Independentes ganham mercado com lei de cotas

O grande tema a ser discutido no 13º Fórum Brasil de Televisão, que acontece hoje e amanhã em São Paulo, no Centro de Convenções Frei Caneca, é a lei federal nº 12.485/2011. Sancionada em setembro do ano passado, ela estabelece cotas para a produção brasileira na programação da TV por assinatura e já movimenta o mercado do audiovisual no país.

Na abertura do evento, que reúne empresas do setor, o diretor-presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel, deve anunciar o regulamento dessa legislação. Ele irá definir em que termos os canais terão de veicular 1h10 de conteúdo nacional no horário nobre de suas grades semanais – entre 11h e 14h e entre 17h e 21h para os canais voltados a crianças e adolescentes e das 19h à 0h para os demais. A exigência chegará progressivamente a 3h30 até setembro de 2014.

Metade dessa produção deverá ser independente – realizada por empresas não vinculadas a grandes grupos de comunicação. Canais esportivos e jornalísticos estão excluídos das novas obrigações. A legislação determina ainda que um em cada três canais dos pacotes ofertados pelas operadoras seja brasileiro.

Entre as aguardadas diretrizes da regulamentação para o cumprimento das cotas está o número de vezes que os programas poderão ser reprisados.

"Existe um pleito das produtoras para que conteúdos diversos não sejam tratados igualmente", afirma André Mermelstein, organizador do fórum. "Uma coisa é fazer um programa de culinária, que sai mais barato. Outra é realizar uma série de ficção, que custa R$ 500 mil por episódio, e exibir cada capítulo poucas vezes."

Um ponto que já desagrada sobretudo às programadoras é o não reconhecimento das diferenças entre os perfis dos canais na aplicação das determinações. Anthony Doyle, vice-presidente regional e diretor-executivo de conteúdo local da Turner, que tem sob sua custódia marcas de peso como TNT e Cartoon Network, reclama da indistinção do critério. "É preciso haver a compensação entre canais", avalia. "Há aqueles cujo perfil não foi feito para ter conteúdo nacional. É o caso do Tooncast, que exibe prioritariamente desenhos animados antigos. Seu público está em busca de nostalgia e poderia não gostar de uma mudança na programação."

Além disso, ressalta, mesmo para as produtoras seria "muito mais interessante" veicular um programa em um canal de maior distribuição entre os pacotes das operadoras, o qual, consequentemente, possui maior audiência, que em um de alcance mais restrito.

Assim, sua proposta seria a chance de transferir a obrigatoriedade de um canal para outro da mesma programadora. Não, porém, nos moldes em que se especula. "Entende-se que vão permitir a transferência de metade do conteúdo, mas que seria dobrada no outro canal. Na prática não faz sentido, uma vez que isso faria aumentarem os custos de produção e não deixaria de alterar a grade do primeiro canal."
A série "Preamar", produzida com incentivos da Ancine, estreou na HBO em maio e mostra empresário que perde tudo

Doyle chama ainda a atenção para a propriedade dos direitos autorais das produções. "Para que a obra seja considerada na cota, a participação da programadora terá de ser minoritária, apesar de muitas vezes ser ela a responsável pelo desenvolvimento da ideia. Na hora de vender esse programa para o exterior, por exemplo, é a produtora [a majoritária] quem ficará com a maior parte da receita."

Discrepâncias à parte, não é de hoje que o mercado nacional de abastecimento das emissoras tem se preocupado com uma alta na demanda por seu trabalho. "Temos nos preparado há três anos", afirma Pedro Buarque de Hollanda, diretor-presidente da Conspiração. "Passamos a investir, especialmente na formação de pessoas, por conta do aumento de assinantes da TV paga e do interesse de canais estrangeiros em produzir no Brasil. Projetamos, para a empresa, um crescimento de 50% no ano que vem."

Em números absolutos, o ano passado fechou com um registro de 12,7 milhões de domicílios brasileiros com TV por assinatura, contra 9,8 milhões ao final de 2010, uma alta de cerca de 30%.

Um sinal de que a nacionalização tem ocupado seu espaço no planejamento do setor do audiovisual é o lançamento de séries como "Preamar", que, produzida pela Pindorama com fundos de incentivo da Ancine, estreou em 6 de maio na HBO, e "FDP", realizada pela Prodigo também para a HBO, canal que mantém a tradição de investir em conteúdo brasileiro.

"Preamar" é sobre um empresário do Rio de Janeiro que perde tudo na Bolsa de Valores e passa a aplicar no comércio ambulante da praia de Ipanema. "FDP", que deverá ir ao ar em agosto, explora o universo futebolístico a partir da história de um juiz que apita jogos da Copa Libertadores da América. Os boleiros Neymar, Rivellino e Dentinho farão participações especiais nos episódios. O título da série dispensa explicações para quem costuma frequentar estádios.

Sustentar a penetração ascendente com um entretenimento de qualidade que não pese no orçamento dos espectadores, principalmente no dos que incluíram a TV paga no rol de consumo de uma classe C de maior poder aquisitivo, é o desafio apregoado por quem atua no segmento.

Se, por um lado, a lei abre caminho para novas produtoras, como destaca Mermelstein, em contrapartida elas terão de superar as barreiras de entrada do negócio, adverte Hollanda.

"Ele requer capacidade econômica, estrutural, uma equipe de roteiristas", diz. "É um modelo de produção bem distinto do da publicidade, que é o foco de muitas produtoras independentes. Só vai ficar no jogo quem tiver escala, tamanho e qualidade de entrega."

A ABPI-TV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão) se mostra antenada à necessidade de contínua adaptação a esse cenário. "Uma das frentes de atuação da associação é em capacitação e treinamento", diz seu presidente, Marco Altberg. "Precisamos de empresas produtoras cada vez melhor estruturadas em planejamento, gestão e resultados", analisa. "Um dos focos a partir da demanda da lei é a área de criação de produtos para TV. Devem-se estimular a autoria de projetos e o desenvolvimento de ideias para os diferentes formatos."

Sem essa estruturação, há quem tema pelo surgimento de atrações de gosto duvidoso nas telas, o que também se torna um risco devido às limitações de verba para viabilizar mais conteúdo. "Vamos ter que fazer muito mais com o mesmo bolo de dinheiro", diz Doyle. "A menos que se consiga financiamento no mercado, com patrocinadores ou com o governo, a qualidade de alguns programas será prejudicada."

Além disso, completa, incrementos nas despesas operacionais das produtoras podem causar impactos no bolso do assinante. "Se os custos aumentarem, teremos de repassá-los às operadoras. Esse movimento iria contra a tendência do mercado, que é a de pacotes de programação cada vez mais baratos."

A visão de Matias Mariani, sócio da Primo Filmes, oferece outra perspectiva. "Quanto maior a demanda, mais você consegue utilizar as mesmas pessoas da equipe em projetos diferentes, o que pode reduzir custos", afirma.

No dia 16 de maio, a Ancine e o Ministério da Cultura divulgaram o aporte de R$ 55 milhões na linha de investimento do Fundo Setorial do Audiovisual que disponibiliza recursos para a produção de séries e documentários nacionais de televisão.

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