Movimentos se apropriam da Arte e da Comunicação em suas lutas

A Cidade Tiradentes foi o último conjunto habitacional construído em São Paulo. Sua função era servir de cidade dormitório para trabalhadores do ABC. Apesar de planejado, como é comum na história da periferia paulistana, o projeto não foi bem desenvolvido, e hoje é um enorme distrito (distante 35km da Sé) com sérios problemas estruturais, onde moram mais de 200 mil pessoas. Quem conta a história é Wellington Lopes Goes, do Núcleo Cultural Força Ativa, movimento que tenta mobilizar os jovens locais pela cultura – hip hop, incentivo à leitura e ao estudo, etc. Wellington foi um dos convidados da Semana de Movimentos Sociais da USP, que aconteceu de 18 a 24 de setembro, na Escola de Comunicações e Artes.

Não são movimento artístico nem movimento social, assim se indefinem. Por meio de pequenas ações e manifestações artísticas tentam problematizar o cotidiano que as pessoas vivem. “Através da poesia trazer concepção de mundo que tá na vida das pessoas, mas que elas não percebem porque tem que fazer outras coisas”, diz Wellington Goes. Uma das principais atividades do grupo é o funcionamento da biblioteca comunitária, que surgiu para impulsionar a criação de uma pública.

Formada com doações da própria comunidade, começou com 1500 livros em 2001, e com o passar do tempo chegaram ao número de cinco mil catalogados e 500 não catalogados – o que, segundo Wellington, prova que a comunidade lê, “talvez não leia um por mês, mas um por ano sim. De certa forma, lê”.

A biblioteca acabou servindo também para formação de novos leitores. Atraíram muitos jovens com isso, e logo começaram um projeto de interpretação e escrita de textos. Para isso tiveram a ajuda do hip hop com oficinas de música, incentivando as pessoas a escreverem. “Quebramos a visão de serviço público. No começo, o pessoal achava que era serviço pelo costume. Fomos ensinando as pessoas a por a mão no livro, a pesquisar, sem ter medo de ter contato com o livro”, conta.

Tentaram colocar discussões sobre cultura para que o povo se mobilizasse. Inicialmente queriam que a prefeitura fizesse uma biblioteca em Tiradentes – que é do tamanho de muitas cidades do estado, porém a biblioteca pública não veio.

Quanto ao financiamento, se inscreveram em editais e chegaram a ter dois anos de financiamento público, o suficiente para comprar alguns livros, videoteca, e pagar um técnico por um tempo. O problema de organizações pegarem financiamento, acredita, é se as pessoas acharem que para começar qualquer projeto precisa de financiamento de fora. “Tem grupos que vivem pra isso, o fim é isso, captar recursos pra fazer. Aí eu acho que é uma confusão no movimento social. Isso é o fim do movimento”, opina Wellington.

Arte

Repensar a arte. Como ela pode organizar o cotidiano, ajudar o público a enxergar o cotidiano de forma inusitada, não dispersa; tirar a pessoa do dia a dia e levá-la a refletir, para que ela volte à realidade com outro olhar. Esse é o conceito de arte que prefere os integrantes da Força Ativa, inspirados em teóricos como Georg Lukács – citado a todo o momento por Wellington. Arte relevante seria aquela que desperta o reconhecimento do gênero humano, e não o reflexo do indivíduo egoísta, pós-moderno.

Fora da periferia, na Vila Madalena, a arte para a classe média encontra-se com os movimentos sociais. É a Companhia do Latão, que também esteve presente na Semana de Movimentos Sociais da USP na pessoa de Sérgio Carvalho, um dos fundadores da Cia, e professor de Dramaturgia e Crítica do curso de Artes Cênicas da ECA. A parceria com movimentos sociais do campo (como MST e Via Campesina) fez o Latão ser do jeito que hoje é conhecido, com crítica à sociedade e abordagem da luta de classe em clássicos como Santa Joana dos Matadouros e Círculo de Giz Caucasiano.

O Latão, surgido no começo dos anos 90, teve uma ligação acidental com os movimentos sociais. Quando fizeram Santa Joana dos Matadouros (de Bertold Brecth), bispos da Igreja pediram para apresentar a peça em Brasília, para o clero e lideranças do MST, que na época fazia sua segunda maior marcha da história. Trabalharam com grupos de cultura do MST e da Via Campesina para teatros, e chegaram a fazer vídeo com a Via.

“Se não tivéssemos ido em teatrão, não teríamos influenciado teatro crítico em São Paulo. No começo dos anos 90 não tinha a quantidade de teatro crítico que tem hoje, era bem diferente o cenário, onde há dezenas de grupos atuando inclusive na periferia. Mas ocupamos espaço de visibilidade”, afirma Sérgio. Para ele, só chegar na periferia não adianta se a produção não for crítica. Quanto ao mercado, não tem como escapar, a forma mercadoria é uma potência – o modelo dominante é “avassalador”, e a forma, diz, contém ideologia -, mas os novos grupos como Dolores, Engenho Teatral, Antropofágica, estão percebendo a necessidade de dramaturgia critica mais avançada, acredita.

A forma mercadoria também é um problema que afeta outras áreas, como os jornais. Sérgio lembra o caso do Brasil de Fato, de onde fez parte do conselho editorial. Apesar de o projeto inicial ser um jornal radical, conforme as idéias foram aparecendo, estavam muito próximas do padrão mercantil, em sua avaliação. A produção cultural é outro problema que jornais e teatros alternativos esbarram: se não se tem dinheiro ou propaganda, como manter uma equipe profissionalizada?

Sérgio também acredita que é preciso tomar cuidado com financiamento público, mas não fugir dele. “Teatro em São Paulo tem acesso a fomento publico. Antes era miséria, hoje é semi miséria, e dá para continuar a pesquisa, não só produzir espetáculo”. Para os grupos que querem se organizar politicamente, criar círculos alternativos na contramão, financiamento público é o único caminho, hoje. “O caminho publico é o único jeito. Caminho empresarial não tem nada”, avalia Sérgio.

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