Versão aprovada na CCTCI acomoda demandas de vários setores

A TV por assinatura brasileira está mais perto de ganhar novas regras. Depois de quase três anos circulando na Câmara Federal, o Projeto de Lei nº 29/2007 foi aprovado nessa quarta-feira (9) pelo grupo técnico da área, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Divergências significativas foram resolvidas, como a aplicação de cotas para canais brasileiros e independentes nos pacotes. Como nenhum destaque feito por outros parlamentares foi referendado, o substitutivo do deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE) segue como a versão mais atual do projeto. Organizações sociais e empresariais do setor gostaram do resultado das discussões. Cada um por motivos diferentes.

O PL-29, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), tinha o objetivo inicial de, à luz da convergência de tecnologias, abrir o mercado de TV por assinatura para as empresas que operam serviços de telefonia, as teles. Com o passar do tempo, seu escopo foi ampliado. Do jeito que foi aprovado, além de permitir a entrada das teles na distribuição dos conteúdos na TV paga, o projeto também fomenta a produção independente e nacional, regula a cadeia de produção definindo as atividades de comunicação audiovisual de acesso condicionado (produção, programação, empacotamento e distribuição) e cria uma fiscalização no setor, por meio da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Confira a versão aprovada .

A justificativa para a motivação original do projeto, a entrada das teles no mercado de TV paga, é criar competição e, com isso, baixar os preços das assinaturas aos consumidores e aumentar a cobertura do serviço. Preocupação justificável, já que atualmente apenas 7 milhões de domicílios brasileiros têm o serviço. Porém, como boa parte dessas empresas são estrangeiras e o projeto, como já dito, acabou regulando também a produção de conteúdo, o debate sobre o PL-29 acabou sendo pautado pela preocupação com a desnacionalização do setor.

O texto aprovado na CCTCI criou limites para atuação das teles. Elas não podem, por exemplo, adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional nem contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais. Ou seja: empresas operadoras de telefonia não podem atuar na produção de conteúdo. Também está presente no PL que um dos princípios da TV por assinatura é “a promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira”.

Incentivos

As últimas – e talvez maiores – divergências entre os deputados foram resolvidas nessa quarta-feira (9), na sessão da CCTCI. Uma delas era referente a criação de uma política de cotas para produções brasileiras e independentes nos pacotes. O deputado Paulo Bornhausen foi a principal voz contrária à medida. “O cidadão vai pagar a conta sem pedir. Ele vai receber aquilo que não comprou. Isso vai impor um pacote que ele não tem condições de se livrar”, disse ele, que caracterizou a proposta como ideológica. Seus argumentos, porém, não foram convincentes e até mesmo membros de partidos aliados ao Democratas votaram contra seu destaque.

Ficaram, portanto, instituídas algumas formas de cotas. Nos canais de espaço qualificado (aqueles que exibem majoritariamente filmes, seriados, programas de auditório e teledramaturgia em horário nobre), no mínimo três horas e trinta minutos semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar o espaço qualificado. A metade desta programação brasileira deverá ser produzida por produtora independente.

Além disso, diz o texto do projeto, em todos os pacotes ofertados ao assinante, a cada três canais de espaço qualificado existentes, ao menos um deverá ser canal brasileiro configurado nessa mesma categoria. E dos canais brasileiros de espaço qualificado a serem veiculados nos pacotes, ao menos dois canais deverão veicular, no mínimo, 12 horas diárias de conteúdo audiovisual brasileiro produzido por produtora brasileira independente, três das quais em horário nobre.

Com o intuito de complementar as cotas, ficou aprovado que parte dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) deverá ser investido no aumento da produção de conteúdo nacional. Hoje, grande parte da receita do Fistel é usada para superávit primário. A proposta aprovada na CCTCI institui que parte da arrecadação do Fistel será destinada para a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Condecine), que já existe.

O texto aprovado também propõe uma distribuição regional da Condecine: no mínimo, 30% do total de recursos deverá ser destinado à produtoras brasileiras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e no mínimo, 10% deverá ser destinado ao fomento da produção audiovisual independente veiculado primeiramente em canais comunitários, universitários e de programadoras independentes. De acordo com levantamento feito pela assessoria parlamentar da Câmara em 2007, essa quantia total chegaria próximo de R$ 340 milhões ao ano. Apenas o deputado Paulo Bornhausen votou contra a proposta.

A Associação Brasileira de Produtoras Independentes (ABPI-TV) comemorou o texto que saiu da CCTCI. “A regulamentação de um horário para a produção independente nacional já existe há mais de 20 anos em praticamente todos os países da Europa e da América do Norte. As maiores produções mundiais foram realizadas por meio de produtoras independentes”, disse a entidade, por meio de nota.

Com um pouco menos de entusiasmo, Roger Madruga, diretor da Associação Brasileira de Produtores de Audiovisual (ABPA), também acredita que o projeto tem seus méritos. “É o que é mais possível para viabilizar essa mudança de paradigma na televisão por assinatura, especialmente para a produção independente, que vai ter um espaço que até hoje não tinha garantido. Acho que o PL tem um posicionamento na questão do tripé fomento, cota e regulação. Não foi o ideal, mas foi o possível”, avalia.

Canais públicos

Outro conflito que só terminou na última sessão da CCTCI foi em relação à obrigatoriedade das operadoras de TV por assinatura distribuírem os canais do “campo público”, o chamado must carry. O deputado Sandes Jr. (PP-GO) propôs que as empresas fossem ressarcidas por isso, por meio de abatimento de seus impostos de renda. A votação ficou empatada e o destaque só não foi aprovado porque o relator do substitutivo, Paulo Lustosa, teve o direito de decidir a questão. “Nós estamos regulando uma autorização pública. Gera custos, mas é justo para a sociedade cobrar delas [operadoras]”, defendeu o parlamentar.

Sendo assim, as prestadoras de serviço de acesso condicionado – ou seja, as empresas que distribuem o serviço de TV por assinatura, em qualquer suporte – deverão disponibilizar em seus pacotes, sem custos adicionais para os consumidores, os canais da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal, do Poder Executivo (dois), Educativo, Comunitário, da Cidadania, do legislativo local e universitário.

Avaliações

O diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel, fez questão de elogiar o trabalho dos deputados pelo PL-29. Ele acredita que o projeto aponta para um futuro onde o serviço de comunicação audiovisual de acesso condicionado poderá se universalizar, chegando a população com preços mais baixos, com qualidade melhor e privilegiando o conteúdo e as empresas nacionais. “O país que tem um projeto de nação, que deseja ter um futuro no cenário internacional precisa ser necessariamente um grande centro produtor de obras audiovisuais e cinematográficas”, afirmou Rangel.

Embora tivesse sido contra a implantação das cotas, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) não demonstrou reprovação total ao projeto. A entidade considerou positiva para seus associados, por exemplo, a manutenção da produção de conteúdo nas mãos de empresas brasileiras. A Abert também considerou positiva a possibilidade criada pelo texto de que as empresas de radiodifusão atuem como programadores independentes, ou seja, que canais criados por estas empresas possam contar dentro das cotas de canais nacionais.

A Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura (ABPTA), por sua vez, foi a única entidade a ser incisiva na demonstração de insatisfação com o PL-29. A ABPTA ainda sustenta o site (www.liberdadenatv.com.br) contra, principalmente, a política de cotas que foi aprovada pelos deputados da CCTCI e criado quando o projeto começou a tramitar com as propostas de incentivo à produção nacional e independente. Ela justifica sua posição “por defender a liberdade do consumidor de poder escolher que tipo de programação deseja adquirir”. E ainda afirma que as medidas previstas no PL-29 são uma imposição com objetivo de reserva de mercado que poderá aumentar o valor mensal da assinatura.

As diferentes avaliações das associações empresariais, do campo social e do Poder Público mostram que o projeto conseguiu, pelo menos em parte, atender várias demandas específicas. De certa forma, muitos consideram que ele está melhor do que o texto original proposto por Bornhausen. É o que pensa o professor de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcos Dantas. Embora acredite, por exemplo, que o tempo destinado paras as cotas (3h30) seja pequeno, defende que o projeto conduzido por Lustosa avança ao identificar os elementos da cadeia produtiva e trazer a Ancine para dentro do setor audiovisual em sentido ampliado e não mais apenas o cinema. “É importante assumir uma política de regulamentação também para o conteúdo”, destaca.

O projeto ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Depois de aprovado na CCJ, ele ainda irá ser discutido pelos senadores. Se houver um acordo entre os partidos, ele pode ter sua tramitação acelerada. Se isso não acontecer e ele for alterado no Senado, a Câmara terá que analisá-lo novamente.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *