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Liberdade de expressão? A gente não vê por aqui

Por Bia Barbosa*

Nesta terça-feira (14), a Câmara dos Deputados realizou sessão solene para homenagear os 50 anos da Rede Globo de Televisão. No plenário da Casa, ilustres autoridades, como o embaixador do Reino Unido e a representação da Unesco no Brasil. Os artistas Glória Menezes, Juca de Oliveira e Milton Gonçalves, que se definiu como um dos “fundadores” da emissora, também marcaram presença. O espaço, no entanto, ao contrário do que sempre ocorre em sessões solenes, foi fechado para os não-convidados. Estudantes de jornalismo que tentaram acompanhar a atividade foram retirados do plenário por seguranças, porque não tinham convite. As galerias, como começa a virar praxe na gestão Eduardo Cunha, também foram fechadas.

Ao longo de mais de uma hora, lideranças partidárias se revezaram para elogiar o grupo de comunicação, seu padrão de qualidade e sua contribuição “para a construção da história e da democracia brasileira”.

“Celebramos os 50 anos da Globo para prestigiar a maior emissora do Brasil, que sempre valorizou toda a nossa diversidade cultural”, disse o presidente da Câmara, destacando a “extensa pluralidade” que encontramos na sua programação, que leva “talento, informação e, principalmente, isenção à casa dos brasileiros”. “O comportamento histórico da Rede Globo pode nos ajudar a manter a democracia no Brasil”, acredita Cunha, cuja esposa é ex-apresentadora da empresa homenageada.

O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), um dos proponentes da sessão, lembrou o Globo Rural “e seu papel de divulgação da agricultura pujante do nosso Brasil”. Rômulo Gouveia (PSD/PB), outro proponente da homenagem, lembrou o “importante papel social da Globo na área da educação”, dizendo que teve a ideia da sessão solene para “imortalizar os 50 anos da emissora que tem um valor muito grande para o povo brasileiro”. Hildo Rocha (PMDB/MA) fez questão de contar as histórias de quando trabalhou na afiliada da Rede Globo em seu estado, e conseguiu levar o sinal da emissora para todo o interior do Maranhão, saindo de lá como diretor do canal. “Devemos à Globo protestos de respeito e admiração pela valorização da arte e da cultura do Brasil, pela ampla difusão das notícias, pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas, pela formação da opinião pública e pela contribuição para a ordem democrática no Brasil”, declarou.

O jornalismo da Rede Globo foi especialmente lembrado por Sergio Zveiter (PSD/RJ), por sua “ética, independência, imparcialidade, isenção, correção e agilidade”. Miro Teixeira (PROS/RJ) agradeceu ao departamento jurídico da Globo por contribuir nos embates sobre liberdade de expressão travados em julgamentos do Supremo Tribunal Federal. O líder do DEM, Mendonça Filho, assumiu o compromisso público de combater, na Câmara, qualquer tentativa de se limitar a imprensa livre e a liberdade de expressão no país. “Esta é a Casa da democracia”, garantiu.

Mas parece que a liberdade de expressão na Câmara só vale para quem concorda com os deputados. Durante a fala de Heráclito Fortes (PSB/PI), três militantes, entre eles Pedro Vilela, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), tentaram abrir uma faixa com os dizeres “A verdade é dura: a Globo apoiou a ditadura” e foram imediatamente detidos pelos seguranças da Polícia Legislativa. A faixa sequer pode ser aberta. Ao serem retirados à força, protestaram: “cadê a liberdade de expressão, Mendonça Filho?”. Na sequência da expulsão dos ativistas, os deputados manifestaram toda a sua solidariedade à emissora.

João Roberto Marinho, presidente do Conselho Editorial da Globo, reagiu dizendo que sabe que a Globo não agrada sempre. “O que vimos aqui não poderia ser diferente. Toda democracia é barulhenta (…) A TV Globo não quer fazer barulho, mas é obrigada a exibi-lo. E temos consciência que ora desagradamos uns, ora outros. Mas não defendemos partidos, religiões, comportamentos. Defendemos a democracia, a república, o império da lei e do voto”.

Ao final da sessão solene, entrevistei o presidente da Câmara sobre a expulsão dos manifestantes do plenário:

Eduardo Cunha: Os protestos tem que ser feitos dentro da ordem. Eles estavam interrompendo um orador.
Mas eles foram retirados a força antes de dizerem qualquer coisa. Era pra ser um protesto silencioso. Foram detidos no momento em que tiraram a faixa da mochila.
Eduardo Cunha: Faixa tem que ser na galeria.
Mas o senhor fechou as galerias, deputado.
Eduardo Cunha:
Foram distribuídas senhas e convites para esta sessão.
Então era só pra convidados? Não havia possibilidade de um protesto silencioso?Eduardo Cunha: Não foi silencioso. Eu vi bem lá de cima quando eles começaram a gritar.
Mas isso foi quando eles foram retirados à força.
Eduardo Cunha Eles já estavam interrompendo o orador antes.

Vamos dormir com um barulho desses?

Protestos em diversas capitais estão sendo organizados para o dia 26 de abril, data oficial do aniversário da TV Globo. Que a liberdade de expressão seja um direito de todos em todas. Inclusive dentro da Câmara dos Deputados.

Atos fora Globo: 50 anos de mentira
São Paulo: https://www.facebook.com/events/373059119549128/

Belo Horizonte: https://www.facebook.com/events/1434303450215252/
Brasília: https://www.facebook.com/events/1422568291383735/

Curitiba – Semana de Descomemoração de Aniversário da Globo: https://www.facebook.com/events/1576318852652962/permalink/1576373409314173/

* Bia Barbosa é jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

2º ENDC começa nesta sexta (10/4)

Começa nesta sexta-feira, (10/4) em Belo Horizonte-MG, o 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC), organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) com o apoio de diversas entidades e movimentos. O evento reunirá militantes de movimentos sociais, sindicais, estudantes, acadêmicos e ativistas e terá como eixo central a reivindicação de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Num momento em que o Ministério das Comunicações anuncia a abertura de um debate público sobre a regulação da mídia no país, o encontro buscará ampliar a mobilização da sociedade civil em torno da ampliação da pluralidade e diversidade nos meios brasileiros e da garantia do direito à comunicação para todos e todas.
Além do Ministro Ricardo Berzoini, que já confirmou presença, o Encontro contará com a participação de diversos especialistas internacionais do campo das comunicações. O objetivo é estimular a reflexão sobre experiências de países que avançaram na revisão e atualização de seus marcos legais para o setor, como o Uruguai e a Argentina, e debater o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, elaborado pelos movimentos sociais brasileiros.
Jornalista, pesquisador e professor da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra é um dos mais proeminentes especialistas em sistemas de mídia na América Latina, incluindo processos de concentração econômica nas comunicações. Autor de livros referência na área, como “Periodistas e Magnatas: estrutura e concentração das indústrias culturais” e “Os donos da palavra: acesso, estrutura e concentração dos meios na América Latina do século XXI”, Becerra participará do encontro ao lado de outro colega argentino, também especialista no tema, Guillermo Mastrini, que participou da elaboração da Ley de Medios naquele país.
Do Uruguai, virá o assessor de comunicação do ex-presidente José Pepe Mujica, Gustavo Gómez, um dos formuladores da recém sancionada Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual no Uruguai. Gómez vai narrar essa experiência e discutir como os movimentos sociais enfrentaram o discurso conservador da grande imprensa contra a iniciativa de democratização do setor.
Do Canadá virá o advogado Toby Mendel, pesquisador em comunicação e consultor internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). É diretor-
executivo do Centro de Direito e Democracia, organização internacional de direitos humanos com foco no fornecimento de conhecimento legal sobre direitos fundamentais para a democracia, incluindo o direito à informação, à liberdade de expressão, de participação e associação. Mendel elaborou diversos projetos legislativos sobre regulação da mídia e publicou obras sobre o tema.
O Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação contará ainda com a presença de representantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), do Ministério Público Federal e da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações. Temas como o Plano Nacional de Banda Larga e regulamentação do Marco Civil da Internet também estão entre os debates do encontro. Cerca de 40 atividades autogestionadas, propostas por organizações de todo o país, integram a programação, que começa na sexta-feira com um grande ato cultural na Praça da Liberdade (veja íntegra abaixo).
– Mais informações e inscrições (https://www.doity.com.br/2endc)
– Facebook (https://www.facebook.com/events/801657623221059/)
Local: Instituto Metodista Izabela Hendrix (Campus Praça da Liberdade) – Rua da Bahia, 2020 – Lourdes, Belo Horizonte/MG
Programação
Sexta-feira, 10 de abril
16h às 22h – Ato cultural pelo Direito à Comunicação
Local: Praça da Liberdade (centro de Belo Horizonte)
Sábado, 11 de abril
9h – Cerimônia de abertura
10h – O cenário internacional e os desafios do Brasil para enfrentar a regulação democrática da mídia e garantir o direito à comunicação
• Ricardo Berzoini – Ministro de Estado das Comunicações
• Toby Mendel (Canadá) – consultor da Unesco e diretor-executivo do Centro de Direitos e Democracia
• Martín Becerra (Argentina) – professor e pesquisador da Universidade de Buenos Aires e Universidade Nacional de Quilmes
• João Bosco Araujo Fontes Junior – procurador regional da República e membro do grupo de trabalho Comunicação Social da Procuradoria Federal.
• Rosane Bertotti – coordenadora-geral do FNDC
13h/14h – Almoço
14h – A luta por uma comunicação mais democrática na América Latina
• Gustavo Gómez (Uruguai) – professor e ex-secretário nacional de Telecomunicações do Uruguai, um dos formuladores da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (2014)
• Guillermo Mastrini (Argentina) – professor e pesquisador, coordena o Programa de Pós-
Graduação em Indústrias Culturais da Universidade Nacional de Quilmes
16h/16h30 – coffee-break
16h30 – Atividades autogestionadas
18h30/19h30 – Jantar
19h30 – Internet, um direito fundamental
• Flávia Lefèvre
– representante da campanha “Banda Larga é um Direito Seu!”
Carlos Alberto Afonso – representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)
Maximiliano Martinhão – secretário nacional de Telecomunicações, responsável por executar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)
Domingo, 12 de abril
9h – Atividades autogestionadas
11h/13h30 – Projeto de Lei da Mídia Democrática e estratégias de lutas
13h30 /14h30 – Almoço
14h30 – Ato de encerramento

Fonte: FNDC

Uma agenda de curto prazo para o Ministério das Comunicações

Nesta quarta-feira (28), o ministro das Comunicações Ricardo Berzoini recebeu a executiva do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), que reúne os principais movimentos e organizações que defendem a liberdade de expressão e o direito à comunicação no país. O Intervozes esteve presente. Na pauta, necessariamente, o debate sobre como Berzoini pretende conduzir as discussões públicas sobre a elaboração de um novo marco regulatório para o setor no Brasil. O ministro reafirmou as declarações já feitas na imprensa: esta gestão Dilma quer enfrentar o tema, “desmistificando conceitos e compartilhando informações”, como explicou.

O processo de construção e aprovação de um novo marco regulatório, entretanto, levará tempo e encontrará obstáculos não apenas junto ao empresariado, mas também no Congresso Nacional.

Como o quadro atual do sistema midiático brasileiro requer ações urgentes, bastando para isso vontade política e uma mudança de postura do Ministério das Comunicações, o FNDC apresentou a Berzoini questões que podem ser tratadas no curto prazo, independentemente da aprovação de uma nova lei geral para o setor. Isso porque o marco normativo atualmente em vigor no Brasil já garante os elementos necessários para que tais desafios sejam finalmente enfrentados por essa gestão governo federal. É só querer.

Compartilhamos abaixo algumas delas, na expectativa de que o nomo ministro efetivamente cumpra o que tem anunciado: fazer diferente.

1. Proibição de outorgas para deputados e senadores

O artigo 54 da Constituição aponta, em seus dois primeiros parágrafos, como fundamento da República, que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. O artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações também determina, em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. No entanto, há 40 deputados federais e senadores, da legislatura que termina neste domingo (1), que controlam diretamente pelo menos uma emissora de rádio ou televisão em seu estado de origem.

2. Combate aos arrendamentos/subconcessões

Levantamento de arrendamentos na grade de programação da TV aberta, feito pelo Intervozes, aponta que algumas emissoras chegam a ter 92% do seu tempo vendido para terceiros, como a Rede 21, do Grupo Bandeirantes. Há casos também de emissoras maiores, como a RedeTV, que cresceu, nos últimos quatro anos, de 32% para 50% o percentual de sua grade arrendada. As igrejas cristãs são as responsáveis pela parte mais significativa dessas compras. A Igreja Universal do Reino de Deus, proprietária da Record e da TV Universal, por exemplo, paga cerca de 12 milhões por mês para o Canal 21 e para a CNT. Recentemente, o Ministério Público Federal de São Paulo entrou com três ações contra arrendamentos ilegais. Foram acionados na Justiça o grupo de TV CNT e o Canal 21 do grupo Bandeirantes pelo arrendamento ilegal de 22 horas diárias das suas programações para a Igreja Universal do Reino de Deus. O Ministério das Comunicações é réu nas ações, pois o MPF considera que o órgão deveria impedir a prática, e não o faz.

Segundo o MPF, a subconcessão é inconstitucional pois (i) viola o princípio da licitação e a regra da isonomia, e (ii) a concessão possui caráter personalíssimo. Ainda que se admita a legalidade da subconcessão, seriam necessárias (i) a previsão no edital de licitação inicial da outorga, (ii) a permissão contratual, (iii) a prévia autorização do Poder Executivo e (iv) a realização de concorrência pública. Na venda de programação, nada disso é feito. Já se for considerado o aspecto mercadológico do negócio, a legislação brasileira também está sendo desrespeitada, visto que o art. 124 Código Brasileiro de Telecomunicações e o art. 28, §12, “d”, do Decreto Presidencial nº 52.795/63 determinam que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% da programação. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) determina fim do direito à outorga se a concessionária ou permissionária descumprir o contrato de concessão ou permissão, ou as exigências legais e regulamentares (art. 67). Mas o Ministério das Comunicações e o Congresso nacional nunca fizeram isso.

3. Enfrentamento ao livre mercado de compra e venda de outorgas de rádio e TV

A radiodifusão, além de ser um serviço público, utiliza um bem público: o espectro eletromagnético. Apesar disso, muitos concessionários utilizam a outorga obtida junto à União como uma mercadoria por meio das vendas declaradas ou das negociações não públicas conhecidas como “contratos de gaveta”. Ao mesmo tempo, transferências diretas e indiretas de outorgas também revelam a apropriação privada de recursos públicos. Previstas em lei, desde que autorizadas pelo Poder Executivo, as transferências de outorgas já são consideradas inconstitucionais – há jurisprudência nesse sentido e uma ação da Procuradoria Geral da República questiona um dispositivo análogo na lei de concessões. Além disso, uma série de transferências ocorrem sem a anuência do Poder Executivo.

4. Garantia do respeito aos limites à concentração de propriedade já existentes

A legislação brasileira veda que um mesmo ente possua mais de cinco emissoras em VHF ou mais de 10 em UHF no território nacional, bem como duas outorgas do mesmo serviço na mesma localidade. No entanto, esses limites são burlados cotidianamente no país. Um primeiro problema é o uso de estruturas societárias diferentes dentro de um mesmo grupo comercial. Um segundo problema é a afiliação em rede, cuja ausência de regramento permite, além da concentração de veículos por poucos grupos econômicos, contratos com obrigações excessivas para as afiliadas e a verticalização da produção audiovisual brasileira. Normas infralegais poderiam constituir mecanismos que identificassem os grupos comerciais, aplicando os limites à concentração de propriedade já existentes para estes.

5. Responsabilização das emissoras por violações de direitos humanos na programação

Em busca de audiência, canais multiplicam violações com a profusão de programas policialescos e conteúdos baseados na estigmatização e humilhação. Denúncias crescentes nas Procuradorias dos Direitos do Cidadão comprovam uma questão sistemática. No processo de fiscalização das obrigações de conteúdo, além de não realizar um acompanhamento sistemático do que é veiculado, o MiniCom trabalha e orienta a Anatel a considerar apenas as normas dispostas no CBT e no regulamento do serviço de radiodifusão. O Código afirma que constitui abuso no exercício da radiodifusão o emprego dos meios de comunicação para a promoção de campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião. Já o Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico” (Art.28, item 12).

Além de ser complexo enquadrar determinada programação na definição de campanha discriminatória, o MiniCom não considera as demais leis e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que tratam do tema, como o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê, por exemplo, que o poder público deve garantir medidas para “coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas”(Art. 26). Em relação às eventuais sanções aplicadas, apesar de serem gradativas, elas não podem ser consideradas cumulativas em casos de reincidência. Assim, mesmo que uma emissora tenha como prática sistemática a difusão de conteúdos atentatórios contra os direitos humanos, ela nunca chegará a perder sua licença por este motivo. O valor aplicado também não é dissuasivo. Em 2013, as multas tinham como teto R$ 76.155,21, sendo que, por apenas 30 segundos de inserção publicitária, as emissoras cobram o valor médio de R$ 15 mil.

6. Fim da criminalização às rádios comunitárias

É urgente promover uma mudança institucional no sentido de barrar a criminalização histórica das rádios comunitárias. Principal veículo de exercício da liberdade de expressão de milhares de comunidades em todo o país, essas rádios sofrem a frequente repressão por parte da Anatel, movida na maior parte dos casos por denúncias de rádios comerciais concorrentes. Ações de fechamento e lacração de emissoras tem levado, sem qualquer justificativa, além da detenção de líderes comunitários, à apreensão de equipamentos preciosos para a população e à cobrança de multas que colocam as associações em situação mais precária do que a em que já se encontram. A anistia dessas multas e a devolução dos equipamentos confiscados é uma medida urgente para a sobrevida deste movimento. A desburocratização dos processos de autorização (há casos de espera de quase 10 anos) e a criação de um mecanismo de financiamento para as rádios comunitárias, que seja compatível com a lei 9612/98, também são estratégicos para a sustentabilidade dos canais.

7. Universalização do acesso à banda larga

O Programa Nacional de Banda Larga foi lançado em maio de 2010 com objetivo de ampliar os acessos à Internet de alta velocidade no país. Embora os acessos tenham crescido desde então, mais da metade dos domicílios brasileiros permanece desconectada, o que se soma a uma considerável desigualdade regional e um profundo fosso entre áreas urbanas e rurais. O cenário atual é reflexo de uma das falhas mais graves do Programa – a não consideração do serviço de banda larga como essencial e a crença de que meros incentivos ao mercado são capazes de superar desigualdades e garantir direitos. O plano de banda larga popular e as metas destinadas à área rural são também retratos dessa insuficiência e precisam ser revistos. A Presidenta Dilma tratou esse tema com prioridade em sua campanha e se comprometeu com a universalização do acesso à banda larga. Contudo, isso deve ser feito de acordo com a legislação brasileira, com a sua prestação também em regime público, conferindo ao poder público instrumentos regulatórios suficientes para exigir obrigações das empresas. Deve ser feito também com investimentos em redes de fibra ótica e fortalecimento da Telebras. Por fim, a concepção e implementação de uma nova fase do PNBL deve ter a participação social como um de seus pilares, assim como ocorreu com o Marco Civil da Internet.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Recife será sede de evento preparatório ao II ENDC

*Por Eduardo Amorim e Ivan Moraes Filho

As jornadas de junho de 2013 criaram em várias cidades brasileiras a esperança do fortalecimento de uma nova sociedade civil. De fato, o gigante não “acordou” naquele ano porque, de fato, nunca dormiu.

Basta abrir os olhos e acompanhar a luta contra as desapropriações da Copa do Mundo da Fifa –  que agora continuam para que as vítimas sejam indenizadas. Buscar na internet e perceber toda a discussão sobre a violência policial nas manifestações.  Estar de ouvidos abertos e escutar protestos tão históricos e atuais como o passe livre e os movimentos pelo direito à cidade que se materializam nos  #ocupes (Estelita, Cocó, Isidoro, Golfe, Porto do Capim e outros). Movimentos feministas, contra a proibição das drogas, pela garantia do estado laico… Em suas diversas trincheiras, a sociedade está mobilizada e quer se transformar.

É verdade, porém, que a maior parte da discussão sobre o mundo melhor que queremos (e acreditamos possível) continua invisível na chamada “grande mídia”. Como teriam ficado essas discussões sem uma rede independente de comunicação?

Precisamos reconhecer a dimensão do momento histórico que se expressa através do fortalecimento dos coletivos organizados via internet na produção de conteúdo para diferentes movimentos sociais. E da necessidade que temos de não só discuti-los (na academia e em outros círculos), mas principalmente reuni-los e unir forças para que estejamos juntos na luta pela democratização da comunicação.

Essa discussão – que não é nova – foi feita durante o I Encontro dos Atingidos por Megaeventos e Megaempreendimentos, em Belo Horizonte, em 2014. Ganhou força, evidentemente, com todas as críticas que foram feitas à mídia tradicional durante as eleições e especialmente durante o segundo turno, entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Ao que tudo indica, o “terreno” é fértil para se fazer este debate ganhar força em nosso país. Estamos a menos de três meses do II Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação ( II ENDC) que será realizado na capital mineira durante os dias 10 e 12 de abril.

Antes disso, no Recife, sede do primeiro ENDC, acontecerá o Encontro Regional do Direito à Comunicação (12 a 14 de março). Vamos nos reunir na Universidade Católica de Pernambuco, com lideranças nordestinas, para trocar informações sobre as lutas em cada um dos estados e também entre os diferentes segmentos da luta pelo direito à comunicação: midiativistas, academia, comunicadores comunitários e populares, dirigentes de emissoras públicas, sindicatos, coletivos, operadores do direito e representantes de entidades da sociedade civil.

Na pauta, o fortalecimento do sistema público, o combate à censura, a sustentabilidade da comunicação popular, local, independente e comunitária, e – naturalmente – a construção de estratégias para uma regulação democrática da radiodifusão.

Para quem chega agora na discussão, regulação econômica é um pontinho numa pauta extensa que temos e negociamos. Como ponto de partida para este debate, dezenas de entidades da sociedade civil e de movimentos sociais têm se organizado para encaminhar o projeto de Lei da Mídia Democrática, de iniciativa popular, para regulamentar o que diz a Constituição em relação às rádios e televisões brasileiras.

Na verdade, por mais que os meios de comunicação comerciais procurem sonegar esta informação, a radiodifusão no Brasil já é regulada. Você não pode simplesmente comprar um transmissor e começar a transmitir. Você não é livre para isso. Nossas normas não permitem. Quem faz isso, mesmo com legitimidade, infringe a lei e pode ser preso. Mesmo se você for concessionário de uma outorga, é o Estado quem vai dizer onde você pode colocar a antena e há certas obrigações que devem ser cumpridas, como transmitir a Hora do Brasil ou os avisos da Classificação Indicativa. O nome disso é regulação.

A nossa radiodifusão é regulada principalmente por uma lei de 1962, pré-ditadura. A maneira com que essas regras foram elaboradas (permitindo até a década de noventa a distribuição discricionária das concessões) fez com que tivéssemos um ambiente de mídia concentrado na mão de poucos sujeitos do poder econômico e político. Isso é um fato.

O que precisamos há anos é de uma regulação que seja condizente com a nova Constituição, especialmente no que ela prega nos artigos 220-224 (valem a leitura). Que amplie a oferta de conteúdos DIFERENTES, que possibilite a existência de um sistema não-comercial, não governamental de transmissão, que aumente a oferta de conteúdo local e independente. É preciso criar um pacto: só discutimos regulação nesses termos!

Não adianta ficar se estressando pelas redes sociais com quem quiser falar em censura, mordaça ou qualquer coisa desse tipo. Não é de regulação que estão falando. Aliás, chance grande é de que quem confunde essas coisas não sabe o que tá falando – o que é realmente uma pena. Os grandes meios de comunicação, por outro lado, não agem por ignorância quando tentam silenciar e estigmatizar os diversos grupos que lutam pela democratização da comunicação no Brasil.

Um radialista conhecido em Pernambuco postou recentemente a seguinte pérola no Facebook: “se um político roubar será que ele vai deixar a mídia divulgar?”  É difícil que o experiente comunicador não saiba que uma parte significativa de nossos radiodifusores são políticos (e vice-versa). Também improvável que não conheça as relações de poder existentes entre seus patrões e o poder público nas mais diversas esferas.

E assim seguimos, com um importante debate (sobre o próprio direito de debater) sendo conduzido com todo o cuidado para que a diversidade das opiniões continue sendo omitida pela grande mídia. E por isso é tão importante que a discussão comece pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Sigamos juntos.

*Eduardo Amorim é integrante do Intervozes e Ivan Moraes Filho é integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Comunicação também é direito humano fundamental

Por Helena Martins*

O Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado nesta quarta-feira, também é um dia de luta por mudanças no sistema de comunicação do país. Isso porque, mais que um serviço ou técnica, compreendemos que a comunicação é um direito humano fundamental. Nesse sentido, para celebrar este 10 de dezembro e trazer à tona essa discussão, nosso blog publicará, nas próximas semanas, artigos que tratam desse direito e da sua relação com os demais. Afinal, compreendemos que a ausência do reconhecimento do direito à comunicação se constitui num dos maiores obstáculos para sua efetivação hoje em nosso país.

Neste primeiro artigo, buscamos traduzir o que significa direito à comunicação. O conceito foi sendo construído, ao longo do século XX, devido ao fato de termos passado a viver em um mundo com um fluxo de informação cada vez maior. Acontecimentos como as guerras mundiais e escândalos políticos envolvendo a mídia deixaram claro que a comunicação se tornou elemento central para a constituição de uma sociedade democrática.

Isso levou organizações internacionais como a Unesco e mesmo nações como a Bolívia a reconhecerem oficialmente esse direito. Mesmo o Brasil já possui uma lei que se refere à comunicação como direito: o Estatuto da Juventude, em seu artigo 26, estabelece que “o jovem tem direito à comunicação e à livre expressão, à produção de conteúdo, individual e colaborativo e ao acesso às tecnologias de informação e comunicação”.

Na prática, o direito humano à comunicação significa que todas as pessoas devem poder e ter condições para se expressar livremente, ser produtoras de informação, fazer circular essas manifestações, sejam elas opiniões ou produções culturais. Portanto, não basta ter liberdade de expressão ou acesso a uma vasta gama de fontes de informações. É preciso que Estado e sociedade adotem medidas para garantir que todos e todas possam exercer esse direito plenamente.

Neste sentido, é necessário atuar contra as diferenças econômicas, sociais e políticas que fazem tão poucos terem condições de serem produtores/as e difusores/as. Significa impedir, como prevê a Constituição, qualquer forma de concentração dos meios de comunicação. Significa promover a diversidade cultural, apoiando a produção e a veiculação de conteúdo regional, combatendo os preconceitos e distorções na forma como a mulher, o/a negro/a, o/a homossexual, os/as povos tradicionais e tantos outros e outras são retratados pela mídia.

Significa defender a exigibilidade dos direitos como forma de prevenir ou reparar violações. Por isso, defendemos que as rádios comunitárias sejam estimuladas e não combatidas. Lutamos contra a repressão e o cerceamento da liberdade de expressão de ativistas e movimentos sociais. Repudiamos a violência e a lógica calar jornalistas e comunicadores/as populares, seja por meio de bala de borracha ou decisões judiciais. Afinal, não é aceitável que se trate como crime o exercício de um direito.

Em um ciclo positivo, os meios de comunicação podem ser ferramentas para a garantia de diversos direitos, como o direito à educação, saúde, cultura, lazer, participação política, território, vida. Assim a comunicação, além de efetiva, intensa e diversa, poderá ser também libertadora.

* Helena Martins é jornalista, doutoranda em Políticas de Comunicação na UnB e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.