Ao invés da democracia, a mão de gato na TV por assinatura

Depois de uma história de muita luta em defesa da criação de uma autoridade para o audiovisual, através da Lei 12.485/11, capaz de estabelecer uma mídia representativa de todas as classes e acessível à população, o que parecia ser uma conquista e início de mudança no paradigma político, econômico e social da comunicação do país sofreu uma mão de gato no interesse público e direito de escolha da sociedade brasileira.
 
Capaz de romper o bloqueio do mercado de TV paga, com a instituição de cotas de programação de conteúdo nacional e independente e a de canais de programadoras independentes nacionais (que chegaria a cerca de 2%, percentual pequeno, mas significativo diante do bloqueio mercadológico).
 
A nova lei da TV por assinatura está sendo claramente boicotada com a proposta de modificação da Instrução Normativa, IN 91 – responsável pelo registro dos agentes econômicos que atuam neste Mercado. Proposta esta que consiste basicamente em tolher os poderes da Ancine, na fiscalização, das programadoras e empacotadoras que, segundo a lei, passarão a ser reguladas por ela.
 
Diante disso, a pergunta que não quer calar é por que a Ancine não faz uma regulação de fato da Lei, como é a Resolução 101/99 da Anatel sobre a mesma matéria e assim cumpre o seu papel, aquele que cabe ao regulador? Em vez de propor uma modificação da IN 91 que, na prática, a deixará sem capacidade de fiscalizar de fato porque optou ficar sem acesso aos documentos chaves. Da forma ora proposta, por exemplo, a Ancine não teria acesso ao ‘Acordo de Acionistas’ onde está firmado o direito de veto dado à Globo às questões de conteúdo nacional.
 
Uma lei que estabelece as relações de controle e coligação entre empresas através do critério de que uma empresa só é considerada controlada por outra quando a maioria dos seus membros do conselho de administração são eleitos e passa a ter preponderância nas deliberações sociais. Critério este equivocado, que, coincidentemente, permite que a Globosat, das Organizações Globo, não seja considerada coligada da Net Serviços. Isto não seria possível com o conceito de coligada que trabalha a Anatel e que trabalhava a IN 91 antes da mão de gato.
 
A lógica está invertida. A proposta da Ancine não pode se alinhar à manutenção do monopólio estabelecido e sim ser coerente com a lógica da Lei 12.485 de combatê-lo. O Instituto Telecom e o Clube de Engenharia defendem que a nova proposta seja feita como a resolução 101/99 da Anatel ou como já estabelecia a IN 91 da Ancine, que estabelece como controle o "poder de dirigir, de forma direta ou indireta, interna ou externa, de fato ou de direito, individualmente ou por acordo, as atividades sociais ou o funcionamento da empresa".
 
Não faz sentido logo agora que a Ancine tem a oportunidade de exercer o dever de fiscalização nos poderosos agentes econômicos do audiovisual surgir a proposta de que esta agência fique com seus poderes de fiscalização diminuídos e limitados.
A Consulta Pública da Lei 12.485 chegou a ser adiada em mais de um mês e surpreendentemente só abriu depois que importantes artigos foram subtraídos e o poder de fiscalização atenuado. No entanto, trata-se da primeira regulamentação, ainda que exclusivamente no âmbito da TV paga, dos incisos II e III do Art. 221 da Constituição Federal desde que foi promulgada há 23 anos.
 
É necessário lembrar que desde o início da TV paga há no Brasil bloqueio de acesso para o conteúdo nacional da maior empresa de mídia do país exercido por meio do ‘Acordo de Acionistas’ com os seus sócios nas operadoras NET Serviços e SKY. Conteúdo nacional de produção independente só o produzido pelos próprios canais de forma terceirizada. Canais nacionais só os da Globosat, os outros nem mesmo conseguem distribuição para chegar aos assinantes. Este bloqueio no acesso ao Mercado foi responsável pelo fechamento e ausência de criação de muitos canais. Até hoje, canais na TV paga brasileira, somente os estrangeiros e os da Globosat.
O fato é que todas as possíveis conquistas tão arduamente conseguidas com a aprovação da nova lei da TV paga poderão facilmente serem perdidas se a IN 91 não se mantiver alinhada à Resolução 101/99 da Anatel.
 
Vejamos como está a proposta modificadora da IN 91:
 
* O inciso XLV do Art. 1º, que define empresa controlada, segundo a Exposição de Motivos a pretexto de ‘maior aderência à Lei das S/A’, sofreu grandes atenuações. Com isso, caso a participação da Globo na NET Serviços continue lhe dando poderes de veto contratual através do ‘Acordo de Acionistas’ ao empacotamento de canais concorrentes à Globosat, essa relação deixará de caracterizar controle para a Ancine. Isso atualmente é caracterizado como controle pela Ancine, mas com a nova redação proposta deixará de ser. E a anomalia existente até hoje de bloqueio de acesso ao mercado para os canais nacionais seguirá perpetuada. Poderá, inclusive, dar condições à Globosat de pleitear a categoria de programadora independente! Este Inciso tem que voltar à sua redação original de forma completa para proteger o espírito da lei e a intenção do legislador.

* Pelo mesmo motivo não pode ser suprimido o parágrafo 1º do Art. 4º, que dá poderes à Ancine para aplicar sanções em agente econômico que não tiver informado controle ou coligação, conforme proposto.
 
* Na supressão proposta do Inciso IV do Art. 5º, que obriga o envio permanente de informações contábeis detalhadas, bem como planos de investimento, foi usada na "exposição de motivos” a alegação de ser ‘desproporcional à realidade do mercado’. Ou seja, quando a Ancine somente regulava os pequenos podia. Este Artigo tem que permanecer.
 
* Na "exposição de motivos" justificando sua exclusão diz: ‘No Art. 20º foi excluído o parágrafo 4º que tratava da suspensão do registro’ para que? Para poder tirar da Ancine a possibilidade de suspender registros de quem cometer irregularidades. Este parágrafo tem que voltar ao texto da IN.
 
Para que a Ancine não se torne refém dos coronéis das comunicações e agora também telecomunicações do país, é preciso em primeiro lugar manter todas as prerrogativas de fiscalização já em vigor e investir em ferramentas que garantam a transparência das ações deste mercado.
 
Por isso, é necessário que a agência divulgue os votos dos seus diretores e as Atas circunstanciadas das reuniões da Diretoria Colegiada, enquanto se prepara para que essas reuniões possam ser acompanhadas por ‘streaming’ a quem interessar. Aliás, estas INs tratam de assuntos tão relevantes para o país, que deveriam ser muito mais divulgadas essas Consultas Públicas. Mas é até difícil exercer a cidadania e conseguir participar das Consultas Públicas com um site tão pouco aberto a contribuições.
Na Minuta da Instrução Normativa Geral do SeAC, também em Consulta Pública, o Art. 33 deve ser sumariamente excluído, pois pode inclusive tornar nula toda a aplicação de cotas previstas na Lei 12.485/11.


Mão do Gato

Audiência Pública
 
Nesta quinta-feira, dia 9 de fevereiro, das 14h às 18h, haverá no Rio de Janeiro (Ministério da Fazenda – Av. Pres. Antônio Carlos, 375 – 13º andar – Auditório), uma audiência pública para discutir este tema. Para participar da audiência é necessária a solicitação de credenciamento antecipado por meio do endereço eletrônico audiencia.publica@ancine.gov.br . O prazo é até hoje, dia 7 de fevereiro. A mensagem deve conter as seguintes informações: nome completo, empresa ou entidade que representa.
 
O Instituto Telecom e o Clube de Engenharia estarão presentes e farão todas as propostas acima mencionadas.
 

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *