Sob Chávez, cresce número de meios audiovisuais e competição entre veículos

Quem liga a televisão na Venezuela tem sempre, ao menos, duas versões antagônicas dos fatos. O canal Globovisión, entre outras empresas privadas de comunicação, costuma criticar qualquer coisa que faça o presidente Hugo Chávez, nos termos mais radicais e geralmente sem qualquer preocupação de ouvir outra versão que não a dos oposicionistas. Seu contraponto é a estatal VTV, a principal do sistema público. Ainda que um pouco mais cautelosa que a emissora adversária, sua grade é dominada pela difusão das iniciativas e posições do governo.

Esse ambiente partidarizado não predomina apenas entre os meios audiovisuais. Reflete-se sobre quase todos os veículos impressos ou eletrônicos. A radicalização da disputa política aparentemente levou ao predomínio de editoriais e análises sobre a informação. O leitor ou espectador adere ao jornal ou estação de televisão de seu gosto pelo mesmo critério que escolhe o partido no qual vota, ou seja, pela proximidade político-ideológica. Uns são vermelhos. Os outros, azuis. Quem está em dúvida usa o controle remoto.

Apesar da forte polarização, não há registros de monopolização da mídia pelo governo ou pelos empresários. Ao contrário. As opções televisivas, por exemplo, têm crescido. Segundo dados da Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações), em 1998 existiam 40 concessões, número que saltou para 150 em 2012, 75 de sinal aberto e 75 a cabo. Dos canais com sinal aberto, apenas quatro têm alcance nacional, outros 71 são estações regionais privadas, estatais ou comunitárias.

No espectro radiofônico, de 331 concessões em 1998, o total aumentou para 473 rádios privadas e 244 rádios comunitárias em 2011. Com estes números, o governo Chávez responde às críticas frequentes à suposta falta de liberdade de imprensa, usualmente assinadas por organizações de direitos humanos ou pelo governo dos Estados Unidos.

Caso RCTV

O momento de maior tensão contra o governo, nesse terreno, foi quando o canal RCTV (Radio Caracas de Televisão), o mais antigo da televisão aberta, não teve sua concessão renovada, em março de 2007. Passou a poder operar apenas a cabo. Para os oposicionistas, essa decisão seria castigo pela participação da emissora no golpe contra Chávez em 2002.

Esta tese é negada pelo governo. “Há liberdade de imprensa total e irrestrita e, graças a essa liberdade, os meios privados promovem campanhas de desestabilização do governo”, afirma Andrés Izarra, ministro de Comunicação e Informação, recordando do papel das empresas de comunicação na insurgência civico-militar que colocou o presidente fora do poder por 48 horas.

"Nenhuma emissora foi punida por esse comportamento. Mas o governo não é obrigado a renovar concessão pública para uma emissora que, além de estar irregular com sua documentação, deixou de cumprir a função social estabelecida pela Constituição e a lei. A Venezuela fez o que outras nações fazem diante de situação semelhante: a concessão vence e outra prestadora assume a posição no dial."

Jesse Chacón, atualmente diretor da empresa de pesquisas GISXXI, comandava a pasta da Comunicação quando o governo decidiu negar-lhe a renovação de sinal. “Foi a única empresa televisiva que não teve a concessão renovada. Avaliamos que era melhor utilizar o espectro para outra finalidade”, diz.

"No mesmo período venciam as concessões da Televen e da Venevisión, também canais privados e oposicionistas, que foram renovadas." Atualmente ainda está em discussão quanto o Estado terá de pagar pelo uso dos transmissores da RCTV, cujo sinal agora é usado pela TVes, canal público de cultura e esportes.

O ex-ministro analisa que essa situação é produto do desenvolvimento da televisão latino-americana ter seguido o modelo norte-americano e não o europeu. "Nos Estados Unidos, a comunicação é um negócio, tratado pela lógica dos interesses comerciais, e esse foi o paradigma seguido pela maioria dos países latino-americanos", ressalta. "Os europeus abordaram a informação como um serviço público e suas emissoras, ao menos até recentemente, não podiam ser monopolizadas por grupos privados."

Para Chácon, esse modelo acaba transformando as empresas de comunicação, a partir de concessões públicas, em protagonistas empresariais da política. "Na Venezuela pré-Chávez, sem alguém quisesse ser presidente do país tinha que se colocar de acordo com o grupo Cisneros (dono da Venevisión) ou com a RCTV", destaca ao se referir aos dois principais canais da época.

Oitenta por cento do espectro televisivo aberto é explorado, segundo dados do Ministério da Comunicação, por empresas privadas. “Nas rádios, as redes privadas são hegemônicas, o Estado só tem uma estação com alcance nacional e três estações em localidades estaduais”, lista o ministro Andrés Izarra.

Para competir com essa hegemonia, o governo Chávez acrescentou uma proposta de democratização da comunicação aprovada pela Assembleia Constituinte de 1999.

Uma série de leis regulamentou esse tema. As duas mais importantes foram a que normatizou o funcionamento das rádios e televisões comunitárias, de 2002, e a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, aprovada em 2004 pela Assembléia Nacional e reformada em fevereiro de 2011.

A primeira criou marco regulatório que permitiu expansão de emissoras locais, criadas por conselhos comunais, movimentos sociais ou outras entidades associativas. Esses canais, com amplitude limitada de onda, formam uma malha disseminada para difusão de programas culturais, debates políticos e prestação de serviços.

A Lei de Responsabilidade Social em Radio e Televisão (também chamada de Lei Resorte), por sua vez, obrigou que os canais cumprissem uma cota mínima de 50% para produções nacionais em séries e novelas. Estabeleceu parâmetros para classificação dos programas por faixa etária, permitindo multas e punições para abuso de cenas violentas. Também criou o Fundo de Responsabilidade Social, que subsidia a compra de equipamentos pelas emissoras comunitárias, dando-lhes condições de disputar audiência com os grandes grupos em seus bairros.

Apesar de não haver qualquer mecanismo de censura prévia nessa legislação, ou mesmo limitação ao conteúdo dos noticiários, os oposicionistas criticam as regulamentações estabelecidas pelo governo como obstáculos à liberdade de imprensa. A resposta do outro lado também é dura. "Uma coisa é liberdade de imprensa, outra é libertinagem", afirma Chacon. "O governo não adotou nem especula adotar qualquer medida que ofenda o direito à expressão. Mas as empresas privadas de comunicação prestam um serviço público e devem ser reguladas para garantir que todos os setores possam receber e difundir informações. Tanto os grupos privados quanto o Estado e as comunidades. Acabou a era do monopólio privado da mídia."

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