Queda de braço entre ministérios garantiu avanços para a comunicação

Durante as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira no Ministério da Cultura (MinC) um dos principais atritos foi interferência em atribuições antes reservadas somente ao "vizinho" Ministério das Comunicações (Minicom), resultando em intensos debates entre os dois ministérios.

Atualmente na coordenação das conferências da Secretaria do Audiovisual (SAV) do MinC, James Görgen defende que houve um estreitamento na relação entre os dois setores: "No projeto iniciado por Gil a comunicação faz parte da política cultural do país, não era vista como alienígena. Era preciso que os meios valorizassem os aspectos culturais".

O Minicom, ainda dotado de atribuições que envolvem maior peso político e econômico, teve respaldo dos empresários das teles e radiodifusão para barrar as investidas do MinC. Essa situação foi perceptível já na primeira grande polêmica envolvendo o MinC e a comunicação no projeto da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e concomitante elaboração de uma Lei Geral da Comunicação Eletrônica de Massa, entre 2004 e 2005. O objetivo era alterar a retrógrada legislação para fortalecer todo o audiovisual brasileiro, incluindo a televisão, via o fomento e fiscalização.

A proposta do MinC foi descartada, devido pressão das grades empresas de mídia do país. Tal conjuntura fez o MinC valorizar sua inserção em setores progressistas da sociedade civil. "Quando não tinha competência especifica o papel (do MinC) era colocar o debate na rua e ser contraponto de ideias pré estabelecidas", explica Görgen.

A leitura feita por Gil do cordel da TV Digital durante aula inaugural da Escola de Comunicação da UFRJ em 2006 foi emblemático quanto as diferenças entre os ministérios e do movimento do MinC em buscar forças para não sofrer outras derrotas como no caso da Ancinav. Enquanto falava sobre democratização no acesso e distribuição de conteúdos e os impactos da digitalização, Gil leu para plateia um cordel que pedia o investimento e adoção do padrão brasileiro da TV digital, além de chamar Hélio Costa de "empresário boçal" que apostava no "monopólio privado".

O decreto da TV Digital acabou por privilegiar um padrão estrangeiro, o japonês, reservando no espectro o contendo de um canal público exclusivo para cultura. Entretanto, a relação entre os dois ministérios continuou tensa. Sem inserção nos meios comerciais de mídia, a estratégia do MinC foi estimular ao lado da Radiobrás e Casa Civil o I Fórum de TVs Públicas em 2007 e a consequente criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Tal movimentação foi sem a presença do Minicom, que havia perdido credibilidade no núcleo do governo, pois as eleições de 2006 foram marcadas pela oposição da Rede Globo, a principal parceira do Ministro Hélio Costa no decreto da TV Digital. Isolado, Costa até tentou tumultuar o processo ao sugerir a criação de uma TV estatal então avaliada em R$ 250 milhões, mas não obteve sucesso.

Troca ministerial

Em julho de 2008 Gil deixou o MinC para voltar a priorizar a vida artística e familiar e passou o bastão para Juca Fecrreira. Teoricamente a ausência do músico tropicalista enfraqueceria a pasta, mas Juca foi responsável direto pela reestruturação do MinC e também detinha experiência para lidar com a conjuntura política do segundo mandato de Lula. Assim, a Cultura aglutinou o fracassado projeto da Ancinav para influenciar temas de peso como o Grupo de Trabalho (GT) responsável pela proposta de reformulação do Marco Regulatório das Comunicações, o desenvolvimento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e Projeto de Lei (PLC) nº116 (ex-PL 29).

"Contribuímos de forma permanente nessa área, sob visão sistemática. Não percebemos a comunicação como mera infra-estrutura, tubos e conexões. Mas o que é transportado, foi para o superestrutural, na disputa do simbólico. Não entendendo apenas como ligação do interpessoal, mas também de massa, de todos os tipos", defende James Görgen.

No GT do Marco Legal foi discutido a possibilidade da Agência Nacional de Cinema (Ancine) ficar apenas com o papel de fomento e se reativar as ideias da Ancinav, de fiscalizar o audiovisual . Já no Governo Dilma Roussef o parecer jurídico do Minicom demarcou a tendência da fiscalização dos radiodifusores ser da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que já formou um GT com a Ancine a fim de criar regras específicas para canais por assinatura.

No PLC 116 o MinC intensificou o papel dos seus articuladores no Congresso para aprovação. Apesar das inúmeras modificações, a postura do ministério e também a Ancine é pela aprovação imediata, fato continuado pelo gestão de Ana de Hollanda. O maior interesse é o incentivo a produção regional e independente que terão cotas especificas a serem cumpridas pelas programadoras dos canais por assinatura. Vale lembrar que na Ancinav eram previstas medidas que se aproximavam desses princípios do antigo PL 29.

Durante o 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual (CBC) o PLC 116 foi elencado como prioridade para o setor. Além das cotas na programação, a Ancine terá elevada sua capacidade de fomento a produção. O diretor da Ancine, Paulo Alcoforado, sintetizou ao público preocupações de setores do governo que rodearam o MinC: "Para o produtor independente se sobressair ao lado das teles e radiodifusoras é preciso comprovar que a descentralização movimenta a economia".

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