Entidades defendem um novo rumo para a comunicação pública

O fortalecimento da comunicação pública vem conquistando espaço na pauta de diversas entidades e movimentos sociais de Sergipe. Na última semana, um conjunto destas organizações divulgou uma nota pública reivindicando um novo projeto para a Fundação Aperipê (FUNDAP), órgão ligado ao governo estadual e gestor das emissoras de rádio e TV públicas.

Em linhas gerais, as entidades signatárias da nota pautam a necessidade de uma reestruturação na Fundação Aperipê. Um projeto de lei nesse sentido, inclusive, já foi construído no ano de 2010, a partir de um grupo de trabalho formado por representantes da sociedade civil e do Governo de Sergipe. Desde então, o projeto se encontra em análise na Procuradoria Geral do Estado (PGE) e nunca foi conduzido pelo Governo.

Esta morosidade no encaminhamento foi o motor para a retomada das mobilizações sociais. As entidades voltaram a defender a reestruturação da FUNDAP baseada em quatro eixos: gestão, financiamento, conteúdo e direitos trabalhistas.

Participação Social

A gestão da Aperipê é caracterizada pela existência de um Conselho Deliberativo – formado por secretários de Estado, pela Superintendência que administra a Fundação e por um representante dos funcionários, sendo presidido pelo Secretário de Educação, pasta a qual está vinculada a FUNDAP. Este Conselho é o órgão responsável pelo estabelecimento das metas da Fundação, pela sua forma de execução, transparência da gestão e pelo controle do seu desempenho.

Em 2007, com os ares de mudança no cenário da comunicação brasileira a partir da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Aperipê TV foi pioneira. Em outubro daquele ano, a emissora sergipana foi a primeira TV estadual a aderir de forma plena à Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP-TV) comandada pela EBC.

A norma que estabeleceu a RNCP-TV diz que os “integrantes da Rede estabelecerão com a EBC cronograma para instalação de conselho curador ou órgão assemelhado de controle social”, além de atender modelo institucional indicado pelo I Fórum Nacional de TVs Públicas . No momento da assinatura do convênio, foi anunciado pela própria Superintendência da FUNDAP mudanças na gestão da emissora. Porém, desde então, nenhuma transformação ocorreu. Esta é uma das principais reivindicações das entidades locais.

Segundo Carol Westrup, do Coletivo Intervozes, esta transformação é urgente, inclusive, para se afinar com a proposta da EBC. “Já se passaram quatro anos da vinculação à TV Brasil e está na hora de implementar o modelo de gestão participativa aqui em Sergipe, como tem avançado o Conselho Curador da EBC”, destaca.

Para ela, a participação social é determinante para o caráter público da Aperipê, sendo fundamental a ampliação das representações na gestão. “Nenhum outro elemento é tão importante como a participação da sociedade nos processos de tomada de decisão. Defendemos que o Conselho seja a instância superior, com ampla participação de organizações da sociedade, representantes dos sindicatos, através de uma consulta pública, com mecanismos de eleição direta e mandatos estabelecidos”.

A proposta de reestruturação na gestão de uma TV pública não é algo utópico, inclusive, porque já existe em outros estados, como na Fundação Piratini, no Rio Grande do Sul. De acordo com Westrup, “em Sergipe há uma estagnação. Os gaúchos, por exemplo, têm na gestão da comunicação pública um Conselho Deliberativo que conta com associações de municípios, sindicatos de músicos, de jornalistas. Então, é possível aqui termos este como um exemplo e ampliar as vozes que gerem a Aperipê”.

A mídia que o sergipano se vê

Historicamente, as emissoras vinculadas à Fundação Aperipê têm cumprido um papel relevante para o crescimento da produção artística e difusão cultural no estado. Apoio a seminários, festivais de música e exibição de documentários são algumas das ações que colocam a Aperipê como um dos principais veículos de escoamento da produção local.

O membro do Fórum Permanente do Audiovisual, Baruch Blumberg, ressalta que a  FUNDAP é peça-chave na divulgação e fomento da cultura sergipana. Para ele, “a Aperipê é uma importante vitrine para os produtos audiovisuais sergipanos, e tem, por obrigação, abrir espaço para a produção independente local, fazendo com que os produtores, através de editais ou outros meios públicos e democráticos, possam produzir conteúdo”.

Porém, as entidades denunciam que algumas decisões da atual gestão revelam um retrocesso no papel da Aperipê como “janela” para a produção cultural sergipana. Exemplo disto foi o corte de recursos para a realização do Festival Aperipê de Música, etapa estadual do Festival de Música da ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil.

Edézio Aragão, demitido há pouco mais de quinze dias da direção da Aperipê FM, revela que houve descaso com o festival. “A gestão atual sinalizou positivamente para a realização do evento e depois o abandonou o evento por meses”, afirma Edézio. O ex-funcionário ainda aponta que não contou com apoio das demais diretorias da empresa para divulgação e cobertura do evento, que foi realizado mesmo com todas as dificuldades.

O Diretor-Presidente da Fundação Aperipê, Luciano Correia, aponta os problemas na própria organização do Festival. “Na nossa avaliação, o festival cometeu falhas cruciais. Faltou mais dedicação mesmo, transpiração. Havia, sim, um aperto financeiro que nos ameaçou neste ano, mas que não chegou a comprometer nossas atividades fins”, declarou.

Público X Governamental

Uma denúncia feita pelas entidades refere-se a interferências do Governo do Estado na programação das emissoras da FUNDAP. Carol Westrup afirma que “a comunicação em Sergipe é vista como mero instrumento de divulgação das ações governamentais. A Aperipê é mais um espaço de consolidação desse olhar”.

Westrup revela que há uma deliberada ingerência da Secretaria de Comunicação pautando, inclusive, a divulgação de atividades oficiais em detrimento da programação tradicional. Ela cita como exemplo a inauguração de um estádio de futebol no interior do estado em maio deste ano. “Naquele dia, os sergipanos deixaram de assistir ao programa Repórter Brasil, da rede de TV’s públicas brasileiras, porque a direção da TV decidiu transmitir ao vivo o discurso do Governador durante a reinauguração do estádio Francão, em Estância”, apontou a militante.

Para a integrante do Intervozes é legítimo que as ações governamentais de interesse público sejam veiculadas nas emissoras públicas, mas questiona: “as TV Sergipe ou Atalaia (TV’s comerciais do estado) deixam de transmitir o seu jornal para passar o discurso do governador? Por que, então, a Aperipê pode mudar a sua programação de acordo com a agenda do governo?”

O Presidente da FUNDAP rebate afirmando que “o governo do Estado jamais fez qualquer ingerência ou, sequer, sugeriu alguma linha a ser adotada”. O gestor questiona, inclusive, o caráter público da Aperipê. “Temos garantido o caráter público de nossa existência e funcionamento, embora a rigor, sejamos uma TV e rádios do Governo do Estado de Sergipe e não uma BBC, esta sim, pública, porque financiada pelos impostos dos cidadãos ingleses'”, afirma Luciano Correia.

O Secretário Adjunto de Comunicação do Governo de Sergipe, Sales Neto, concorda com seu colega e garante que a denúncia não procede. Para ele, “a Aperipê é estatal e tem autonomia administrativa. Portanto, não há ingerência”.

No projeto de reestruturação, uma das propostas das entidades é a criação de um Conselho de Programação, composto por servidores da Aperipê e representantes da sociedade. Este Conselho seria responsável por “definir as linhas para a programação das emissoras, avaliar e monitorar o seu conteúdo, a partir dos princípios de construção da cidadania participativa, consolidação da democracia, garantia do direito à informação e desenvolvimento da consciência crítica”, observa Westrup.

Autonomia financeira

Outra proposta defendida pelas entidades é a ampliação das fontes de financiamento da Fundação Aperipê. Atualmente, todos os recursos da Fundação são oriundos da Secretaria de Educação.

Para o diretor da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias em Sergipe (ABRAÇO-SE), Roberto Amorim, este é um fator preocupante, pois “a cada governo que entre em Sergipe pode variar o montante de recursos para a Aperipê, deixando-a numa grande instabilidade financeira”.

No orçamento previsto para 2012 pelo governo de Sergipe, os recursos destinado à FUNDAP é de pouco mais de 9 milhões de reais. Destes, cerca de 90% são reservados para gastos com pessoal e serviços administrativos. Já para investimentos, o governo disponibilizou apenas R$ 738.210,00.

Além de contestar o baixo recurso, as entidades defendem a criação de um fundo orçamentário público específico advindo da arrecadação de impostos e outras prestações de serviços e consultorias na área da comunicação pública.

“Os recursos atuais não dão para avançar na modernização necessária e nem na formação dos servidores, muito menos para realização de projetos com comunicação comunitária e pública. A Aperipê tem condições reais de estabelecer parcerias e convênios com outras emissoras públicas do país e do exterior para constituir projetos que contribuam também na sustentabilidade das emissoras”, garante o representante da ABRAÇO-SE.

Direitos dos trabalhadores

A valorização dos trabalhadores é outra proposta das entidades na reestruturação da Aperipê. O Sindicato dos Jornalistas de Sergipe denuncia que há uma política de precarização dos trabalhadores. Segundo a presidenta do sindicato, Caroline Rejane, “são anos e anos de desvalorização, de desrespeito e de humilhações. Além de não terem salários condizentes, também nunca houve uma política de formação continuada e incentivos aos trabalhadores”.

De acordo com Rejane, o melhor meio de inverter este cenário é com a criação do Plano de Cargos e Salários que proporcione remunerações dignas e priorize a valorização dos trabalhadores. As entidades reivindicam ainda a imediata abertura de concurso público para todas as áreas da Fundação Aperipê, de modo a regularizar e ampliar o quadro funcional.

Para dar continuidade à mobilização em defesa do fortalecimento da comunicação pública em Sergipe, as entidades propuseram mais uma vez à Superintendência da FUNDAP a criação de um Grupo de Trabalho para encaminhar as propostas de reestruturação da Aperipê. Segundo Carol Westrup até o momento não houve resposta. “Estamos aguardando o posicionamento da direção da Aperipê e do Governo do Estado para continuarmos discutindo e avançando nas nossas propostas”, declarou a integrante do Intervozes.

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