Pessoas com deficiência e a 1ª Conferência Nacional de Comunicação

Ednilson Sacramento, militante com deficiência visual, foi o representante da ONG Arcca (Acesso e Reintegração à Comunicação, Cultura e Arte) na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), e também das pessoas com deficiência que, apesar de não terem marcado a Conferência de forma massiva, conseguiram chamar atenção para as suas reivindicações. Uma série de propostas sobre o tema foram aprovadas, como recursos para acesso à comunicação (audiodescrição, legendagem para surdos e intérprete de Libras) e adaptação de infocentros para receber essa população.

Segundo o Censo 2000, aproximadamente 14% da população possui algum tipo de deficiência, o que “só é visível quando tem algum evento, alguma organização pública. No dia a dia elas [pessoas com deficiência] são invisíveis”, analisa Ednilson, que foi um dos poucos delegados com deficiência presente na Confecom. Além de integrar a Arcca, Ednilson faz parte da rede Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador, e é conselheiro titular do Conselho Estadual das Pessoas com Deficiência do Estado da Bahia (Coed). 

Na opinião dele, a Confecom não ofereceu muitas possibilidades de ação, “mas pautamos a questão de acesso na comunicação, isso ficou evidente na maioria dos GTs (grupos de trabalho). A Confecom serviu como uma grande mesa redonda onde pautamos nossas questões”. Outra vitória foi a sensibilização de militantes de outras causas pelas reivindicações das pessoas com deficiência, de modo que suas pautas estiveram presentes em muitas discussões.

Quem também acompanhou a Confecom foi Paulo Romeu Filho, analista de sistemas da Prodam ETIC e militante com deficiência visual. A principal reivindicação aprovada na Conferência, segundo ele, foi a implementação imediata do que determina o decreto 5296 de 2004 – que aprova a lei de acessibilidade. A proposta contra a "protelação, procrastinação, enrolação do Ministério das Comunicações em relação à audiodescrição", não precisou nem ser votada na plenária final, por ter mais de 80% de aprovação nos GTs.

"Na prática tenho desconfianças de que (a Confecom) vai influenciar muito pouco", analisa Paulo. Ele lembra da situação inconstitucional em que se encontra o Brasil, ao não pôr em prática a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, cujo Brasil é signatário, e que fala de acessibilidade na comunicação. "A emenda 45 da Constituição, diz que os tratados internacionais de direitos humanos que forem aprovados pela Câmara e pelo Senado sobre determinadas condições, vigoram no Brasil com status de emenda constitucional. Portanto, como a Convenção foi aprovada estamos em fase de descumprimento no supremo Tribunal Federal", esclarece.

Diferentemente de outros participantes, os desafios para os militantes com deficiência não foram só políticos. “As pessoas com deficiência precisam vencer quatro obstáculos para participarem como os outros: saúde, transporte especializado, a acessibilidade do local do encontro e o material precisa ser acessível para se participar de um GT”, explica Ednilson.

“Queremos ser incluídos plenamente”

A Confecom não poderia pretender ser mais prática que o decreto 5296/04, que regulamenta os critérios de acessibilidade. “Tivemos cinco anos para por em prática o decreto, e infelizmente o Ministério das Comunicações não se tocou. Pouco se fez, algo em torno de 10% ou 15% do que se previa. Os prazos de tolerância expiraram em 2008, e estamos no buraco entre a aprovação e o cumprimento da lei”, compartilhou desanimadamente Ednilson.

Quanto à audiodescrição, desde a última portaria do dia 27 de novembro de 2009, que abriu a quarta consulta pública sobre o assunto (ver matéria), diminui-se as horas de programação acessível em relação ao que estava previsto na primeira versão da norma.

As regras para a aplicação da audiodescrição só valerão para as emissoras que funcionarem com o sinal digital. Para as poucas que já operam digitalmente, foi estabelecida a obrigação para que elas comecem a transmitir seus conteúdos com a audiodescrição até 1º de julho do ano que vem.

No começo, será preciso exibir apenas duas horas semanais e, depois de onze anos, devem chegar a 24 horas semanais de conteúdo audiodescrito. Na primeira versão da norma, em 10 anos, as TVs teriam de ter 100% da programação acessível ao fim do prazo. 

Essas metas, considera Paulo, desestimulam a formação de trabalho para audiodescritores. "Em vez de a TV servir como um indutor da audiodescrição, acessibilidade, ela faz é o contrário. Quer que 100% do cinema e teatro dêem esse passo, pra só depois ela aplicar, sem correr nenhum risco financeiro". Um agravante disso é o fato da TV ser o meio mais "democrático" de cultura, presente na quase totalidade dos municípios. Além de pessoas com deficiência, mesmo nos grandes centros, as pessoas não têm o costume de ir a teatros e cinemas, pelas dificuldades de compreensão e locomoção. E apenas 8,7% dos municípios do país possuem cinemas.

Ednilson classifica a acessibilidade como um “calcanhar de aquiles” da comunicação, “embora já estejam regulamentados por decreto, as emissoras de TV insistem em não aplicá-las”. Acrescentou também as mazelas de se ter um ministério como o das Comunicações, que não é um aliado para fazer valer os direitos das pessoas com deficiência. 

Cenário Pós-Confecom

Ednilson acredita que a Conferência, que aconteceu entre os dias 14 e 17 de dezembro passado, pautará as discussões daqui para frente, tendo ela aguçado o olhar dos governos, empresários e sociedade civil para as pautas. “Nem tudo será resolvido em 2010, como a questão da banda larga, da aceleração do processo de outorga de rádios comunitárias, os critérios de uso dos espectros de TV e rádios…”. Porém, ele acredita que, para uma área com atraso de quarenta anos, o ano de 2010 pode vir com algum sinal de mudança.

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