Arquivo da tag: Cultura

Economia criativa precisa de políticas públicas para desenvolver potencial

O cenário é muito positivo para a economia criativa no Brasil. No entanto, para que o setor cresça, é preciso monitoramento para se mensurar tamanho e identificar gargalos visando à construção de políticas públicas, disse à Agência Brasil a gerente de Desenvolvimento da Economia Criativa do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro (Sebrae/RJ), Heliana Marinho da Silva.

Heliana participou da mesa-redonda Tendências e Oportunidades da Economia Criativa, no primeiro dia de trabalhos do Rio Info, principal evento nacional de tecnologia da informação (TI), realizado há dez anos na capital fluminense e há três anos em Portugal.

Segundo a gerente do Sebrae/RJ, a economia criativa envolve setores que nunca foram estimulados do ponto de vista econômico, como design e arquitetura. Esses setores não haviam sido considerados como foco de um negócio importante no mundo contemporâneo, explicou. O governo federal prepara o lançamento do Plano Brasil Criativo, iniciativa para estimular o desenvolvimento dessa área econômica.

Heliana Marinho sugeriu que haja uma definição clara de quais são os setores que integram a economia criativa e que se estabeleçam as condições de monitoramento e de pesquisa para a mensuração do seu tamanho. Defendeu também que sejam identificados os gargalos da cadeia de produção e que se promova a integração desses setores, que “se falam melhor de maneira articulada”.

Outros desafios são a identificação de formas de financiamento adequadas para os diversos setores e um ambiente de negócios, “ou seja, políticas públicas de incentivo, com tributação diferenciada. Enfim, todo um conjunto de fatores que podem estimular esse desenvolvimento”.

O Sebrae lançou em julho desse ano a Cartilha do Empreendedor Individual na Economia Criativa, voltada para a participação do pequeno empresário nesse setor econômico. O documento pode ser baixado de página da instituição sobre economia criativa.

Segundo Heliana, há a percepção de que setores como música, audiovisual e arquitetura, que misturam várias cadeias produtivas, são fortes no âmbito da economia criativa, mas precisam ser melhor mensurados, para que se possa identificar as necessidades e, também, as oportunidades.

De acordo com Heliana, a tecnologia da informação é um elemento funcional de transversalidade, presente em todos os diferentes setores econômicos. “Hoje, não dá para pensar em projeto de arquitetura ou de audiovisual, por exemplo, sem TI”, reforçou. “A TI talvez seja o fator de integração entre todas as cadeias produtivas aí colocadas”.

Heliana observou, entretanto, que o cenário atual ainda é “de muita experimentação”. Isso ocorre porque a economia criativa traz um novo olhar sobre diversos segmentos econômicos e os agrupa de forma também diferente. “A partir daí, o impacto sobre os negócios, os empreendimentos e no próprio desenvolvimento se dá de uma maneira que nunca foi estimulada, nunca foi monitorada”.

Os setores criativos respondem por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. No Brasil, essa relação está entre 7% e 8% do PIB, sendo que no estado do Rio de Janeiro, a estimativa é que em torno de 4% ou 5% do PIB estão concentrados nesses setores, informou.

A gerente do Sebrae/RJ recordou que estudo recente da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês) aponta que o crescimento do ambiente criativo e das indústrias criativas atingiu patamar de 14% em 2010. “Isso mostra uma grande expressão desses segmentos”.

A importância do profissional de TI nesse cenário se amplia na medida em que ele está conectado aos demais setores da economia criativa, frisou Heliana. “Nesse campo da economia criativa, nada se dá muito isolado”. Esclareceu que o elemento cultural permite maior diferenciação e muita informação para os novos conteúdos.

Projeto que altera Lei Rouanet divide meio cultural

Dois meses após a divulgação do substitutivo ao Projeto de Lei 1.139, chamado ProCultura, o que parecia ser um apoio consensual começa a mudar.

O PL altera a Lei Rouanet, principal mecanismo de incentivo à cultura no Brasil, e estabelece novas regras para dois fundos de financiamento direto ao setor.

Quando foi apresentado, o substitutivo do deputado Pedro Eugênio (PT-PE), que ainda não tem data para ser enviado ao Congresso, obteve uma recepção amena por parte do meio cultural, talvez até por cansaço – as discussões sobre as mudanças remontam a 2004 e o primeiro PL é de 2007. Mas, enquanto aguarda o estudo de impacto do Ministério da Fazenda, o ProCultura vem sendo questionado.

"Não creio que o projeto seja uma verdadeira reforma da política de financiamento", afirma Albino Rubim, professor da Universidade Federal da Bahia e especialista em política cultural. "A expectativa, depois de tantos anos de discussão, era a de que o investimento direto do Estado crescesse de forma substancial", diz Ney Piacentini, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro.

A Lei Rouanet, criada em 1991, tinha como objetivo principal aguçar no empresariado o gosto pelo mecenato, ao permitir que as empresas direcionem parte do imposto devido para a cultura. Se, em 2003, o mecanismo movimentou R$ 430 milhões, em 2011 esse valor chegou a R$ 1,3 bilhão. Ou seja, "a lei pegou".

O problema é que os recursos atendem a menos de 25% dos produtores que mandam, anualmente, cerca de 10 mil projetos para o Ministério da Cultura (MinC).

Diante do número de projetos e do orçamento total do MinC, de R$ 1,6 bilhão – o mesmo que o teto para a lei, neste ano – não é difícil entender por que a reforma do texto importa tanto para tanta gente. Sem ela, a produção cultural brasileira corre o risco de agonizar. Mas, com ela, tampouco as coisas funcionam bem.

"O pressuposto da lei produz a concentração porque trata, de maneira igual, empresas de grande e pequeno porte. Infelizmente, é natural que os recursos tenham ficado, sobretudo, nas grandes cidades", diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, referindo-se à concentração de 70% dos recursos no eixo Rio-São Paulo.

Para Saron, outra distorção da lei é que ela foi ancorada em eventos. Com isso, atividades perenes, que costumam deixar um legado, foram prejudicadas. Afinal, o logotipo da marca patrocinadora ganha, em um grande evento, uma visibilidade que jamais seria alcançada caso o investimento se desse, por exemplo, no restauro de obras de arte.

Além disso, a lei não conseguiu garantir acesso ao que é produzido e, na visão de alguns produtores e teóricos, acomodou o empresariado a uma forma de mecenato que não o obriga a colocar dinheiro próprio nos projetos incentivados.

E é justamente nesse último ponto que o novo texto apresenta mudanças significativas em relação à proposta saída do gabinete do ministério Gilberto Gil-Juca Ferreira, nos anos Lula.

O PL do deputado Pedro Eugênio retoma, de modo amplo, a possibilidade de dedução integral – o que, nas discussões sobre a lei, passou a ser chamado, simplesmente, de "os 100%". A questão diz respeito à porcentagem de dinheiro próprio (não advindo de imposto) que uma empresa deve investir nos projetos.

Hoje, o patrocinador pode colocar R$ 100 em uma feira de arte contemporânea usando apenas dinheiro de imposto. Os defensores do fim dos 100% propõem que, dos R$ 100 investidos, R$ 30 ou R$ 50 saiam dos cofres do patrocinador, e não dos do Estado.

Para Pedro Eugênio, a retirada dos 100% levaria a uma grave retração nos investimentos. "A cultura passaria a disputar os recursos, de maneira desequilibrada, com outras áreas, como o esporte [que prevê dedução de 100%]", diz o deputado. "O que fizemos foi definir melhor quem pode ter esse benefício."

Hoje, ações que são similares têm acesso a deduções diferentes. Henilton Menezes, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, cita um exemplo: enquanto um curso de artes cênicas recebe 100% de renúncia, um de artes visuais não passa de 40%. O mesmo ocorre em relação à música: se o projeto inclui voz, o patrocinador tem direito a 30%; se tem só instrumentos, a 100%.

"A nova lei estabelece critérios claros para promover a possibilidade de renúncia máxima. Com isso, poderemos enxergar as ações propostas de forma mais concreta, avaliando o retorno que elas trarão para a sociedade", afirma Menezes.

Para a economista Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia da cultura, a proposta pode solucionar as duas principais críticas feitas aos 100%: a primeira se refere ao uso indiscriminado da dedução máxima; a segunda, ao fato de que a empresa pode gozar de benefícios fiscais ao mesmo tempo em que tem ganhos de marketing. "Da forma como a lei se propõe a trabalhar, exigindo o cumprimento de critérios e impondo limitações ao uso da imagem da marca, os dois problemas podem ser resolvidos."

Para ganhar pontos e conseguir os 100% – em vez de 30% ou 50% de abatimento -, o substitutivo prevê que a empresa deve investir em projetos que sejam, por exemplo, gratuitos e circulem pelo país.

Isso, porém, ainda não responde a uma questão importante: ao manter o mecenato sem obrigação de contrapartida financeira privada, a lei contribui para o amadurecimento do patrocínio cultural?

A resposta é não, segundo Lárcio Benedetti, que esteve à frente dos patrocínios da Votorantim entre 2006 e 2010, e que, como mestrando na Universidade de Budapeste, pesquisa o patrocínio empresarial. "Desse modo, o governo não oferece um estímulo para que as empresas invistam em cultura. Dar os 100% significa oferecer o fim, o principal motivador. Isso, além de ser uma base muito fraca de sustentação, é deseducativo", diz. "Com isso, após 20 anos de Lei Rouanet, o resultado não poderia ser outro: se, mundo afora, sem 100% de incentivo [caso do Reino Unido e da Espanha, por exemplo], o patrocínio empresarial não para de crescer, o Brasil continua refém do benefício fiscal."

Benedetti concorda que, num primeiro momento, a alteração levaria a um recuo por parte de certos investidores. Mas, a longo prazo, essa seria a melhor saída, diz. "A diminuição dos 100% seria um desafio para que os gestores de patrocínio, na tentativa de convencer as empresas a manter a atuação, buscassem os benefícios reais que o investimento em cultura pode oferecer."

O professor Albino Rubin, por sua vez, recusa até o argumento da retração. "Se for verdade que, depois de tantos anos de leis, as empresas só investem em cultura com 100% de isenção, as leis têm um sério problema: elas não conseguiram incentivar as empresas a investir no campo da cultura", diz. "A lei de incentivo da Bahia não oferece 100% e funciona."

Mas a resposta é outra por parte de quem trabalha ao lado das empresas, como Fernando Rossetti, diretor-executivo do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), que tem 142 associados. "A grande maioria das empresas não tem o setor de investimento social desenvolvido a ponto de investir recursos próprios em cultura", diz. "Essa era uma preocupação no começo da reforma. Mas, agora, a tendência é que as grandes empresas atinjam a pontuação necessária para manter os 100%."

Ricardo Ohtake, que dirige o Instituto Tomie Ohtake e percorre os caminhos da política cultural há anos – foi secretário de Estado da Cultura de São Paulo e diretor do Centro Cultural São Paulo e do MIS (Museu da Imagem e do Som de São Paulo) – concorda que os 100% não são o caminho ideal para um verdadeiro mecenato. Mas pondera: "Essa lei deu origem a outras leis com o mesmo formato e, agora, não é possível mudá-la isoladamente. O empresariado se acostumou a usar o incentivo dessa maneira".

Ainda segundo Ohtake, que recorre à lei para manter o instituto, muitas empresas ainda tendem a tratar o apoio à cultura como uma espécie de favor. "A fragilidade da cultura brasileira é muito grande. Por isso, a comparação com outros países nem sempre é realista."

Fundo Setorial do Audiovisual investirá R$ 205 milhões em 2012

O Ministério da Cultura e a Ancine anunciaram nesta quarta, 16, a replicação das quatro linhas do Fundo Setorial do Audiovisual que fomentam projetos de produção e distribuição de longas-metragens e produção de séries de televisão. As grandes novidades são o volume de recursos recorde, a ampliação de recursos para produção de programas de TV, a adoção de um modelo de análise e seleção de projetos por fluxo contínuo e o credenciamento do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul para a operação das linhas de investimento.

Segundo a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, as diversas ações conduzidas para o cinema e o mercado audiovisual visam dar "um patamar mais seguro" para o setor. "O Brasil precisa ocupar o seu mercado com a produção brasileira", disse a ministra.

Para Manoel Rangel, presidente da Ancine, "o Fundo Setorial do Audiovisual é hoje o principal instrumento de financiamento do setor e a maior ferramenta de desenvolvimento". O fundo começa, explica ele, a gerar algum recurso a partir de seu investimento. Dos R$ 12 milhões aplicados em quatro longas-metragens no último ano, o FSA recebeu 30% de retorno.

Linhas

Na Linha A, voltada à produção de longas-metragens, serão disponibilizados R$ 90 milhões em 2012. Os recursos passam a ser divididos em duas modalidades de investimento: R$ 50 milhões para aporte na produção, mediante concurso, e R$ 40 milhões para aporte na complementação, em fluxo contínuo (os projetos serão analisados à medida que forem apresentados ao Fundo do Audiovisual). Segundo Rangel, apenas filmes que tenham captados no mínimo 40% do orçamento podem participar da modalidade de complementação. A ideia é complementar o orçamento, para que não seja mais necessário continuar com o processo de captação de recursos. Ao ser selecionado, o produtor abre mão do direito de continuar captando recursos para este projeto. Com isso, a Ancine espera acelerar o lançamento de diversos títulos parados no processo de captação de recursos.

A Linha B, para investimento na produção de obras para televisão aberta e fechada, contará com R$ 55 milhões disponíveis e passa a ser executada em fluxo contínuo. Com isso, a Ancine espera permitir que emissoras e programadoras planejem melhor suas grades de programação. "Esperamos que a linha possa contribuir com as obrigações criadas pela Lei 12.485", disse Rangel.

Outra novidade é que passa a ser permitida a apresentação de propostas de documentários com duração mínima de 52 minutos, além dos projetos de obras seriadas. Também foram suavizadas as exigências para participar desta linha. Agora, os canais não precisam ter um contrato com o produtor para que ele possa pleitear recursos, bastando uma carta de anuência das regras do FSA.

Um total de R$ 50 milhões estarão disponíveis para as distribuidoras independentes brasileiras na Linha C. Os recursos deverão ser aplicados na aquisição de direitos de exploração de longa-metragem nos diversos segmentos de mercado, visando a sua distribuição. A linha também passa a ser executada em fluxo contínuo. "O fundo foi responsável pelas distribuidoras independentes terem assumido a centralidade do mercado. Hoje elas representam 70% do market share de filmes brasileiros", lembra Manoel Rangel.

A Linha D conta com R$ 10 milhões para operações de investimento na comercialização de longa-metragem nas salas de cinema e também passa a funcionar por fluxo contínuo.

Análise de projetos

Segundo Manoel Rangel, com a adoção de ferramentas para filtrar projetos e pré-qualificar apenas os mais maduros para a defesa oral, o comitê gestor do FSA deve trabalhar com um prazo de três meses para analisar e decidir sobre a contratação de um projeto. Após este período, os selecionados devem assinar contratos em até um mês, recebendo os recursos até dez dias após a assinatura. O comitê é formado por três funcionários de carreira da Ancine e três funcionários de carreira do BRDE.

O BNDES tornou-se gestor do fundo, sendo responsável pelo credenciamento de instituições para operação das linhas. Segundo Luciane Gorgulho, chefe do departamento de cultura, entretenimento e turismo do BNDES, outras instituições, além do BRDE, devem ser credenciadas para operar novas linhas que sejam criadas pelo Fundo Setorial do Audiovisual. Manoel Rangel diz que novas linhas podem ser criadas no segundo semestre e promete novos recursos para a produção de TV ainda este ano.

Cronograma

Linha A – aporte na produção (concurso): 21 de maio a 06 de julho
Linha A – complementação de recursos (fluxo contínuo): a partir de 4 de junho
Linha D (fluxo contínuo): a partir de 4 de junho
Linha C (fluxo contínuo): a partir de 18 de junho
Linha B (fluxo contínuo): a partir de 28 de junho
Os editais serão publicados nos sites da Ancine e do BRDE.

Ana de Hollanda reafirma postura conservadora sobre direitos de propriedade intelectual

Ao mesmo tempo em que o Congresso estadunidense debate o Cispa, novo projeto de lei relacionado à liberdade na Internet, a ministra da Cultura Ana de Hollanda voltou a tocar no assunto durante sua participação na Feira Internacional do Livro de Bogotá, na Colômbia. A ministra reafirmou sua “enorme preocupação” com o compartilhamento de conteúdos culturais, como músicas, livros e filmes.

Segundo informações da Agência EFE, Ana de Hollanda disse que é favorável à regulação da propriedade intelectual sob a base de garantias jurídicas. Essa postura é extremamente delicada quando se trata de liberdade na Internet, pois as penalidades aos supostos infratores podem ser imunes a ações legais. O argumento é o mesmo utilizado pela Eletronic Frontier Foundation (EEF) em campanha contra o Cispa estadunidense, que trata de segurança na rede, mas inclui ponto sobre propriedade intelectual.

Ana de Hollanda, que recebeu muitas críticas na rede ao afirmar que o download vai “matar a cultura”, também disse que o tema é polêmico no mundo inteiro, incluindo o Brasil, e sustentou ser necessário “proteger os direitos de quem cria”. Ela citou a indústria fonográfica e o mercado editorial, mas destacou o cinema: “a indústria cinematográfica é caríssima e necessita de uma proteção; se se dispõe gratuitamente dela, é pirataria, e com pirataria não se paga ninguém”.

Com uma mentalidade oposta às gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira no MinC, a ministra ainda afirmou, na entrevista à Agência EFE, que “Gilberto Gil trabalhava muito por uma Internet livre e eu também trabalho por uma Internet livre para aquele que quer depositar sua obra livremente”. Vale lembrar que, no ano passado, a gestão de Hollanda retirou o selo Creative Commons do site do MinC. A licença CC, ícone da chamada cultura livre, libera conteúdos para reprodução com alguns direitos reservados (como citação da autoria, por exemplo).

De acordo com a própria matéria da Agência Efe, Ana de Hollanda propõe “uma política radicalmente diferente da de seus antecessores, que advogavam pela liberdade na rede na época em que Luiz Inácio Lula da Silva era o presidente”. Com essa postura do MinC, o governo brasileiro corre o risco de se somar ao grupo dos que pregam a vigilância na Internet e a criminalização do download, sem fomentar um debate – contemporâneo e necessário – sobre as novas formas de se produzir, consumir e distribuir cultura e a necessidade da indústria se adaptar a esses novos modelos.

Novelas brasileiras passam imagem de país branco, critica escritora moçambicana

"Temos medo do Brasil." Foi com um desabafo inesperado que a romancista moçambicana Paulina Chiziane chamou a atenção do público do seminário A Literatura Africana Contemporânea, que integra a programação da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília (DF). Ela se referia aos efeitos da presença, em Moçambique, de igrejas e templos brasileiros e de produtos culturais como as telenovelas que transmitem, na opinião dela, uma falsa imagem do país.

"Para nós, moçambicanos, a imagem do Brasil é a de um país branco ou, no máximo, mestiço. O único negro brasileiro bem-sucedido que reconhecemos como tal é o Pelé. Nas telenovelas, que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos negros como carregadores ou como empregados domésticos. No topo [da representação social] estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo", criticou a autora, destacando que essas representações contribuem para perpetuar as desigualdades raciais e sociais existentes em seu país.

"De tanto ver nas novelas o branco mandando e o negro varrendo e carregando, o moçambicano passa a ver tal situação como aparentemente normal", sustenta Paulina, apontando para a mesma organização social em seu país.  

A presença de igrejas brasileiras em território moçambicano também tem impactos negativos na cultura do país, na avaliação da escritora. "Quando uma ou várias igrejas chegam e nos dizem que nossa maneira de crer não é correta, que a melhor crença é a que elas trazem, isso significa destruir uma identidade cultural. Não há o respeito às crenças locais. Na cultura africana, um curandeiro é não apenas o médico tradicional, mas também o detentor de parte da história e da cultura popular", detacou Paulina, criticando os governos dos dois países que permitem a intervenção dessas instituições.

Primeira mulher a publicar um livro em Moçambique, Paulina procura fugir de estereótipos em sua obra, principalmente, os que limitam a mulher ao papel de dependente, incapaz de pensar por si só, condicionada a apenas servir.

"Gosto muito dos poetas de meu país, mas nunca encontrei na literatura que os homens escrevem o perfil de uma mulher inteira. É sempre a boca, as pernas, um único aspecto. Nunca a sabedoria infinita que provém das mulheres", disse Paulina, lembrando que, até a colonização europeia, cabia às mulheres desempenhar a função narrativa e de transmitir o conhecimento.  

"Antes do colonialismo, a arte e a literatura eram femininas. Cabia às mulheres contar as histórias e, assim, socializar as crianças. Com o sistema colonial e o emprego do sistema de educação imperial, os homens passam a aprender a escrever e a contar as histórias. Por isso mesmo, ainda hoje, em Moçambique, há poucas mulheres escritoras", disse Paulina.

"Mesmo independentes [a partir de 1975], passamos a escrever a partir da educação europeia que havíamos recebido, levando os estereótipos e preconceitos que nos foram transmitidos. A sabedoria africana propriamente dita, a que é conhecida pelas mulheres, continua excluída. Isso para não dizer que mais da metade da população moçambicana não fala português e poucos são os autores que escrevem em outras línguas moçambicanas", disse Paulina.

Durante a bienal, foi relançado o livro Niketche, uma história de poligamia, de autoria da escritora moçambicana.