Projeto de Lei favorece empresas, não usuário

Em debate realizado nesta terça-feira, dia 06, em Brasília, o 45º Encontro Tele.Síntese, representantes de empresas de telecomunicações, do governo federal e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), além de companhias interessadas em investir na área, discutiram sobre a revisão do modelo de telecomunicações no Brasil.

No primeiro painel, que teve como tema “Visão do Poder Executivo e do Regulador”, o secretário de Telecomunicações do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Borges, destacou que o principal assunto em discussão na pasta é a tramitação do Projeto de Lei (PL) 3.453/2015. Caso aprovado na sua versão atual, o PL modificará a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), tornado mais flexíveis as regras sobre as modalidades de outorga de serviços de telecomunicações. Na prática, isso significará que determinados serviços hoje outorgados na forma de concessão poderão no futuro ser outorgados na modalidade de autorização. Esta mudança fará com que as empresas tenham menos deveres e mais privilégios.

André Borges alegou que a mudança na legislação estará vinculada à exigência de adoção de algumas medidas compensatórias por parte das empresas, como a de investir em locais não tão atrativos em termos econômicos, como localidades rurais de pequena densidade demográfica. Segundo ele, a Anatel está negociando com as operadoras de telecomunicações os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) – acordos que trocam os valores das multas aplicadas pela agência pela oferta de serviços e instalação de novas redes nestes locais inicialmente menos atrativos –, termos estes que, na opinião de Borges, trariam benefícios aos investimentos previstos no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). “Os recursos dos TACs deverão ser até 50% maiores do que os calculados [para o PNBL pelas regras atuais] com a transformação da concessão em autorização”, declarou.

No entanto, o secretário não apresentou nenhum estudo que confirme essa estimativa feita por ele. Quando questionado por um participante do evento sobre o assunto, tangenciou e preferiu não reafirmar a questão. Já a respeito dos serviços Over The Top (OTTs), entre os quais se enquadram o WhatsApp e o Facebook entre outros, Borges disse que vêm sendo discutidos dentro do ministério. “Estamos desenvolvendo estudos e vendo o que o resto do mundo está fazendo em relação a essas atividades. Talvez tenhamos que impor algumas obrigações, já que são empresas que estão se beneficiando de negócios no Brasil”, afirmou ele. O secretário reconheceu, porém, que ainda não há propostas especificas, e indicou que está em estudo a possiblidade da tributação do setor, em um formato semelhante ao que ocorre nas telecomunicações.

Igor de Freitas, presidente-substituto da Anatel, fez coro às afirmações do secretário André Borges, alegando que “o formato de concessão não é adequado ao ambiente competitivo das telecomunicações”. Freitas utiliza o velho discurso neoliberal de que a regulamentação tira a competitividade das empresas para defender uma auto-regulamentação por parte do mercado, o que contraria os modelos de legislação e controle público implementados nas democracias consolidadas do mundo. Por fim, defendeu que a Anatel tenha autonomia, inclusive financeira, em relação ao governo. “A subordinação da agência reguladora à administração direta atrasa o setor”, pontuou.

Má vontade das operadoras

Na segunda mesa do evento, “A visão dos Players”, o PL 3.453/2015 voltou à cena. Representantes da Telefônica, Oi, América Móvil e Tim expressaram sua posição de desonerar o setor. Isso seria obtido com a diminuição da exigência de prestação de serviços obrigatórios e com o atendimento de investimentos em áreas socialmente vulneráveis, de pouca perspectiva de retorno financeiro para as empresas, com recursos de fundos setoriais. “Não se pode pensar em atendê-las [essas áreas] com recursos do saldo da troca da concessão pela autorização”, afirmou Camilla Tápias, diretora de Assuntos Regulatórios da Telefônica.

Francisco Matulovic, da Icatel, fez duras críticas às empresas operadoras de telecomunicações pelo posicionamento manifestado, questionando também a falta de investimentos do setor na telefonia fixa, em especial nos Telefones de Uso Público (TUPs). “No telefone móvel, houve investimento e a evolução do serviço. Mas, no público, não. Os pontos de orelhão estão hoje em locais muitas vezes inadequados, não atendendo às necessidades da sociedade atual”, ponderou. Matulovic lembrou que em vários países do mundo os orelhões foram transformados em pontos de internet wi-fi, com a possibilidade de constituírem também pontos para recarga de celular. “O que existe é uma má vontade das operadoras em investir nesse setor”, ressaltou.

Fundos de financiamento em disputa

No terceiro painel do encontro, denominado “A visão dos stakeholders”, Caio Bonilha, diretor da Futurion, defendeu que o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) fosse utilizado para a implantação da internet banda larga nas áreas sem interesse econômico por parte das empresas. “O governo precisa colocar a banda larga no centro da política pública e, desta forma, incentivar os pequenos provedores”, sugeriu.

Já o superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, José Alexandre Bicalho, apresentou uma proposta de Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) para as concessionárias de telefonia fixa. Ele frisou que o PGMU apresentado traz indicadores e incentivos para melhoria dos serviços prestados como medidas prévias à aplicação de sanções. “Sairemos de 30 indicadores para 8, pois os usuários não percebem esses indicadores. Eles apenas prolongam ainda mais a dificuldade na fiscalização”, pontuou Bicalho.

Segundo o superintendente, a proposta apresenta mudanças nas regras de qualidade do serviço e da utilização de espectros, revisão do limite máximo de frequência, revisão do preço público e ajuste da tabela do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Na opinião dele, é preciso ampliar o entendimento sobre o Fistel, não sendo relevante contabilizar se haverá ou não desoneração das empresas, mas se as mudanças propostas estimulam uma melhor prestação de serviço e a ampliação dos investimentos no setor.

E os usuários e usuárias?
Uma ausência de representantes que defendam os usuários dos serviços de telecomunicações foi amplamente perceptível no evento. Em julho deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) se posicionou a respeito do PL 3.453/2015, ressalvando que, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – ou seja, disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter tarifas dentro dos critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar, o que resultaria em significativa perda de qualidade do serviço de telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacou à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O estudo do Idec também aponta como consequência gravíssima da mudança do regime de concessão para o de autorização o fato de as empresas do setor poderem ficar com a infraestrutura instalada por elas para a prestação do serviço de telefonia fixa, as quais deveriam, pela legislação atual, ser repassadas à União ao final do período de concessão, em 2025 – a chamada reversibilidade dos bens. Para que pudessem fazer tais investimentos, as empresas receberam em troca, e continuam recebendo, uma série de incentivos fiscais. O Idec defende no estudo uma ampla revisão da Lei Geral de Telecomunicações, a fim de garantir a expansão dos serviços prestados e o respeito aos direitos dos usuários e usuárias, e não mudanças pontuais na legislação que objetivam apenas beneficiar as empresas concessionárias.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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