Grito da Liberdade critica a mídia e a repressão policial nas ruas do Rio

Nesta quinta-feira (31/10), cerca de 2 mil pessoas foram às ruas no Rio de Janeiro para uma manifestação intitulada “Grito da Liberdade”. Infelizmente, não se tratava de uma comemoração, e sim do apelo de uma sociedade que, após um momento epifânico de celebração do poder popular, sente o cerco se fechando.

Qual o status da liberdade hoje no Brasil? Quem vem acompanhando as manifestações que vêm ocorrendo desde junho sabe que um dos principais catalisadores dos atos públicos foi a solidariedade às vítimas da reação demasiadamente violenta da Polícia Militar (logo, do Estado). Depois da repressão truculenta ocorrida em São Paulo no dia 13 de junho, os rios de asfalto e gente entornaram pelas ladeiras, entupiram o meio-fio, em meio a tantos gases lacrimogênios.

De lá pra cá, o número de pessoas diminuiu nas ruas, mas a intensidade da repressão aumentou. Seja pela ação direta da polícia, sela pela articulação das forças conservadoras, nos três poderes, para criar leis que ampliem a possibilidade de carimbar o nome “criminoso” no currículo das pessoas. Exemplo disto é a chamada Lei do Crime Organizado, que, assinada em 2 de agosto pela presidenta Dilma, foi inaugurada em outubro no Rio de Janeiro com a prisão de 84 pessoas durante uma manifestação pública, sendo 20 delas adolescentes. Alguns estão presos até hoje.

Tudo isso legitimado por uma imprensa que, em vez de colaborar no esforço para compreender a dinâmica dos acontecimentos, incita o medo e o ódio, clamando por uma postura mais enérgica por parte do Estado – que, invariavelmente, tem resultado em mais violência nas ruas.

Obviamente, o processo tem suas nuances. O discurso da mídia oscila entre a simpatia por um determinado tipo de manifestação (aquela que serve à politicagem dos donos da mídia ou que celebra o narcisismo da classe média) e a histeria generalizada. O ápice da criminalização histérica foi a capa do jornal O Globo do dia 17 de outubro passado, que deu um tratamento de reportagem policial ao ato público dos profissionais de educação. A manchete “crime e castigo” estampou fotos dos “vândalos” na capa do diário e condenou diversos manifestantes que, posteriormente, foram absolvidos pela Justiça – sem que qualquer tipo de retratação fosse feito pelo Globo na sequência.

Os julgamentos e punições sumárias por parte dos grupos de mídia e da Polícia Militar (lembrando novamente: do Estado) não têm nada de novo, como atestam os vários Amarildos que não se tornaram notícia. O fenômeno “black bloc” nos atos públicos e a tipificação “vândalo” funcionam, no discurso conservador da mídia, de forma semelhante ao que ela faz com o “negro” (black!) ao taxá-lo de “traficante” na favela: culpa a priori. E foi principalmente contra esse tipo de desmando e criminalização, que acontece nas favelas todos os dias e nas manifestações públicas com frequência, que as pessoas foram às ruas nesta quinta-feira.

Mas não apenas. Quem acompanha no noticiário o lobby das telecomunicações e da radiodifusão no Congresso contra a aprovação do Marco Civil da Internet sabe que esse cerco não se fecha apenas nas ruas, e o Grito da Liberdade no Rio de Janeiro fez questão de apontar isto também. As possibilidades de ampliação democrática abertas pelos usos sociais da web observados nos últimos anos, como a criação de canais de informação independentes, que colocaram a nossa mídia em cheque nos últimos meses, encontram-se ameaçadas.

Por meio da internet, a sociedade brasileira foi informada sobre o que acontecia nas ruas durante as manifestações ou nas favelas sob a política das “tropas de choque” e das “polícias pacificadoras”. Isso desarticulou distorções promovidas pelo discurso oficial e midiático. E é por isso que, agora, há muitos interessados em restringir esse canal de comunicação.

O Grito da Liberdade de quinta-feira foi um reflexo de uma sociedade que já sente suas liberdades limitadas cotidianamente e que as vê cada vez mais serem vítimas do conservadorismo dirigido pela fome de lucro e que tem sede de controle. Todos sentimos que o momento é importante para o país, por isso muitos têm ido às ruas ou celebrado por aqueles que vão. Não temos, porém, certeza de que estamos ganhando essa batalha. Que a liberdade possa falar mais alto.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em sociologia pela UFPE.

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