Crianças são alvo prioritário das propagandas na televisão. Entidades defendem regulamentação, com restrição dos horários de veiculação da publicidade, que passaria a ser dirigida prioritariamente aos pais.
Quem observou a programação da televisão nas duas últimas semanas assisitu a muitas propagandas voltadas ao público infantil. Não é de se estranhar: afinal, na “semana da criança” o mercado publicitário esteve todo voltado para este público. O que não é óbvio, nem discutido, é que o excesso de publicidade voltada às crianças não é saudável nem desejável.
Exatamente por isso, diversas organizações de proteção aos direitos da infância e adolescência como a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e o Instituto Alana defendem que tais comerciais não deveriam ser dirigidos às crianças, mas aos seus pais. “As crianças não poderiam receber qualquer tipo de informação mercadológica”, afirma Isabella Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. “Elas não conseguem compreender a publicidade na sua complexidade e de forma integral”, explica Isabella.
Guilherme Canela, da Andi, concorda. Para ele, a proibição da publicidade voltada para o público infantil seria a medida mais adequada à proteção dos direitos da criança e do adolescente. “Somos a favor de uma legislação parecida com a que existe na Suécia, onde há a proibição de publicidade para as crianças. Isso permite que as decisões sejam tomadas com maior liberdade pela família”, afirma.
No Brasil, o Conar – Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária é a instituição que determina normas para a publicidade. Segundo Canela, as regras do Conar estão alinhadas com o que está na discussão em âmbito internacional mas, no entanto, tais regras só são seguidas se as empresas e agências de publicidade desejarem, por se tratar de um órgão de auto-regulação.
“O Conar é um conselho de auto-regulamentação, o que já coloca um limite em sua atuação. Na prática, suas regras não têm funcionado”, ressalta Ricardo Moretzsohn, membro do Conselho Federal de Psicologia e da Campanha pela Ética na TV. “Nestas últimas semanas, por conta do dia das crianças, há ainda um aumento significativo de propagandas voltadas para o público infantil, porque os fabricantes de brinquedos e produtos para crianças precisam vender”, lembra.
Canela entende que a questão colocada para a sociedade brasileira é se apenas recomendações são eficazes ou se os direitos da criança devem ser regulamentados. Para Moretzsohn, a auto-regulamentação não é suficiente, é necessária uma regulação pública.“A publicidade infantil no Brasil precisa ter uma regulamentação de forma precisa e severa, com força de lei. O Conar não pode substituir o controle público”, conclui.
Em 2001 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.921, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PMDB-PR), que altera a lei de Defesa do Consumidor. A relatora do projeto, Maria do Carmo Lara (PT-MG), apresentou parecer favorável ao projeto com um substitutivo que atualmente aguarda para ser votado na Comissão de Defesa do Consumidor. O substitutivo prevê a proibição de propaganda de produtos e serviços dirigidos à criança entre as 7h e 21h, além de determinar regras para a publicidade infantil e sanções administrativas se houver descumprimento da lei. Caso aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor, o projeto segue para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, em seguida, para votação em plenário.
“O Projeto de Lei poderá dar maior efetividade à proibição da publicidade voltada ao público infantil. Contudo, acreditamos que o texto ainda pode ter alguns reparos, inclusive em relação ao substitutivo da relatora”, afirma Isabella. Segundo ela, o Instituto Alana apóia o projeto, mas acredita que o mais correto seria a proibição de qualquer publicidade voltada às crianças. “A publicidade de produtos infantis pode ser veiculada desde que dirigida ao público adulto”.
Classificação Indicativa
O princípio de garantia de autonomia para as famílias sobre os conteúdos aos quais as crianças estão expostas foi o mesmo considerado para a adoção da portaria nº 1.220, de julho de 2007, do Ministério da Justiça, que trata da classificação indicativa de obras audiovisuais. “O sistema se construiu para que a informação qualificada empoderasse a família”, afirma José Eduardo Elias Romão, diretor do Departamento de Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça.
Segundo Romão, o MJ tem acompanhado a veiculação de todo o conteúdo da TV aberta no horário protegido, ou seja, das 8h às 20h. “Nesses últimos três meses, não houve descumprimento de horário pelas emissoras”, afirma. No entanto, segundo ele, “aumentou bastante o volume de pessoas que passam a questionar a classificação atribuída”.
“Anteriormente não se questionava a qualidade da informação produzida, mas o horário em que era veiculado”, explica. Tais reclamações se referem a programas exibidos no horário adequado, porém com uma classificação que não condiz com seu conteúdo. Para Romão, isso é um sinal de que esta informação é inadequada e não cumpre o papel de empoderar a família. Ele cita como exemplo o programa A Grande Família da Rede Globo, que foi questionado, pois, ainda que exibido após as 20h, é apresentado como livre pela emissora. Nestes casos, será feita a reclassificação por meio de um ato do Ministério para ajustar o programa às normas da portaria.
Na batalha da classificação, o Ministério conta com entidades que lutam pelos direitos da criança e do adolescente e pela democratização dos meios de comunicação. Canela, da ANDI, ressalta a necessidade de acompanhamento das normas da classificação por parte da população. “É importante que a sociedade esteja atenta às normas e seus prazos”, afirma. Segundo Ricardo Moretzsonh, a Campanha pela Ética na TV vai monitorar a auto-classificação das emissoras. “A sociedade civil precisa agir em relação a isso também”, diz.