Recife será sede de evento preparatório ao II ENDC

*Por Eduardo Amorim e Ivan Moraes Filho

As jornadas de junho de 2013 criaram em várias cidades brasileiras a esperança do fortalecimento de uma nova sociedade civil. De fato, o gigante não “acordou” naquele ano porque, de fato, nunca dormiu.

Basta abrir os olhos e acompanhar a luta contra as desapropriações da Copa do Mundo da Fifa –  que agora continuam para que as vítimas sejam indenizadas. Buscar na internet e perceber toda a discussão sobre a violência policial nas manifestações.  Estar de ouvidos abertos e escutar protestos tão históricos e atuais como o passe livre e os movimentos pelo direito à cidade que se materializam nos  #ocupes (Estelita, Cocó, Isidoro, Golfe, Porto do Capim e outros). Movimentos feministas, contra a proibição das drogas, pela garantia do estado laico… Em suas diversas trincheiras, a sociedade está mobilizada e quer se transformar.

É verdade, porém, que a maior parte da discussão sobre o mundo melhor que queremos (e acreditamos possível) continua invisível na chamada “grande mídia”. Como teriam ficado essas discussões sem uma rede independente de comunicação?

Precisamos reconhecer a dimensão do momento histórico que se expressa através do fortalecimento dos coletivos organizados via internet na produção de conteúdo para diferentes movimentos sociais. E da necessidade que temos de não só discuti-los (na academia e em outros círculos), mas principalmente reuni-los e unir forças para que estejamos juntos na luta pela democratização da comunicação.

Essa discussão – que não é nova – foi feita durante o I Encontro dos Atingidos por Megaeventos e Megaempreendimentos, em Belo Horizonte, em 2014. Ganhou força, evidentemente, com todas as críticas que foram feitas à mídia tradicional durante as eleições e especialmente durante o segundo turno, entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.

Ao que tudo indica, o “terreno” é fértil para se fazer este debate ganhar força em nosso país. Estamos a menos de três meses do II Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação ( II ENDC) que será realizado na capital mineira durante os dias 10 e 12 de abril.

Antes disso, no Recife, sede do primeiro ENDC, acontecerá o Encontro Regional do Direito à Comunicação (12 a 14 de março). Vamos nos reunir na Universidade Católica de Pernambuco, com lideranças nordestinas, para trocar informações sobre as lutas em cada um dos estados e também entre os diferentes segmentos da luta pelo direito à comunicação: midiativistas, academia, comunicadores comunitários e populares, dirigentes de emissoras públicas, sindicatos, coletivos, operadores do direito e representantes de entidades da sociedade civil.

Na pauta, o fortalecimento do sistema público, o combate à censura, a sustentabilidade da comunicação popular, local, independente e comunitária, e – naturalmente – a construção de estratégias para uma regulação democrática da radiodifusão.

Para quem chega agora na discussão, regulação econômica é um pontinho numa pauta extensa que temos e negociamos. Como ponto de partida para este debate, dezenas de entidades da sociedade civil e de movimentos sociais têm se organizado para encaminhar o projeto de Lei da Mídia Democrática, de iniciativa popular, para regulamentar o que diz a Constituição em relação às rádios e televisões brasileiras.

Na verdade, por mais que os meios de comunicação comerciais procurem sonegar esta informação, a radiodifusão no Brasil já é regulada. Você não pode simplesmente comprar um transmissor e começar a transmitir. Você não é livre para isso. Nossas normas não permitem. Quem faz isso, mesmo com legitimidade, infringe a lei e pode ser preso. Mesmo se você for concessionário de uma outorga, é o Estado quem vai dizer onde você pode colocar a antena e há certas obrigações que devem ser cumpridas, como transmitir a Hora do Brasil ou os avisos da Classificação Indicativa. O nome disso é regulação.

A nossa radiodifusão é regulada principalmente por uma lei de 1962, pré-ditadura. A maneira com que essas regras foram elaboradas (permitindo até a década de noventa a distribuição discricionária das concessões) fez com que tivéssemos um ambiente de mídia concentrado na mão de poucos sujeitos do poder econômico e político. Isso é um fato.

O que precisamos há anos é de uma regulação que seja condizente com a nova Constituição, especialmente no que ela prega nos artigos 220-224 (valem a leitura). Que amplie a oferta de conteúdos DIFERENTES, que possibilite a existência de um sistema não-comercial, não governamental de transmissão, que aumente a oferta de conteúdo local e independente. É preciso criar um pacto: só discutimos regulação nesses termos!

Não adianta ficar se estressando pelas redes sociais com quem quiser falar em censura, mordaça ou qualquer coisa desse tipo. Não é de regulação que estão falando. Aliás, chance grande é de que quem confunde essas coisas não sabe o que tá falando – o que é realmente uma pena. Os grandes meios de comunicação, por outro lado, não agem por ignorância quando tentam silenciar e estigmatizar os diversos grupos que lutam pela democratização da comunicação no Brasil.

Um radialista conhecido em Pernambuco postou recentemente a seguinte pérola no Facebook: “se um político roubar será que ele vai deixar a mídia divulgar?”  É difícil que o experiente comunicador não saiba que uma parte significativa de nossos radiodifusores são políticos (e vice-versa). Também improvável que não conheça as relações de poder existentes entre seus patrões e o poder público nas mais diversas esferas.

E assim seguimos, com um importante debate (sobre o próprio direito de debater) sendo conduzido com todo o cuidado para que a diversidade das opiniões continue sendo omitida pela grande mídia. E por isso é tão importante que a discussão comece pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Sigamos juntos.

*Eduardo Amorim é integrante do Intervozes e Ivan Moraes Filho é integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

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