Diversos setores têm se mostrado preocupados com a utilização que será dada à faixa de 700 MHz do espectro radioelétrico (onde estão os canais de 52 a 69 do UHF). Empresas de telecomunicação divergem das concessionárias de radiodifusão. Grupos privados demonstram preocupações diferentes do setor público. A falta de consenso no setor ficou evidente na audiência pública realizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no dia 27 de março.
Com a transição da TV analógica para a TV Digital, que se encontra hoje em andamento, há a possibilidade do “adensamento” da faixa explorada pela radiodifusão. Em outras palavras, é possível transmitir um número maior de programações dentro do mesmo espaço radioelétrico. O Governo Federal entende e propõe a partir disso, com o apoio das empresas de telecomunicação, que o caminho correto a seguir seria o da “liberação” da chamada faixa de 700 MHz para a exploração do serviço de banda larga móvel (4G), restringindo o serviço de televisão aberta nas faixas inferiores (UHF canais 14-51).
A decisão de explorar a faixa de 700 MHz para o serviço de telecomunicações gera desconforto entre radiodifusores públicos e privados. Ambos temem que em grandes cidades, em que há grande número de emissoras e concessões, não seja possível realizar a reacomodação de todos os concessionários de forma adequada, eliminando alguns atores da cena.
As empresas privadas de radiodifusão defendem que a “faixa liberada para banda larga deveria ser inferior a 108 MHz” (a chamada faixa de 700 MHz abrange o intervalo entre os 698 MHz e 806 MHz) nos municípios em que há grande demanda para o serviço de radiodifusão, defendeu o engenheiro da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Paulo Ricardo Balduíno. Os empresários reclamam também da interferência que a tecnologia utilizada naquele espaço de frequência possa vir a causar nos serviços de televisão aberta.
Os grupos ligados ao chamado “campo público” denunciam que há marginalização das empresas não comerciais e quebra de compromissos assumidos durante o governo Lula. Segundo consta na Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital (Norma nº 01/2009), “os canais 60 a 68 serão destinados exclusivamente para os Serviços de Televisão e de Retransmissão de Televisão Pública Digital”. “É o consumidor ou o cidadão que está sendo avaliado como pessoa interessada no processo de destinação dessa faixa de espectro”, questionou Nelson Breve, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Teme-se que com a reacomodação não sejam garantidos em sua integralidade os canais previstos para a exploração da TV pública, como o Canal da Cidadania, ou que estas emissoras sejam deslocadas para a faixa chamada de “alto VHF” (canais 7-13), o que limitaria a utilização de funcionalidades do serviço de TV Digital para essas emissoras. O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, já desmentiu essas informações em visita à Câmara dos Deputados.
Entidades que lutam pela democratização da comunicação manifestaram suas preocupações . Gésio Passos, do Coletivo Intervozes, reclamou que a decisão sobre a faixa de 700 MHz vem sendo tomada sem nenhuma discussão pública pelo Governo Federal. Apontou como exemplo disso a ausência do Ministério das Comunicações na audiência pública, enquanto a Anatel se defende afirmando que não é responsável pela formulação da política, mas apenas por sua aplicação. “A gente quer que esse debate venha à tona para ser discutido qual uso vai ter pra sociedade”, reivindicou.
O Exército Brasileiro e as polícias Militar e Civil também reivindicaram um bloco de 20 MHz na faixa de 700 MHz para o uso no serviço de segurança pública. A proposta contou com o apoio do representante da empresa “Motorola Solutions”.
Teles ameaçam fundo da comunicação pública
O financiamento da Empresa Brasil de Comunicação é um dos principais pontos de debate sobre a autonomia da comunicação pública. Hoje as empresas de telecomunicação são quem mais ameaçam o mecanismo criado pela Lei 11652/2008 que permite a ampliação dessa independência financeira.
O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil) já anunciou em nota que vai recorrer em segunda instância contra decisão da Justiça Federal que deu voto favorável à EBC, negando o mandado de segurança que questiona a constitucionalidade da contribuição das empresas de telecomunicações para o fomento à radiodifusão pública.
As empresas de telecomunicação querem se isentar de pagar a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, instituída pela Lei 11652/2008, alegando que seria inconstitucional obrigá-las a financiar um serviço que seria de natureza diferente da do mercado que elas exploram. A juíza Maria Cecília considerou, em primeira instância, que “a contribuição cobrada das empresas de radiodifusão visa a permitir o serviço público de informação educativa à população” e que "há correlação entre a prestação dos serviços de telecomunicação e de radiodifusão e a quantidade de estações, na medida em que o número de estações pode ser sinal da intensidade da prestação dos serviços".
A Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública corre também o risco de ter seu valor diminuído também por meio do Projeto de Lei 3655/12, do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que tramita nas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania; em caráter conclusivo e prevê a utilização de uma tabela que reduz o seu montante.
Segundo a própria EBC, o volume médio arrecado e depositado pelas teles em juízo (não pode ser utilizado até a conclusão do processo) gira em torno de R$ 350 milhões anuais. A EBC teria direito ao mínimo de 75% da arrecadação com a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, conforme fixado pela Lei 11.652/2008, o que representaria mais da metade do orçamento estimado para a EBC em 2013. O prazo para esse depósito está previsto anualmente para o dia 31 de março. De acordo com a Anatel, a dívida geral das empresas de telecomunicação com a União já atinge o número recorde de R$ 25 bilhões.
Conselho Curador pauta a autonomia da EBC
A autonomia da comunicação pública encontra-se em discussão. No dia 20 de março (quarta), o Roteiro de Debates promovido pelo Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação teve como tema “"O Modelo Institucional da EBC e as relações com o Governo Federal". Entre as principais preocupações foram apontados o “modelo institucional” que vincula a empresa à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e as relações financeiras.
De acordo com Murilo Ramos, professor da Universidade de Brasília e especialista em Políticas de Comunicação, a EBC nasceu em um contexto político que alterou o seu “destino natural”, que seria o de vincular-se com os órgãos federais da cultura. Havia durante o governo Lula o Fórum Nacional das TV’s Públicas, gestado com o apoio do Ministério da Cultura. Na criação da empresa, porém, aproximou-se a sua direção do centro do poder executivo, o que para o pesquisador é negativo e deveria ser modificado. “Vincular a EBC à Secom foi incidental. Não era pra ser assim”, afirmou.
Murilo Ramos identifica na relação da EBC com a Secom uma similaridade com o fenômeno denominado pela literatura acadêmica pelo nome de “porta giratória”, em que pessoas em posições estratégicas de governo são conduzidas a corporações, estreitando de forma negativa os laços entre órgãos que deveriam prezar pela autonomia. Segundo ele, cerca de dez pessoas já saíram da Secom para a EBC desde a posse do governo Dilma. No último dia 11 foram nomeados para cargos de direção a jornalista Yole Mendonça (ex-Secretária Executiva da Secom) e Antônio Carlos Gonçalves (ex-Diretor de Patrocínio da Secom)
Para o presidente da EBC, Nelson Breve, a principal ameaça à autonomia da empresa seria relativa às fontes orçamentárias. “”Nenhuma das outras questões é mais relevante do que assegurar a autonomia financeira da empresa, solucionar qualquer uma das outras preocupações não significa mais autonomia”, defende.
O presidente da EBC lamentou também a ausência de uma atuação governamental que considere a comunicação de forma ampla. Segundo Breve, “a ausência de uma política de comunicação faz com que cada um tenha a sua”, o que dificulta a obtenção de avanços.
Outros pontos sobre a autonomia foram também levantados. Propôs-se a participação de membros do Conselho Curador no Conselho de Administração da EBC e uma maior mediação na nomeação de conselheiros. ““Não deve ser deixado ao arbítrio exclusivo da presidência da república”, afirmou Ramos.
O debate terá prosseguimento com um seminário realizado pelo Conselho Curador nos dias 15 e 16 de abril e com a formação de um Grupo de Trabalho durante a próxima reunião ordinária do conselho no dia 17 de abril.
Proposta de condições de uso da faixa de 700 MHz será debatida em Brasília no dia 27
Redação – Anatel
A Anatel realiza, no próximo dia 27 de março, audiência pública sobre a proposta de Regulamento sobre Condições de Uso de Radiofrequências na Faixa de 698 MHz a 806 MHz, objeto da Consulta Pública n° 12/ 2013 . O evento ocorrerá na Sede da Agência, em Brasília.
Atualmente, a radiodifusão utiliza a faixa de 700 MHz. A proposta de nova destinação se tornou possível devido à transição da TV analógica para a TV Digital, que permitirá maior adensamento na faixa dedicada à radiodifusão, liberando mais espaço para a prestação de serviços de telecomunicações.
Observatório da Imprensa aborda na TV regulação da mídia britânica e mexicana
Redação – Observatório da Imprensa
No dia 26 de março (terça), às 20h, o programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, vai analisar dois recentes casos de regulamentação da mídia: na Inglaterra e no México. O debate se relaciona com o Brasil, na medida em que no mês de março o Ministério das Comunicações alegou que não se faria revisão no marco regulatório brasileiro devido à chegada do período eleitoral, o que suscitou críticas da sociedade civil
O parlamento britânico fechou, dia 18 de março, um acordo com os principais partidos para regulamentar a mídia no Reino Unido. Depois dos escândalos dos tabloides de Rupert Murdoch, o primeiro-ministro David Cameron acertou com os três principais partidos a criação de uma nova instância, independente, para a regulação de jornais, revistas e sites com poder de determinar multas e impor publicação de correções. No México, autoridades do governo apresentaram um projeto de lei que interfere no setor de telecomunicações. A decisão tem como alvo as companhias do homem mais rico do mundo, o empresário Carlos Slim.