Vulnerabilidade do público infantil torna regulação publicitária essencial

O aniversário de 20 anos do Código de Defesa do Consumidor traz à tona a discussão sobre a efetividade da regulação do mercado publicitário e da necessidade de uma regulação específica da comunicação mercadológica dirigida às crianças.

O CDC determina que é proibida toda a publicidade abusiva, definida como, entre outras, aquela que “(…)se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”, reconhecendo a vulnerabilidade da criança. 

Justamente por essa fragilidade da criança, junto com o papel central que ela ocupa cada vez mais nas decisões de consumo da família, vemos um aumento das publicidades destinadas a esse público. Em 2006, os investimentos publicitários destinados à categoria de produtos infantis foram de aproximadamente R$ 209 milhões (IBOPE Monitor, 2005×2006), isso sem considerar as publicidades de outros artigos, do mundo adulto, que também são endereçadas a esse público.

Apesar de todo esse investimento, a criança até 12 anos ainda não tem a maturidade cognitiva necessária para realizar pensamentos abstratos, sendo incapaz, por exemplo, de diferenciar programas de informes publicitários. Dessa maneira, muitas publicidades tornam-se abusivas, ao não respeitar as particularidades do público infantil.

Apesar de podermos considerar que, a partir do conceito colocado no CDC, a publicidade dirigida a crianças já é ilegal, devido à falta de claridade de definição do conceito no Código sua aplicabilidade fica restrita. “Dada à importância da proteção que a criança merece, o ideal seria que houvesse uma legislação especial sobre o assunto”, acredita João Lopes Guimarães Junior, promotor de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos do Consumidor, do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Diferentes países possuem uma legislação nesse sentido, como Noruega e Suécia, onde é proibida a publicidade de produtos e serviços direcionados a crianças com menos de 12 anos e qualquer inserção publicitária durante programas infantis. E a publicidade na Noruega não pode sequer ocupar mais de 15% do tempo da programação diária.

“O mercado entrou com tudo dentro do âmbito familiar, o que cria um contexto em que é importante existir uma regulação”, acredita Marcelo Sodré, procurador do Estado de São Paulo.

Publicidade de alimentos

A questão se agrava ainda mais ao considerarmos os efeitos da publicidade na saúde pública, como nos altos índices de obesidade infantil. Pesquisa do IBGE revelou que uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estavam acima do peso em 2009, e que o excesso do peso dobrou nos últimos 34 anos. Fica evidente que a questão deixa de ser apenas do âmbito particular das famílias e passa para o âmbito do próprio estado, que tem como dever estipulado pela Constituição promover a saúde pública através de ações preventivas.

Esse foi o fato motivador, por exemplo, da restrição da publicidade de tabaco e de bebidas destiladas. “Já há um consenso de que o Estado pode intervir na publicidade. Se essa restrição é possível para adultos, o que dizer do público infantil, que é mais vulnerável”, diz Lopes.

A comunicação mercadológica de empresas produtoras de alimentos não saudáveis acaba por incitar o consumo pela manipulação do imaginário infantil, glamourizando a gordura, o sal e o açúcar, ações que não encontram proteção na legislação brasileira.

Autorregulamentação

Assim, a regulamentação do Estado na questão da publicidade se torna necessária, independentemente da existência da autorregulamentação no setor. “Acho o autocontrole muito saudável, mas numa sociedade democrática nenhum setor da economia deve ficar imune ao controle do Estado”, afirma Lopes.

“Existe uma confusão entre liberdade de expressão e publicidade”, acredita Sodré. Para os especialistas na área jurídica, não há na Constituição Federal nada que defina esse conceito de liberdade de expressão comercial. Na legislação, essa liberdade é identificada como “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”, é a externalização da liberdade de pensamento. Já na publicidade, o seu autor não externa um pensamento seu e não professa um credo pessoal, fazendo com que esse tipo de comunicação não se enquadre no artigo constitucional.

No Brasil, o mais recente acordo de autorregulamentação foi firmado por 24 empresas do setor alimentício em agosto de 2009. Embora a atitude tenha sido reconhecida por entidades de defesa do consumidor, depois de um ano em vigor o acordo surtiu poucos efeitos nas ações das empresas.

A autorregulamentação de um setor econômico pode ser muito positiva, se funcionar efetivamente. No entanto, acordos como o da indústria alimentícia mostram a pouca eficácia do autocontrole do setor. A importância do mercado publicitário e a capacidade que o marketing tem de interferir no comportamento das pessoas torna essencial a regulamentação estatal.

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