O jornalista Luiz Carlos Azenha transcreve em seu blog Vi o Mundo matéria publicada no The Nation no domingo (11/10) [ver aqui] repercutindo entrevista que a diretora de Comunicações da Casa Branca, Annita Dunn, concedeu à rede de televisão CNN e também declarações feitas a repórteres do The New York Times, nas quais ela afirma:
"A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano" (…) "não precisamos fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo que a CNN."
"A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico."
E disse mais:
"Quando o presidente [Barack Obama] fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição."
Em matéria sobre o mesmo tema publicada na revista Time [ver aqui] e também reproduzida no site do Azenha [ver aqui], Michael Scherer escreve:
"Em vez de facilitar a vida dos jornalistas, oferecendo-lhes fatos que os jornais e jornalistas usam em seguida como se fossem `prova´ do que escreveriam contra Obama, mesmo sem qualquer verificação ou sem qualquer prova, a Casa Branca decidiu entrar no jogo e criticar mordazmente o jornalismo de futricas, os políticos e os veículos que vivem de publicar bobagens, ou mentiras, ou invenções completamente nascidas das cabeças dos `jornalistas´(…)."
O que há de novo?
A rede de televisão Fox, como se sabe, faz parte da News Corporation de Rudolph Murdoch. Há quase cinco anos escrevi, aqui mesmo no Observatório:
"O comportamento conservador dos veículos do grupo News Corporation – um dos maiores conglomerados de mídia do planeta, controlado pelo magnata Rupert Murdoch – não é novidade para quem acompanha as análises sobre o jornalismo contemporâneo.
Recentemente foi lançado nos EUA um documentário intitulado Outfoxed: Rupert Murdoch´s War on Journalism, produzido e dirigido por Robert Greenwald. Baseado numa análise de vários meses dos noticiários da Fox – que já superou a CNN em termos de audiência – e em depoimentos de produtores, repórteres e escritores que trabalharam na emissora, Greenwald demonstra como a Fox tem servido de porta-voz dos grupos radicais de direita através da rotinização de procedimentos de propaganda e controle interno do seu jornalismo" [ver "Rumo ao monopólio da TV paga"].
O que constitui novidade, portanto, não é a posição da Fox. A novidade é a atitude do governo Barack Obama de enfrentar publicamente a Fox e nomeá-la com todas as letras pelo papel que realmente vem desempenhando, isto é, o papel de um partido político de oposição.
Mídia como partido político
Creio ter sido Antonio Gramsci (1891-1937), referindo-se à imprensa italiana do início do século 20, quem primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais se transformaram nos verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois, Octavio Ianni (1926-2004) cognominou a mídia de "o Príncipe eletrônico".
Na Ciência Política contemporânea, apesar de toda a resistência em problematizar "a construção coletiva das preferências" no debate teórico sobre a democracia, creio que já se admite que a mídia venha, historicamente, substituindo os partidos políticos em algumas de suas funções tradicionais como, por exemplo, construir a agenda pública (agendamento); gerar e transmitir informações políticas; fiscalizar as ações de governo; exercer a crítica das políticas públicas e canalizar as demandas da população [ver "Revisitando as sete teses sobre mídia e política no Brasil"].
No momento em que governos, em princípio democráticos, sobretudo na América Latina, propõem o debate (caso da Conferência Nacional de Comunicação, no Brasil) ou a regulação dentro das regras do Estado de Direito (caso da Argentina, do Equador, da Bolívia), ou enfrentam diretamente os grupos privados de mídia criando alternativas estatais e públicas (caso da Venezuela), o exemplo dos EUA significa um importante precedente.
Os grandes grupos privados de mídia – como a News Corporation, de Murdoch – seus sócios e aliados em todo o planeta, por óbvio, vão continuar reiterando cotidianamente suas acusações de não democráticos, autoritários e/ou totalitários a esses governos.
Já não seria, todavia, a hora de se questionar – séria e responsavelmente – o discurso de que a grande mídia privada seria a mediadora neutra, desinteressada, imparcial e objetiva do interesse público nas sociedades democráticas? Como sustentar esse discurso diante de todas as evidencias em contrário, inclusive de partidarização, aqui e alhures?
Não avançaríamos no debate democrático se a grande mídia assumisse publicamente suas posições e reconhecesse que, sim, além dos editoriais, dos artigos e das colunas, a cobertura que faz – ou a ausência dela – é também opinativa e, às vezes, partidária?
A posição pública do governo Barack Obama em relação à rede de televisão Fox obriga, necessariamente, a uma reflexão sobre o papel da grande mídia nas democracias representativas. Inclusive, é claro, no Brasil.
Ou os Estados Unidos serão também incluídos, a partir de agora, na relação dos governos que a grande mídia considera não democráticos, autoritários e/ou totalitários?
* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de "Diálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia", com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009).