini insiste em que tinham que fazer uma redução de pessoal e não descarta a retirada do ar de alguns programas. “Quando uma empresa não tem recursos para pagar tem que apertar o cinto. Durante o governo de Lugo não se fez um orçamento para a TV pública. Foi financiada com recursos da ONU e da OEI. Vamos ter um orçamento apenas em outubro. Por enquanto não se tirou do ar nenhum programa, mas em setembro pode ser que tenhamos que prescindir de algum”.

Contudo, os programas jornalísticos ‘Entre nós’ e ‘Patrimônio Cultural’ sumiram da grade, porque seus apresentadores foram considerados prescindíveis. E um terceiro programa, ‘De igual para igual’, foi tirado do ar porque os apresentadores Milda Rivarola e Alfredo Boccia decidiram não continuar após o golpe parlamentar.

Perguntamos a Turrini o que responde à acusação de que existe uma caça às bruxas. “São suposições, argumentos que se usam, mas que não são válidos. Muitas pessoas simpáticas a Lugo estão trabalhando”.

Martinessi polemiza com as afirmações de seu sucessor. “Durante o governo de Lugo não se conseguiu a aprovação parlamentar da TV pública (que devia ser regulada por lei), mas dentro do orçamento de 2012 da Secretaria de Comunicação, o governo destinou 2,5 milhões de dólares à TV pública. Lugo assinou o decreto 9097 em junho (antes do golpe), destinando ao canal este montante de recursos do Tesouro nacional e que seriam destinados a uma primeira rede de repetidoras, entre outras coisas. Não se sabe porque alegam não ter recursos”.

A mudança de direção na TV pública é chave de ouro de uma concentração de meios privados que se manifestam a favor do governo de Federico Franco. Os jornais ABC Color e La Nación e o canal Tele Futuro foram os que mais criticaram Fernando Lugo pelo massacre de camponeses ocorrido em 15 de junho durante a desocupação de uma fazenda. “O deputado Tuma disse que Lugo facilitou a chacina em Curuguaty”, estampou o ABC Color em sua edição de 21 de junho. No dia seguinte, o ex-bispo estava sentado no banco dos réus e foi destituído de seu cargo. A concentração da mídia no Paraguai é, talvez, tão injusta quanto a da terra.

O informante

O presidente do Paraguai, Federico Franco, removeu ontem o comandante em chefe das Forças Militares, Felipe Melgarejo, e nomeou em seu lugar o atual comandante da Força Aérea, Miguel Christ Jacobs. A nomeação se deu em meio ao debate de uma polêmica solicitação das Forças Armadas para adquirir aviões de combate e armamentos.

Ambos os chefes militares se apresentaram ontem no Palácio de Governo para confirmar a notícia. O general Christ Jacobs é leal a Franco: foi o único oficial que informou sobre uma suposta incitação nos altos chefes castrenses por parte do chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, para que os militares resistissem à destituição de Fernando Lugo. A investigação da Procuradoria do Paraguai terminou com uma declaração de inexistência de provas sobre essa acusação. Com Melgarejo no cargo, registrou-se um forte rechaço popular quando a Direção Geral de Recrutamento decidiu que, para manter seu posto no Estado, cada trabalhador deveria possuir a certidão de baixa do serviço militar. Igualmente, Melgarejo pediu quase 600 milhões de dólares para a compra urgente de aviões de combate e outros armamentos.

*Tradução do Cepat.

Sob Chávez, cresce número de meios audiovisuais e competição entre veículos

Quem liga a televisão na Venezuela tem sempre, ao menos, duas versões antagônicas dos fatos. O canal Globovisión, entre outras empresas privadas de comunicação, costuma criticar qualquer coisa que faça o presidente Hugo Chávez, nos termos mais radicais e geralmente sem qualquer preocupação de ouvir outra versão que não a dos oposicionistas. Seu contraponto é a estatal VTV, a principal do sistema público. Ainda que um pouco mais cautelosa que a emissora adversária, sua grade é dominada pela difusão das iniciativas e posições do governo.

Esse ambiente partidarizado não predomina apenas entre os meios audiovisuais. Reflete-se sobre quase todos os veículos impressos ou eletrônicos. A radicalização da disputa política aparentemente levou ao predomínio de editoriais e análises sobre a informação. O leitor ou espectador adere ao jornal ou estação de televisão de seu gosto pelo mesmo critério que escolhe o partido no qual vota, ou seja, pela proximidade político-ideológica. Uns são vermelhos. Os outros, azuis. Quem está em dúvida usa o controle remoto.

Apesar da forte polarização, não há registros de monopolização da mídia pelo governo ou pelos empresários. Ao contrário. As opções televisivas, por exemplo, têm crescido. Segundo dados da Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), em 1998 existiam 40 concessões, número que saltou para 150 em 2012, 75 de sinal aberto e 75 a cabo. Dos canais com sinal aberto, apenas quatro têm alcance nacional, outros 71 são estações regionais privadas, estatais ou comunitárias.

No espectro radiofônico, de 331 concessões em 1998, o total aumentou para 473 rádios privadas e 244 rádios comunitárias em 2011. Com estes números, o governo Chávez responde às críticas frequentes à suposta falta de liberdade de imprensa, usualmente assinadas por organizações de direitos humanos ou pelo governo dos Estados Unidos.

Caso RCTV

O momento de maior tensão contra o governo, nesse terreno, foi quando o canal RCTV (Radio Caracas de Televisão), o mais antigo da televisão aberta, não teve sua concessão renovada, em março de 2007. Passou a poder operar apenas a cabo. Para os oposicionistas, essa decisão seria castigo pela participação da emissora no golpe contra Chávez em 2002.

Esta tese é negada pelo governo. “Há liberdade de imprensa total e irrestrita e, graças a essa liberdade, os meios privados promovem campanhas de desestabilização do governo”, afirma Andrés Izarra, ministro de Comunicação e Informação, recordando do papel das empresas de comunicação na insurgência civico-militar que colocou o presidente fora do poder por 48 horas.

"Nenhuma emissora foi punida por esse comportamento. Mas o governo não é obrigado a renovar concessão pública para uma emissora que, além de estar irregular com sua documentação, deixou de cumprir a função social estabelecida pela Constituição e a lei. A Venezuela fez o que outras nações fazem diante de situação semelhante: a concessão vence e outra prestadora assume a posição no dial."

Jesse Chacón, atualmente diretor da empresa de pesquisas GISXXI, comandava a pasta da Comunicação quando o governo decidiu negar-lhe a renovação de sinal. “Foi a única empresa televisiva que não teve a concessão renovada. Avaliamos que era melhor utilizar o espectro para outra finalidade”, diz.

"No mesmo período venciam as concessões da Televen e da Venevisión, também canais privados e oposicionistas, que foram renovadas." Atualmente ainda está em discussão quanto o Estado terá de pagar pelo uso dos transmissores da RCTV, cujo sinal agora é usado pela TVes, canal público de cultura e esportes.

O ex-ministro analisa que essa situação é produto do desenvolvimento da televisão latino-americana ter seguido o modelo norte-americano e não o europeu. "Nos Estados Unidos, a comunicação é um negócio, tratado pela lógica dos interesses comerciais, e esse foi o paradigma seguido pela maioria dos países latino-americanos", ressalta. "Os europeus abordaram a informação como um serviço público e suas emissoras, ao menos até recentemente, não podiam ser monopolizadas por grupos privados."

Para Chácon, esse modelo acaba transformando as empresas de comunicação, a partir de concessões públicas, em protagonistas empresariais da política. "Na Venezuela pré-Chávez, sem alguém quisesse ser presidente do país tinha que se colocar de acordo com o grupo Cisneros (dono da Venevisión) ou com a RCTV", destaca ao se referir aos dois principais canais da época.

Oitenta por cento do espectro televisivo aberto é explorado, segundo dados do Ministério da Comunicação, por empresas privadas. “Nas rádios, as redes privadas são hegemônicas, o Estado só tem uma estação com alcance nacional e três estações em localidades estaduais”, lista o ministro Andrés Izarra.

Para competir com essa hegemonia, o governo Chávez acrescentou uma proposta de democratização da comunicação aprovada pela Assembleia Constituinte de 1999.

Uma série de leis regulamentou esse tema. As duas mais importantes foram a que normatizou o funcionamento das rádios e televisões comunitárias, de 2002, e a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, aprovada em 2004 pela Assembléia Nacional e reformada em fevereiro de 2011.

A primeira criou marco regulatório que permitiu expansão de emissoras locais, criadas por conselhos comunais, movimentos sociais ou outras entidades associativas. Esses canais, com amplitude limitada de onda, formam uma malha disseminada para difusão de programas culturais, debates políticos e prestação de serviços.

A Lei de Responsabilidade Social em Radio e Televisão (também chamada de Lei Resorte), por sua vez, obrigou que os canais cumprissem uma cota mínima de 50% para produções nacionais em séries e novelas. Estabeleceu parâmetros para classificação dos programas por faixa etária, permitindo multas e punições para abuso de cenas violentas. Também criou o Fundo de Responsabilidade Social, que subsidia a compra de equipamentos pelas emissoras comunitárias, dando-lhes condições de disputar audiência com os grandes grupos em seus bairros.

Apesar de não haver qualquer mecanismo de censura prévia nessa legislação, ou mesmo limitação ao conteúdo dos noticiários, os oposicionistas criticam as regulamentações estabelecidas pelo governo como obstáculos à liberdade de imprensa. A resposta do outro lado também é dura. "Uma coisa é liberdade de imprensa, outra é libertinagem", afirma Chacon. "O governo não adotou nem especula adotar qualquer medida que ofenda o direito à expressão. Mas as empresas privadas de comunicação prestam um serviço público e devem ser reguladas para garantir que todos os setores possam receber e difundir informações. Tanto os grupos privados quanto o Estado e as comunidades. Acabou a era do monopólio privado da mídia."

Rafael Correa quer suspender publicidade oficial na grande mídia equatoriana

No que depender do presidente equatoriano, Rafael Correa, os grandes jornais, revistas e canais de rádio e televisão do país já não poderão contar com as receitas da publicidade oficial para financiar sua programação. No último sábado (28), o mandatário anunciou que deixará de contratar anúncios pagos nos meios de comunicação comerciais.

“Não temos porquê, com o dinheiro dos equatorianos, beneficiar o negócio de seis famílias do país”, constatou o presidente, recomendando ao secretário de Comunicação, Fernando Alvarado, que retirasse imediatamente a grande mídia equatoriana da carta publicitária das empresas e instituições governamentais. “Daqui pra frente, zero publicidade oficial aos meios mercantilistas, para ver se fazem comunicação por vocação ou por negócio.”

A notícia veio durante a 282ª edição do programa Enlace Ciudadano, uma espécie de prestação de contas misturada com propaganda institucional que Rafael Correa realiza semanalmente em algum lugar do país – desta vez, o evento ocorreu em Ibarra, ao norte da capital, Quito. O presidente lembrou que seis semanas antes havia sugerido aos meios de comunicação privados que renunciassem à publicidade oficial, uma vez que criticam tanto o governo por não respeitar a liberdade de expressão.

De acordo com o mandatário, nenhum meio abriu mão da verba publicitária. Pelo contrário, o presidente da Associação Equatoriana de Editores de Jornais (AEDEP, na sigla em castelhano), Diego Cornejo, afirmou em uma emissora de rádio que nenhuma empresa de comunicação do Equador deixaria de veicular as rentáveis propagandas oficiais. Fazê-lo, argumentou, seria contrariar a lógica do negócio. “Maravilhoso que seja honesto”, exaltou Correa. “Reconhece que é um negócio, que sua lógica é fazer dinheiro.”

Batalha

A suspensão da publicidade oficial é apenas mais um capítulo da batalha política entre o governo e os meios de comunicação equatorianos. O último passo de Rafael Correa em direção à grande mídia do país havia sido desferido em junho, quando o presidente proibiu seus ministros de concederem entrevistas exclusivas aos veículos comerciais. Em contrapartida, os editoriais e artigos de opinião atacam constantemente a administração correista por não respeitar a liberdade de imprensa.

A mais recente decisão do presidente ganha peso devido à Lei de Comunicação, que tramita há dois anos na Assembleia Nacional do Equador. Depois de muita discussão, o projeto está pronto para ser votado em plenário. O problema é que nem governo nem oposição têm maioria para aprová-la ou rechaçá-la. Esperava-se que a lei fosse apreciada pelos deputados na semana passada, mas o presidente da Assembleia, Fernando Cordero, suspendeu a votação alegando falta de quórum.

Entre seus 120 artigos, a Lei de Comunicação pretende dividir as frequências de rádio e televisão entre meios de comunicação privados, públicos e comunitários. A proporção seria 33%, 33% e 34%. Os canais de rádio e televisão que acabam de perder a verba publicitária oficial se opõem ferrenhamente ao projeto. O governo é seu maior entusiasta.

“O texto determina expressamente que o governo deve distribuir a receita publicitária entre os meios privados, públicos e comunitários – e também entre os meios rurais e urbanos”, assegura Romel Jurado, assessor do deputado Mauro Andino, presidente da comissão que escreveu a Lei de Comunicação.

Equador, a um voto de aprovar lei de comunicação e democratizar frequências

O Equador está prestes a entrar no seleto grupo de países sul-americanos que recentemente democratizaram seus meios de comunicação. Nos últimos anos, apenas Argentina, Uruguai e Bolívia se mobilizaram para destinar ao menos 33% das frequências de rádio e tevê a organizações sociais sem fins lucrativos, que agora dividem a programação com meios públicos e privados.

Batizada como Lei Orgânica de Comunicação, Liberdade de Expressão e Acesso à Informação Pública, o texto equatoriano foi escrito, reescrito, discutido e rediscutido durante dois anos, e desde abril está pronto para ser votado pela Assembleia Nacional. Só não foi enviado ao plenário ainda porque o governo, que patrocina a lei, não conseguiu maioria absoluta para aprová-la. A oposição tampouco arrebanhou os votos necessários para rechaçá-la. A diferença é mínima: um deputado.

O Congresso equatoriano é unicameral – não existe Senado – e conta com 124 parlamentares. Os governistas possuem 62 votos garantidos. A bancada contrária ao projeto, 61. Um parlamentar deverá definir a sorte da lei, mas não do texto integral. Após negociações, surgiu a proposta de que a votação ocorresse artigo por artigo. A assembleia aceitou, e a matéria deve ser apreciada até o fim deste mês. Ou agosto. Ou setembro: depende de quem conseguir maioria primeiro. Tudo indica que o governo está na frente.

Histórico

A lei de comunicação não nasceu da cabeça do presidente Rafael Correa ou da bancada que seu partido, Alianza País, sustenta no Legislativo. Elaborá-la foi uma proposta da sociedade equatoriana, que, por sua vez, fez por onde escrevê-la na Constituição de 2008. De anseio popular, portanto, passou a ser uma obrigação do Legislativo, reforçada por um referendo que, em 2011, dirimiu qualquer dúvida sobre a vontade do povo em ver os deputados trabalhando num novo ordenamento jurídico sobre a radiodifusão nacional.

Em teoria, o Equador deveria ter aprovado uma lei de comunicação em 2009, um ano depois de aprovada a Carta Magna. Mas não foi possível – e por várias razões. A já citada correlação de forças partidárias dentro da Assembleia Nacional é uma delas. Outra, talvez a principal, é a complexidade política que envolve toda tentativa de legislar sobre o tema nos países latino-americanos, órfãos de pluralidade midiática.

“Existe uma enorme confrontação entre o governo nacional e os meios de comunicação privados”, explica Romel Jurado, assessor do deputado Mauro Andino, presidente da Comissão Temporária de Comunicação, que escreveu o projeto de lei. “O presidente da República diz que a grande mídia está submetida a interesses empresariais, que manipula a realidade a favor de seus próprios interesses e que, por isso, não cumpre sua função social. Já os meios de comunicação reafirmam sua independência, acusam o regime de querer roubar-lhes a voz e dizem que estamos vivendo sob um governo autoritário que não gosta da imprensa.”

É uma briga entre poderes titânicos, conclui Romel Jurado. Mas o atraso da lei também se deve a outros motivos mais nobres. “É a primeira vez que um país assume o desafio de regulamentar todos os direitos e deveres relacionados à comunicação, e não apenas aos serviços de rádio e televisão”, contextualiza o assessor. “O debate ficou complexo, não apenas em termos jurídicos, mas também conceituais: primeiro, tivemos de entender o que é comunicação para só depois esboçar um projeto.”
Frequências

O projeto de lei para regulamentar a comunicação equatoriana tem 127 artigos, alguns mais controversos que outros. O que deverá causar mais impacto social é a divisão de frequências de rádio e televisão. O texto propõe que 33% dos canais fiquem para os meios privados, 33% para os públicos (nos níveis nacionais, provinciais, cantonais e paroquiais) e 34% para os comunitários. As transmissões digitais estão incluídas na divisão: a lei impedirá que os proprietários de sinais analógicos multipliquem suas concessões com a chegada das novas tecnologias.

“A divisão do espectro radioelétrico é o melhor do texto”, define José Ignacio Lopez Vigil, diretor da ONG Radialistas Apaixonadas e Apaixonados, com sede em Quito, que produz clipes radiofônicos difundidos por emissoras livres e comunitárias de toda a América Latina. “Você pode definir como quiser a liberdade de expressão e o direito à comunicação, mas a questão é quem fica com as frequências. No fim das contas, o poder midiático está com quem possui canais de rádio e televisão.”

José Ignacio foi um dos membros da comissão que, em 2009, verificou a validade das concessões midiáticas no Equador – e tirou a sujeira debaixo do tapete. No período de 13 anos analisado pela auditoria, diz, as frequências foram roubadas, traficadas e vendidas ilegalmente. Caso a lei de comunicação seja aprovada, as revelações servirão de subsídio para reverter e redistribuir os canais de rádio e tevê concedidos de maneira irregular.

A auditoria mediu ainda o tamanho do oligopólio midiático no país. “Aqui não existem empresas como Televisa, Globo ou Clarín, mas umas dez famílias que controlam mais da metade das frequências”, compara José Ignacio. “A concentração também se manifesta por setores: 97% do espectro está nas mãos dos meios privados e apenas 3% pertencem às organizações comunitárias.” Emissoras públicas só passaram a existir com a eleição de Rafael Correa.
Poder versus lei

Para distribuir, reverter e tomar qualquer decisão relativa ao espectro radioelétrico, o projeto de lei institui o Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação. Terá seis membros, que representarão o governo nacional, os governos locais, os conselhos nacionais de igualdade, as faculdades públicas de comunicação, as organizações de direitos humanos e, claro, os povos indígenas, que por pouco não ficaram de fora.

Se fosse nomeado hoje, o conselho teria automaticamente pelo menos três votos favoráveis ao governo. E esse domínio incomoda, porque Rafael Correa controla os demais órgãos colegiados que deveriam ser independentes do Executivo. “Se o conselho de comunicação for tão manipulado como outras instâncias estatais, que perderam toda autonomia frente ao tremendo presidencialismo que temos aqui, a lei será um papel morto”, analisa José Ignacio.

Destaques da lei de comunicação

O movimento indígena equatoriano concorda. “O cumprimento das leis só será possível se garantirmos no país a independência dos poderes, que é um pilar fundamental da democracia”, opina Diana Atamaint, deputada do Pachakutik, braço político das organizações indígenas, que, apesar de serem históricos defensores da divisão de frequências, decidiram votar contra todos os artigos da lei de comunicação. “O texto é medianamente aceitável, mas nada impede que o governo passe por cima de seus artigos e impeça os cidadãos de exercerem seus direitos.”

Romel Jurado, um dos principais responsáveis pelo conteúdo do projeto, explica que já não existem contestações sérias ao texto dentro da Assembleia. De acordo com o secretário, quase todos os parlamentares já se pronunciaram direta ou indiretamente simpáticos aos artigos da lei. O problema, identifica, está na polarização política em curso no país: presidente, meios de comunicação e movimentos sociais estão em pé de guerra e simplesmente não conseguem dialogar para além dos insultos mútuos. É caldo de cultivo ideal para proliferação de pulgas atrás d'orelha.

“A lei propõe regras para que nem os poderes privados nem os poderes públicos possam fazer uso abusivo dos meios de comunicação, para que todos cumpram com certos requisitos e atendam a certos limites”, define. “O texto é o melhor que pudemos elaborar dentro de nossa cultura política e democrática, mas não posso garantir que a lei por si só brinde segurança jurídica às pessoas. A arbitrariedade e o exercício transgressor dos poderes infelizmente ainda são uma norma operante no Equador.”
Liberdade de expressão

Quem se opõe ao projeto de lei não cansa de recordar um caso em especial, que envolveu o maior diário do país. Após a rebelião policial que no dia 30 de setembro de 2010 quase resultou no assassinato de Rafael Correa, um articulista do El Universo escreveu artigo acusando o presidente – ao qual se referia como ditador – de haver cometido um crime de lesa-humanidade ao refugiar-se dentro de um hospital. Quando a poeira baixou, jornal e jornalista foram processados e condenados a pagar uma indenização de US$ 40 milhões, além de cumprir três anos de prisão por calúnia e difamação.

“Acreditamos que a lei de comunicação pode servir como ferramenta para controlar politicamente a oposição, não apenas nesta, mas em qualquer administração”, prevê a deputada Diana Atamaint, ela mesma alvo de um processo judicial após ter dado declarações à emissora de televisão Ecuavisa sobre supostos esquemas de corrupção no governo. “Quem opina diferente ou questiona o presidente e seus funcionários responde na Justiça por danos morais e é obrigado a pagar indenizações milionárias.”

A oposição acredita que, com a aprovação da lei, o presidente vai legalizar seus atropelos à liberdade de expressão. “Aí depende de como você entende a liberdade de expressão”, problematiza Romel Jurado. Para o secretário da Assembleia Nacional, o termo significa muito mais do que apenas a livre circulação de informações prontas para consumo, como se fossem mais uma mercadoria à disposição de leitores e telespectadores.

Correlação de forças políticas

“Aquela informação que tenha relevância pública deve observar algumas características: deve ser precisa, versar sobre fatos reais, oferecer dados exatos, ser produzida a partir de várias fontes, dar espaço ao contraditório e estar devidamente contextualizada”, argumenta. “A informação de qualidade sempre irá circular livremente. O problema é que os meios de comunicação costumam veicular informação enviesada, parcial, descontextualizada e não verificada, que obedece apenas a seus próprios interesses. Não posso aceitar que isso seja liberdade de expressão. É, melhor dizendo, manipulação.”

Sobretudo, o projeto de lei reconhece, em seu artigo 17, o direito de cada cidadão expressar-se livremente e, claro, responsabilizar-se pelo que diz. O vale-tudo midiático deixa de existir, ficando terminantemente proibida a veiculação de conteúdos discriminatórios, que atentem contra a honra e a reputação das pessoas ou firam sua intimidade. Também estabelece, no artigo décimo, uma série de recomendações às pessoas – jornalistas ou não – envolvidas no processo comunicacional: respeitar a presunção de inocência, não obter informação de maneira ilícita, proteger a imagem de crianças e adolescentes, distinguir claramente notícias de opiniões etc.

“Se um meio de comunicação descumpre as normas, o Conselho de Regulação analisa a falta e determina a punição, que é desculpar-se publicamente. Apenas quando o veículo reincide pela terceira vez é que começam a se aplicar multas”, explica Romel Jurado. “As sanções financeiras vão crescendo porque o Estado entende que, se alguém continua emitindo conteúdos discriminatórios apesar das multas, é porque tem um despreço absoluto pelos direitos coletivos e individuais das pessoas.”
Caminho sem volta

A lei determina ainda que a publicidade oficial deverá ser distribuída entre meios públicos, privados e comunitários, nas zonas rurais e urbanas, independentemente de seu alcance – nacional, regional ou local. Obriga que 40% da programação veiculada por canais de rádio e tevê sejam produzidas dentro do Equador, e que as emissoras reservem espaço para a música nacional e para produções culturais em línguas indígenas. No âmbito trabalhista, garante uma série de direitos aos funcionários dos meios de comunicação, que hoje em dia enfrentam um mercado laboral repleto de precarização.

“Sabemos que poderão aprovar a lei, que talvez até já tenham os votos suficientes, mas o texto que entrará em vigência não é o que buscamos com nossa luta para reivindicar mais igualdade em relação ao Estado e à sociedade”, defende Diana Atamaint, deputada do Pachakutik. “Podemos ter as melhores leis, mas o que importa é a vontade política dos governos em aplicá-las.”

Apesar de todas as desconfianças, que são compreensíveis dentro do contexto equatoriano, José Ignacio López Vigil acredita que o mais importante para o país neste momento é que haja uma lei de comunicação. Principalmente porque a legislação vigente foi elaborada em 1975, durante a ditadura militar, e reformada 20 anos depois sem grandes mudanças. “Com o novo texto, o Equador teria uma lei moderna: suscetível de manipulação, como todas as leis, mas, ainda assim, boa, inserida nos padrões internacionais.”

Romel Jurado acredita que as discussões que se desenvolvem com mais ou menos força em todos os países da América Latina sobre a função da mídia deverão apontar para uma mudança de paradigmas no uso que historicamente tem sido feito dos meios de comunicação. “Para que exista plena liberdade de expressão, devemos criar condições materiais para que todos, e não apenas aos donos das emissoras, possam exercer essa liberdade”, avalia. “Devemos estudar, debater e refletir, mas transformar a maneira como entendemos o direito à comunicação é um caminho irreversível.”