Moçambique regula uso de celulares após revoltas convocadas por SMS

"Moçambicano, prepara-te para a greve geral 01/09/2010. Reivindicamos a subida do preço do pão, água, luz e diversos. Envie para outros moçambicanos. Despertar". Convocados por mensagens SMS como esta, que se espalharam como vírus em Maputo, capital de Moçambique, na última semana de Agosto, manifestantes se reuniram em 1˚ de Setembro em diversos bairros de periferia, bloquearam as entradas para o centro da cidade e enfrentaram a repressão policial para protestar contra aumentos nos preços dos produtos básicos. A resposta do governo ao uso de celulares como meio de mobilização foi rápida. No mês de Setembro, houve suspensão nos serviços de SMS de celulares pré-pagos e foi instituído um cadastro obrigatório de todos os chips do país em um prazo de dois meses.

 

Animada por novos SMS, a revolta continuou até dia 3. “Moçambicanos, o Guebuza (Armando Guebuza, presidente de Moçambique) e seus lacaios estão a mentir como sempre mentiram. Não paremos com a greve até que o governo adote medidas para a redução do custo de vida. A luta continua”.

 

Em Moçambique, é mais comum ter celular que energia elétrica em casa. Quase 30% da população (mais de 6 milhões de pessoas) tem celular, enquanto apenas 10,5% tem acesso energia (dado de 2008). Atualmente há duas operadoras de telefonia móvel no país: a estatal Mcel (Moçambique Celular) e a privada Vodacom, que tem como um de seus acionistas ninguém menos que o Presidente da República Armando Emílio Guebuza. O custo das ligações e dos SMS em Moçambique é mais barato que no Brasil: o minuto varia de R$0,15 a 0,35 contra uma média de R$0,45 no Brasil, quando não saem de graça devido a promoções.

 

Menos de uma semana depois do início dos protestos, os usuários da rede móvel moçambicana começaram a relatar que os serviços de SMS dos celulares pré-pagos (os mais usados pelas classes mais baixas) tinham sido interrompidos. A imprensa moçambicana apurou que o Instituto Nacional das Telecomunicações de Moçambique (INTM), sujeito à tutela do Ministério dos Transportes e Comunicações, ordenou no dia 06 de Setembro que as duas operadoras de celulares suspendessem temporariamente os serviços de SMS por motivos de segurança nacional. O ministro da pasta, Paulo Zucula, negou veementemente as acusações e as duas operadoras inicialmente alegaram “avarias”, ou seja, falhas na rede.

 

A verdade veio à tona no dia 16, quando o grupo sul-africano Vodacom divulgou nota confirmando que sua subsidiária moçambicana recebeu instruções de bloqueio de SMS e que o serviço só foi reestabelecido no dia 8. "As leis em Moçambique requerem que a companhia cumpra tais instruções e a companhia agiu em conformidade", disse em nota o diretor para os Assuntos Corporativos do Grupo Vodacom, Portia Maurice. O Instituto para a Liberdade de Expressão (FXI), com sede na África do Sul, disse que houve “violação dos direitos de liberdade de expressão dos cidadãos moçambicanos”.

 

Já no dia 15, sem alarde, o Ministério dos Transportes e Comunicações publicou uma medida obrigando o cadastro de todos os chips de celulares pré-pagos em uma base de dados do governo, no prazo apertado de dois meses. A medida só veio a público na última segunda-feira (27). Todos os chips que não forem cadastrados serão bloqueados. Por apenas 20 Meticais (R$1,10), era possível comprar um chip de celular sem burocracia com vendedores ambulantes de “giro de telemóvel”, que em português do Brasil quer dizer crédito de celular.

 

A inexistência de um cadastro anterior tornou impossível descobrir quem iniciou o envio de SMS que mobilizou a greve. Se já existisse, os autores das primeiras mensagens SMS que convocavam para a greve poderiam ser acusados de incitação à violência, assim como ocorreu com o rapper moçambicano Azagaia, em 2008. Depois de lançar a música “O Povo no Poder”, que fala de uma rebelião popular contra o governo, ele foi chamado a depor na Procuradoria Geral da República acusado de incitar violência. “Salário mísero, o povo sai de casa e atira para o primeiro vidro / Sobe o preço do transporte, sobe o preço do pão / Agora pedem ponderação”, diz a letra da música.

 

O Ministro Zucula afirmou à Televisão de Moçambique que o cadastro obrigatório ajudará em investigações criminais. Entre os crimes que se pretende combater, Zucula apontou sequestros e resgates e não citou diretamente protestos e manifestações. Já o diretor-geral do INTM, Américo Muchanga, não descartou que o cadastro obrigatório surgiu como resposta à revolta popular. “Não quero excluir que, provavelmente, no decisão, as manifestações, de alguma maneira, possam ter forçado a alguma possibilidade de decisão. Mas é preciso dizer que do nosso lado já vínhamos trabalhando sobre este processo, bem antes das manifestações”, afirmou em entrevista ao jornal O País.

 

O Centro de Integridade Pública, uma organização moçambicana que já havia denunciado o uso de balas reais para reprimir os manifestantes, emitiu na terça-feira (28) um comunicado em que acusa o cadastro obrigatório de conter uma "intenção de repressão da liberdade de expressão potencialmente contestatória das desigualdades sociais". Além disso, diz que a medida não passou por "consulta publica nem consulta restrita aos atores relevantes no processo de elaboração legislativa. Há indicações segundo as quais os operadores de telefonia móveis também não foram consultados".

 

O texto da medida afirma que o cadastro obrigatório pretende "promover o uso responsável do Cartão SIM, contribuindo assim para a manutenção da ordem e tranquilidade públicas", trazendo implícita a mensagem de que o envio de SMS para convocar a revolta popular foi um uso irresponsável do celular.

 

No início da revolta popular, a reação das autoridades foi desqualificar os manifestantes e não negociar a redução dos preços. O Ministro do Interior foi à televisão dizer que eles não passavam de "aventureiros, bandidos, malfeitores" e o Presidente Guebuza afirmou que eles estavam a trazer luto e dor para as famílias moçambicanas. No dia 7, o governo voltou atrás e congelou os aumentos nos preços do pão, água e energia elétrica. Números oficiais apontam que 13 pessoas morreram no confronto com a polícia, cerca de 500 ficaram feridas e outras 300 foram detidas.

 

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