Poder político e religioso dá sustentação aos programas policiais na Bahia

Os dois programas monitorados pelo Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Universidade Federal da Bahia são transmitidos por emissoras com lastros na política e religião. O tradicional "coronelismo eletrônico" da TV Aratu (SBT), que exibe o Na Mira, e a emergência do poder religioso neopentecostal da TV Itapoan (Record), que transmite o Se Liga Bocão, são armas poderosas para sustentar as constantes violações aos direitos humanos praticadas em suas programações. Já a audiência é dada por estratégias discursivas fixadas em apresentadores que encarnam personagens construídos para preender atenção das crianças e adultos.

A TV Aratu pertence à família de Nilo Coelho, ex-governador da Bahia entre 1989 e 1991 e propietário de extensas fazendas de gado no Sudoeste do Estado. Nilo chegou ao posto de governador como vice de Waldir Pires, que foi compor a chapa presidencial com Ulysses Guimarães, em 89. Na época, a Aratu era a retransmissora local da Rede Globo até ser substituída pela Rede Bahia ainda 1987, quando o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (ACM) era ministro das Comunicações e opositor de Nilo Coelho. Hoje no PSDB, Coelho é candidato a vice-governador na chapa com Paulo Souto (DEM), mas seu prestígio não é o mesmo. Nem o da TV Aratu, que não retomou a dianteira local.

O Na Mira foi o carro chefe da emissora até maio, quando o apresentador Uziel Bueno deixou a tevê e se lançou como candidato a deputado estadual nas eleições deste ano pelo PTN, coligado do candidato a governador Geddel Vieira Lima (PMDB). Bueno é graduado em jornalismo na UFBA e ascendeu como repórter do Se Liga Bocão. Ao deixar de trabalhar na TV, transferiu a vaga para Analice Sales. Porém manteve-se o personagem do apresentador justiceiro, vestido com sobretudo preto, gritos, vocabulário chulos e expressões como "Entre o céu o e inferno existe o Na Mira”. A imagem baiana criada pelo programa é de lugar destinado à fatalidade, principalmente àqueles de cor negra que circulam nos bairros populares. Os apresentadores desafiam o telespectador a enfrentar o mundo do Na Mira: "Aqui não é show da Xuxa".

Proselitismo e violência

A TV Itapoan começa a operar o sinal na década de 1960 como uma das afiliadas da TV Tupi, sob propriedade dos Diários de Associados, de Assis Chateubriand. As sucessivas crises facilitam venda a um empresário e político local, Pedro Irújo. O caminho de estabilidade da Itapoan só chega em 1997, quando é novamente vendida à Central Record de Comunicação, do bispo Edir Macedo. Desde 2007 passou a chamar TV Itapoan/Record Nordeste e assumiu o posto de central de jornalismo da rede na região, em especial da Record News.

O bispo Marinho é o responsável pelas orientações da emissora. Marinho é candidato à reeleição no cargo de deputado federal pelo PP na mesma chapa do governador Jaques Wagner (PT). Desde o segundo turno das eleições da capital em 2008, Marinho se aproxima do PT. No período, foi candidato a vice-prefeito da capital em chapa encabeçada com ACM Neto (DEM). A junção com Neto se deu após Raimundo Varela, que comanda o principal programa da TV, o Balanço Geral, desistir de disputar as eleições para prefeito. Como precaução a candidatura de Varela (PRB), a Record contratou Zé Eduardo, o Bocão, da concorrente TV Aratu, para comandar a emissora no horário do almoço.

O programa Se Liga Bocão era apresentado pela TV Aratu e misturava humor grotesco, violência e ações assistencialistas. A saída do radialista Zé Eduardo foi tumultuada, sob acusações de chantagear empresários. Caso não contribuíssem financeiramente com o apresentador, tinham seus negócios atacados pelo programa. Além de assumir a TV Itapoan, Bocão também transferiu sua popularidade para rádio Itapoan FM, em especial na cobertura do futebol local.

Na Record, o Se Liga Bocão teve audiência disputada com o Na Mira, mas ao invés do papel de justiceiro, incorporou o pastor, que escolhe aqueles aptos a serem salvos ou não. A música "Jesus Cristo" de Roberto Carlos é a mais tocada na trilha sonora. Em meio às cenas de violência, e vocábulo menos pejorativo que o concorrente, dinheiro é ofertado aos ouvintes numa roleta: basta ter sorte e ficar ligado no programa para ganhar.

 

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