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Os donos da palavra

A imprensa brasileira tomou como uma intromissão indevida do Estado nos negócios privados e um risco para a liberdade de informação a nova lei de comunicações da Argentina, de iniciativa do governo de Cristina Kirchner. Mas há controvérsias.

Para muitos jornalistas argentinos, a lei é um passo para a democratização da comunicação e deveria ser seguida de uma normatização geral do setor também em outros países da América Latina, inclusive e principalmente o Brasil.

No livro Os Donos da Palavra, resultado de uma pesquisa do Instituto Imprensa e Sociedade, fica claro que a concentração dos meios é um dos entraves ao acesso generalizado e à verdadeira liberdade de expressão. Segundo esse estudo, consolidado e atualizado por Martín Becerra e Guillermo Mastrini, a concentração da propriedade dos meios de imprensa é uma realidade em todo o continente. No Brasil, esse fenômeno tem uma trajetória histórica bastante clara, e se torna ainda mais notável com o advento da TV a cabo.

Mesmo com o domínio do mercado e com a concorrência limitada, essas corporações dominantes não têm conseguido expandir a base de leitores de seus principais veículos: a venda de jornais diários per capita caiu 60% entre 2000 e 2004. A recente recuperação do mercado ocorre na faixa dos chamados títulos populares, destinados a uma classe emergente da pobreza que se convenciona chamar de nova classe média.

Agenda pública

Também nesse nicho se reproduz a tendência à concentração, com algumas mudanças recentes como a representada pela compra do Diário de S.Paulo, que pertencia ao grupo Globo, pelo empresário J.Hawilla.

De acordo com a análise de Mastrini e Becerra sobre a pesquisa do Instituto Imprensa e Sociedade, a concentração no Brasil se dá num nível muito superior ao que se considera alto nos estudos internacionais (ver padrões citados por Albarran e Dimmick, 1996).

Os pesquisadores observam que essa organização de conglomerados afeta a diversidade de versões sobre a realidade nacional, reduz o número de atores a influenciar a agenda pública e pode ser uma ameaça à democracia. Mas, para o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a grande ameaça à liberdade de informação era o diploma de jornalista.

Ah, bom. Podemos dormir tranquilos.

O mercado de mídia e a comunicação

A principal conseqüência da convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) talvez seja o sem número de debates – estruturalmente ligados à sua realização ou paralelos a ela – que pipocam por todo o país. Essa é uma posição que tenho reiterado numerosas vezes.

Considerando que um dos formidáveis poderes da grande mídia ainda é exatamente sua capacidade de construir a agenda pública – e que a realização da Confecom é um tema totalmente ausente dela –, a própria capilaridade geográfica e social do debate é, em si mesma, um fato a ser estudado e compreendido.

Tenho tido a oportunidade de participar de alguns desses debates e, neles, certos temas sempre aparecem: o que é democratização da comunicação?; o que significa controle social da mídia?; por que não se afirma no Brasil uma mídia alternativa?; a internet democratiza a comunicação?; os jornais impressos vão desaparecer?

"Mal estar" contemporâneo

A ousada e inédita atitude do governo Barack Obama de tratar publicamente os veículos ligados à rede Fox de televisão como "partido político de oposição" é apenas mais um capítulo de certo "mal estar" contemporâneo generalizado que está cada vez mais difícil de esconder.

Até mesmo a grande mídia está sendo obrigada a reconhecer publicamente que, independente de sua vontade, existe hoje um debate universal sobre as transformações por que ela passa em decorrência da revolução digital e sobre seu papel nas democracias. E, de uma forma ou de outra, os temas recorrentes nos debates provocados pela convocação da Confecom são os mesmos que se discutem em toda parte.

Comunicação vs. mídia

Uma diferença que me parece fundamental – e lembrada pelo jornalista e professor Bernardo Kucinski em debate recente, em São Paulo – é aquela existente entre democratização da mídia e democratização da comunicação.

Em artigo recente neste Observatório ("Como democratizar as comunicações") chamei a atenção para o fato de que "democratizar as comunicações" tem sido uma espécie de bandeira a orientar boa parte dos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o avanço nessa área. Todavia, essa bandeira esconde uma falácia: pressupõe que a grande mídia, privada e comercial, seria passível de ser democratizada. Em termos da teoria liberal da liberdade de imprensa, isso significaria a mídia trazer para dentro de si mesma "o mercado livre de idéias" (the market place of ideas) representativo do conjunto da sociedade – isto é, plural e diverso.

Argumentei que essa bandeira encontra dificuldades incontornáveis identificadas, sobretudo, com relação aos mitos da imparcialidade e da objetividade jornalística e da independência dos conglomerados de mídia – e também se mostrou inviável em sociedades como a Inglaterra, onde existe uma tradição historicamente consolidada de imprensa partidária.

"Democratizar a mídia", portanto, seria viável apenas através de políticas públicas que garantam a concorrência das empresas de mídia (a não-oligopolização) no mercado de idéias. É exatamente essa a idéia do constituinte quando incluiu no Artigo 223 da Constituição de 1988 o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão como critério a ser observado para as outorgas e renovações das concessões desse serviço público.

Essa é também uma das idéias orientadoras da Lei de Serviços Audiovisuais recentemente aprovada na Argentina, que reserva um terço do mercado de mídia audiovisual para cada um dos três setores representativos do conjunto da sociedade: o privado comercial, o estatal e o de entidades privadas não-comerciais (povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades).

Desta forma, democratizar a mídia, na verdade, significa democratizar o mercado das empresas de mídia, garantindo a não-oligopolização e, principalmente, a representação plural e diversa dos diferentes setores da sociedade.

Já a democratização da comunicação é um processo no qual estamos avançando a passos largos por intermédio das potencialidades oferecidas pela internet. Aqui a bandeira principal é a inclusão digital por meio da oferta de computadores a preços acessíveis a todos os segmentos da população e a universalização da banda larga, possibilitando o acesso universal ao espaço interativo da internet.

Direito à comunicação

Democratizar o mercado de mídia e democratizar a comunicação são, na verdade, aspectos complementares da conquista do direito à comunicação pela cidadania.

Tenho reiterado que conquistar o direito à comunicação significa garantir a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto "externamente" – através da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) – quanto "internamente" à mídia – cobrando o cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística. E tem que ser buscada também no acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de superação da unidirecionalidade da mídia tradicional pela interatividade da comunicação dialógica.

A mídia como partido político

O jornalista Luiz Carlos Azenha transcreve em seu blog Vi o Mundo matéria publicada no The Nation no domingo (11/10) [ver aqui] repercutindo entrevista que a diretora de Comunicações da Casa Branca, Annita Dunn, concedeu à rede de televisão CNN e também declarações feitas a repórteres do The New York Times, nas quais ela afirma:

"A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano" (…) "não precisamos fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo que a CNN."

"A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico."

E disse mais:

"Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição."

Em matéria sobre o mesmo tema publicada na revista Time [ver aqui] e também reproduzida no site do Azenha [ver aqui], Michael Scherer escreve:

"Em vez de facilitar a vida dos jornalistas, oferecendo-lhes fatos que os jornais e jornalistas usam em seguida como se fossem `prova´ do que escreveriam contra Obama, mesmo sem qualquer verificação ou sem qualquer prova, a Casa Branca decidiu entrar no jogo e criticar mordazmente o jornalismo de futricas, os políticos e os veículos que vivem de publicar bobagens, ou mentiras, ou invenções completamente nascidas das cabeças dos `jornalistas´(…)."

O que há de novo?

A rede de televisão Fox, como se sabe, faz parte da News Corporation de Rudolph Murdoch. Há quase cinco anos escrevi, aqui mesmo no Observatório:

"O comportamento conservador dos veículos do grupo News Corporation – um dos maiores conglomerados de mídia do planeta, controlado pelo magnata Rupert Murdoch – não é novidade para quem acompanha as análises sobre o jornalismo contemporâneo.

Recentemente foi lançado nos EUA um documentário intitulado Outfoxed: Rupert Murdoch´s War on Journalism, produzido e dirigido por Robert Greenwald. Baseado numa análise de vários meses dos noticiários da Fox – que já superou a CNN em termos de audiência – e em depoimentos de produtores, repórteres e escritores que trabalharam na emissora, Greenwald demonstra como a Fox tem servido de porta-voz dos grupos radicais de direita através da rotinização de procedimentos de propaganda e controle interno do seu jornalismo" [ver "Rumo ao monopólio da TV paga"].

O que constitui novidade, portanto, não é a posição da Fox. A novidade é a atitude do governo Barack Obama de enfrentar publicamente a Fox e nomeá-la com todas as letras pelo papel que realmente vem desempenhando, isto é, o papel de um partido político de oposição.

Mídia como partido político

Creio ter sido Antonio Gramsci (1891-1937), referindo-se à imprensa italiana do início do século 20, quem primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais se transformaram nos verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois, Octavio Ianni (1926-2004) cognominou a mídia de "o Príncipe eletrônico".

Na Ciência Política contemporânea, apesar de toda a resistência em problematizar "a construção coletiva das preferências" no debate teórico sobre a democracia, creio que já se admite que a mídia venha, historicamente, substituindo os partidos políticos em algumas de suas funções tradicionais como, por exemplo, construir a agenda pública (agendamento); gerar e transmitir informações políticas; fiscalizar as ações de governo; exercer a crítica das políticas públicas e canalizar as demandas da população [ver "Revisitando as sete teses sobre mídia e política no Brasil"].

No momento em que governos, em princípio democráticos, sobretudo na América Latina, propõem o debate (caso da Conferência Nacional de Comunicação, no Brasil) ou a regulação dentro das regras do Estado de Direito (caso da Argentina, do Equador, da Bolívia), ou enfrentam diretamente os grupos privados de mídia criando alternativas estatais e públicas (caso da Venezuela), o exemplo dos EUA significa um importante precedente.

Os grandes grupos privados de mídia – como a News Corporation, de Murdoch – seus sócios e aliados em todo o planeta, por óbvio, vão continuar reiterando cotidianamente suas acusações de não democráticos, autoritários e/ou totalitários a esses governos.

Já não seria, todavia, a hora de se questionar – séria e responsavelmente – o discurso de que a grande mídia privada seria a mediadora neutra, desinteressada, imparcial e objetiva do interesse público nas sociedades democráticas? Como sustentar esse discurso diante de todas as evidencias em contrário, inclusive de partidarização, aqui e alhures?

Não avançaríamos no debate democrático se a grande mídia assumisse publicamente suas posições e reconhecesse que, sim, além dos editoriais, dos artigos e das colunas, a cobertura que faz – ou a ausência dela – é também opinativa e, às vezes, partidária?

A posição pública do governo Barack Obama em relação à rede de televisão Fox obriga, necessariamente, a uma reflexão sobre o papel da grande mídia nas democracias representativas. Inclusive, é claro, no Brasil.

Ou os Estados Unidos serão também incluídos, a partir de agora, na relação dos governos que a grande mídia considera não democráticos, autoritários e/ou totalitários?

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de "Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia", com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009).

A falsa regionalização televisiva

O sistema Verdes Mares inaugura, no Ceará, sua nova afiliada, TV Verdes Mares (TVM) Cariri, canal 9, em Juazeiro do Norte, no dia 1º de outubro. A emissora assumirá a retransmissão da Rede Globo para a região Centro-Sul, Inhamuns e partes do Vale do Jaguaribe e sertão central. Deverá cobrir uma área com população de quase 2 milhões de habitantes.

A programação da TV norte-juazeirense não deverá ter muitas mudanças em relação à TVM Fortaleza, anteriormente responsável pela retransmissão do sinal da Rede Globo na região. De segunda a sexta-feira, a emissora fortalezense possui apenas três telejornais locais (Bom Dia Ceará, CE TV 1ª e 2ª edição), um bloco do Globo Esporte, um boletim informativo e inserções de propagandas nos intervalos comerciais. Somando tudo, não chega a três horas das 21 horas restantes geradas pela Rede Globo. No final de semana, só restam as duas edições do CE TV do sábado e o Nordeste Rural do domingo.

A lógica da submissão vai além. A redação e a administração da TV Verdes Mares Fortaleza possuem profissionais vinculados ou indicados pela emissora carioca que garantem o "padrão" de qualidade "global". A situação demonstra não só a centralização e o autoritarismo das relações entre Globo e afiliadas, mas também o desprezo da maior rede de televisão do Brasil pela expressão das culturas locais. Pouco ou quase nenhum espaço o cearense possui para ver sua música, dramaturgia e arte local ou para discutir sua realidade na emissora que possui a maior audiência no estado.

Concentração e verticalidade

A centralização se reproduzirá de maneira mais acentuada na TV Verdes Mares Cariri. Apenas um bloco do CE TV 1ª e 2ª edição e as propagandas nos intervalos comerciais serão geradas pela emissora. O que não deve somar nem uma hora diária de conteúdo local. A estratégia revela uma falsa regionalização verticalizada que se concentra na descentralização da venda de inserções em detrimento da reprodução do conteúdo da geradora da Rede. Ao mesmo tempo, o grupo tenta criar a falsa idéia de uma emissora próxima, explora mercado local e tenta frear o crescimento das emissoras autóctones, como é o caso da TV Vale de Juazeiro do Norte, que ameaça a audiência e o faturamento da afiliada da Rede Globo na região.

O cenário confirma a idéia de monopólio em cruz, definida pelo professor Artur Venício Lima, da Universidade de Brasília, como a reprodução, em nível local e regional, dos oligopólios da propriedade cruzada que é o domínio, pelo mesmo grupo, de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. O sistema Verdes Mares reproduz, nesse caso, no Ceará, as relações de concentração e verticalidade entre suas emissoras, assim com sua afiliação à Rede Globo.

Pluralidade de vozes

O inexpressivo tempo destinado à exibição de conteúdo local revelaria ainda um possível desrespeito ao princípio constitucional da regionalidade do rádio e televisão. A Constituição prevê uma produção mínima de conteúdo regional que, no entanto, carece de regulamentação para definir o parâmetro de tempo. Os movimentos pela democratização da comunicação defendem, pelo menos, 25% de conteúdo local.

Outra possível irregularidade seria a quantidade máxima de canais para uma empresa. O grupo já era composto anteriormente por cinco emissoras: TV Verdes Mares Fortaleza, Verdes Mares AM, FM 93, Recife FM e TV Diário. Como o sistema Verdes Mares possuirá mais um canal de radiodifusão se a legislação limita a cinco? Ou será que possui emissoras integradas que não são de sua propriedade?

No final das contas, os prejuízos dessa concentração respingam na liberdade de expressão, condicionada na atualidade ao acesso às mídias e na democracia que depende da pluralidade de vozes para a participação no debate público.

* Ismar Capistrano Costa Filho é jornalista, professor de ensino superior e assessor de comunicação.

Como democratizar as comunicações

Nesses tempos de preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, uma das questões recorrentes é: o que deve ser feito para "democratizar as comunicações"? Boa pergunta, sem dúvida. Na verdade, essa é a questão síntese de todos os muitos e difíceis aspectos envolvidos na problemática geral do setor.

"Democratizar as comunicações" tem sido o principal paradigma conceitual, uma espécie de bandeira a orientar boa parte dos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o avanço na área de comunicação. E não só no Brasil. Todavia, uma das falácias desta bandeira é que ela pressupõe a possibilidade de que a grande mídia dominante, privada e comercial, seria passível de ser democratizada. Vale dizer, em termos da teoria liberal da liberdade de imprensa, trazer para dentro de si mesma, "o mercado livre de idéias" (the market place of ideas) – representativo do conjunto da sociedade, isto é, plural e diverso.

Seria este pressuposto realizável?

Retrabalhando a teoria liberal

Há mais de 50 anos, isto é, pelo menos desde a Hutchins Commission (EUA, 1942-1947), a teoria liberal foi "retrabalhada" e passou a se apoiar em três idéias centrais: pluralismo interno, responsabilidade social e profissionalismo. Esse "retrabalhar" decorreu da impossibilidade de se prosseguir sustentando o discurso do "market place of ideas" – semelhante ao mercado "autocontrolado" de Adam Smith – em face do avanço real da concentração (oligopolização) da mídia e da formação de redes regionais e nacionais de rádio e televisão.

A solução encontrada, porém, esbarra em dificuldades incontornáveis identificadas pelo desenvolvimento da pesquisa na área – sobretudo em relação aos mitos da imparcialidade e da objetividade jornalística e da independência dos conglomerados de mídia – e também se torna inviável em sociedades, como a Inglaterra, onde existe uma tradição historicamente consolidada de imprensa partidária.

Tudo isso trouxe de volta o ideário do "market place of ideas", agora complementarmente ao pluralismo interno, à responsabilidade social e ao profissionalismo, e pela intervenção do Estado por intermédio de políticas públicas para garantir a concorrência das empresas de mídia (a não oligopolização) no mercado de idéias.

Além das dificuldades discursivas que a necessidade de intervenção do Estado cria para a teoria liberal, os próprios fatos têm revelado, sem margem a dúvidas, que nem um nem outro caminho tem garantido o "market place of ideas".

Complementaridade dos sistemas

Uma variante dessas possibilidades foi contemplada na Constituição de 1988: trata-se da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão (Artigo 223).

Em função de opções feitas ainda na década de 1930, temos no Brasil um sistema de radiodifusão predominantemente privado. A Constituição, no entanto, determina a busca do equilíbrio entre os sistemas como forma de democratizar as comunicações: a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007, caminha nesta direção.

Outra alternativa seria o apoio à criação e consolidação de sistemas privados não comerciais, isto é, associações sem fins lucrativos, cooperativas ou fundações. Aqui as rádios e TVs comunitárias são exemplos em curso.

Re-enquadrando a "democratização" das comunicações

Há, no entanto, uma inflexão conceitual que precisa ser feita. Devemos re-enquadrar toda a discussão da democratização das comunicações em torno do conceito de "direito à comunicação". É preciso que a mídia seja entendida como um poder e a comunicação como um direito que compreenda não só a liberdade de expressão como os direitos à informação e ao conhecimento. Um direito tão fundamental como a educação e/ou a saúde, por exemplo.

A construção desse direito não é nova. Sua primeira formulação já tem quase 40 anos. Também não é novo que entidades e movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação no Brasil inscrevam esse direito – direta ou indiretamente – entre os eixos principais de seus programas de ação.

São muitos, no entanto, os obstáculos à sua consolidação, exatamente porque o direito à comunicação abre perspectivas imensas do ponto de vista de garantias ao cidadão, inclusive já praticadas em outras democracias liberais, das quais ainda estamos muito distantes: o direito de resposta como interesse difuso e o direito de antena são apenas dois exemplos.

O direito à comunicação não logrou ainda o status de direito positivado nem mesmo em nível dos organismos multilaterais que têm a capacidade de provocar o reconhecimento internacional do conceito – como, por exemplo, a Unesco. Esse fato faz com que, simultaneamente à articulação política de ações específicas, desenvolva-se também a luta pelo reconhecimento formal do direito.

Existem ainda históricas e poderosas resistências ao conceito, exatamente pelo poder que ele tem de abarcar um imenso leque de reivindicações e bandeiras em relação à democratização da comunicação. Mas, não há dúvida, esse é o caminho.

O que fazer?

Enquanto se segue na construção do direito à comunicação, há de se tentar que o "market place of ideas" funcione no Brasil – sem ilusões.

Democratizar a comunicação passa a ser, portanto, garantir a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto "externamente" – por meio da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) – quanto "internamente" à mídia – cobrando o cumprimento dos manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009).