Além da simples inclusão digital

Inclusão digital não é apenas ter acesso a recursos digitais. Trata-se de compre-endê-los e saber usá-los em seu benefício e de sua comunidade. Essa filosofia norteia o trabalho de grupos que promovem projetos junto a comunidades de baixa renda para orientar os participantes no uso das tecnologias. Seus objetivos não são formar para o mercado de trabalho, mas para algo mais amplo: o exercício da cidadania.

“A internet é o espaço onde o jovem de hoje adquire informações e divulga suas ideias”, observa a professora Maria Auxiliadora Padilha. Ela é a coordenadora do projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Proi-Digit@l, que promove a interpretação e produção de conteúdos digitais. O projeto, que ainda está em fase de implantação, oferecerá oficinas de blogs, animações, vídeo e áudio digital em bibliotecas comunitárias e escolas públicas de Olinda, Recife e Caruaru. “Queremos que os jovens se expressem através dessas plataformas”, afirma.

Outras experiências similares também apostam na produção de registros narrativos como forma de expressão da coletividade. É o caso da Unidade de Inclusão Digital Coque Livre, projeto da rede Coque Vive, que promove uma série de ações na comunidade do Coque, na Ilha Joana Bezerra. Durante o ano de 2011, os colaboradores da rede ofereceram uma série de oficinas com temas como vídeo, produção de reportagens, animação em stop motion, jogos e programação.

A estudante Katarina Scergino, 17 anos, participou de todas elas. “Gostei de uma atividade em que gravamos vídeos de pessoas da comunidade contando histórias. Além de mexer com equipamentos com os quais nunca tinha tido contato, achei interessante resgatar a história do lugar onde vivo”, relata.

No entanto, os organizadores observam que alcançar os efeitos pretendidos não é fácil. “Esbarramos em muitos obstáculos, como a falta de tempo dos próprios jovens, que trabalham depois da escola”, conta Igor Cabral, 27, um dos colaboradores do projeto.

Além das questões práticas, a professora da pós-graduação em sociologia da UFPE Maria Eduarda da Rocha, que acompanhou o projeto, aponta outra dificuldade. “As pessoas já se voltam à tecnologia preocupadas com seus usos imediatos e triviais. Para que vislumbrem outras possibilidades, é preciso investir em uma formação humanista”, observa. Ela ressalta que isso é um problema para as políticas públicas de inclusão digital: “Os usos da tecnologia são condicionados pelo repertório cultural do indivíduo”.

Levando isso em consideração, as atividades do Núcleo de Comunicação Bombando Cidadania, parte de um projeto promovido pelo Instituto Wall Mart na Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, incluem debates e oficinas sobre temas como direito à comunicação, gênero e identidades. Partindo das discussões, 18 jovens levam ao ar os programas da Rádio Seu Hemetério, transmitidos desde outubro passado através de seis caixinhas de som instaladas na comunidade.

“Trabalhamos com desenvolvimento local sustentável. Depois de ensinar a técnica, usamos essas temáticas no programas para transformar o local, elevando a autoestima das pessoas que moram aqui e dos que participam do projeto”, descreve a jornalista e consultora do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano (IADH), Andréa Trigueiro, que orienta as atividades do núcleo.

Marília Freire, 18 anos, é uma das influenciadas pelo projeto. Com colegas da sua idade, ela está por trás do programa Conexão jovem, veiculado três vezes por semana. “Aprendo muito com as oficinas e vejo a importância da rádio pra comunidade. Temos até fã-clube”, conta. Ela está animada porque em breve as seis caixinhas vão se multiplicar em milhares de vozes. Na semana passada, os jovens do núcleo passaram por uma formação em redes sociais, para disseminar os conteúdos da rádio na web.

Também na Bomba do Hemetério, a ONG Auçuba realiza desde 2009, através da Rede Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o projeto Juventude Conectada aos Direitos. “Buscávamos um espaço virtual onde a participação juvenil na discussão da cidadania fosse efetivada”, relata Rosa Sampaio, uma das coordenadoras do programa.

Onze adolescentes participaram de oficinas sobre direitos humanos e comunicação e aprenderam sobre construção e manutenção de blogs. O resultado foi a página www.juventudeconectadaaosdireitos.blogspot.com. “Eles montaram grupos de trabalho para a produção de conteúdos e fazem cobertura de eventos ligados aos direitos da criança e do adolescente”, explica a coordenadora. Para Rosa, a tecnologia facilita muito a apropriação das questões sociais pelos internautas. “Antes, tínhamos que pensar em formas mil para mobilizar pessoas para nossas causas. Acho fascinante o poder de mobilização da internet”, diz.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *