FML discute sustentabilidade dos projetos de mídia livre

A sustentabilidade das mídias livres foi um dos temas mais debatidos durante o II Fórum de Mídia Livre, que foi realizado em Vitória, neste último fim-de-semana (4 a 6). Toda uma manhã e uma tarde do encontro foram dedicadas à discussão do problema do financiamento, que já foi responsável pelo fechamento de veículos e projetos alternativos importantes. O caminho apontado pelos participantes deve ser o de aproximar os chamados midialivristas da rede de economia solidária e criar uma rede própria, da comunicação. Até a criação de uma moeda social surgiu nas conversas.

A questão não é simples. Além de pensar formas de captar verba para criar e manter projetos de comunicação comunitários e alternativos, ainda há o impasse sobre como o modelo de financiamento pode manter a independência e autonomia dessas mídias. O que fazer diante de tal situação? Recorrer ao mercado tradicional? Criar outro tipo de mercado? Cobrar investimentos do Estado? Essas foram algumas das dúvidas que guiaram o debate.

Tomando como exemplo experiências construídas com mais freqüência em outras áreas, a prestação e a troca de serviços e produtos entre os grupos midialivristas foi bastante citada nos debates do Fórum de Vitória. Um dos pontos positivos desse modelo é a possibilidade de conseguir recursos a partir de algo que o grupo cultural ou midiático já produz. Isso pode diminuir a necessidade de buscar auxílio em editais abertos por órgãos ou empresas públicas, por exemplo, que não necessariamente podem atender o conjunto de produtores de uma determinada área e também podem variar de acordo com os governos vigentes.

Algumas iniciativas já estão sendo realizadas neste sentido, pelo menos dentro de outros circuitos, como os dos Pontos de Cultura. O projeto iTEIA, idealizado pelo Instituto InterCidadania, vai criar a partir do ano que vem um ambiente digital em seu site para que os grupos divulguem e troquem produtos e serviços entre si. “A gente já trabalha com a troca presencialmente. O que o Pontão do iTEIA pretende fazer agora é criar um módulo onde isso pode ser feito de maneira virtual”, explica o coordenador de Articulação e Treinamento do projeto, Pedro Jatobá. Ele também diz que isso será feito em parceria com o grupo Cirandas, que mantém um portal de economia solidária na internet.

Essa espécie de “escambo moderno”, porém, pode também trazer seus riscos para determinados grupos. É o que avalia Marco “Amarelo” Konopacki , integrante do Coletivo Soylocoporti. Sua análise parte da perspectiva de que nem todos os produtores culturais e de mídia livre podem estar interessados em oferecer um produto. “A gente não pode ficar sempre refém de que toda cultura vai se tornar um produto de entretenimento e que vai poder ser vendido”, diz.

Além disso, ele acredita que a prática precisa ser pensada a partir de quem a utiliza. “É diferente falar de cooperativas e associações que fazem alguma disputa política. A cooperativa tem a função de trabalho, que utiliza seu tempo para organizar trabalhadores e obter renda com isso. Agora, associações tem basicamente uma função política. Então, se elas passam a prestar serviço e às vezes tem que adaptar seu discurso para ir para o mercado e obter renda, é perigoso”, compara Amarelo. E defende: “De fato, o caminho do meio poderia ser uma boa alternativa. Ou seja, parte um financiamento público e parte do financiamento do mercado.”

Embora não discorde da eficiência do modelo, o gerente de Comunicação e Mobilização Social da Fundação Banco do Brasil, Claiton Mello, reforça a importância do Estado no fomento às mídias livres. Ele lembra que as empresas de comunicação, além de subsídios, recebem recursos públicos por meio de publicidades vindas dos governos e de empresas e autarquias ligadas a eles. “Essa é uma forma de garantir que esse segmento industrial exista”, diz Claiton. Por isso, seria justo reivindicar que essas verbas também contemplassem as mídias livres.

Talvez a tese mais aceita para solucionar o problema da falta de sustentabilidade seja a combinação das várias saídas possíveis, já que cada uma delas tem seus poréns. “O problema da gente é achar, às vezes, que virá uma resposta que é uma regra geral que todos devem copiar. É o que tem acontecido com os editais. Parece que todo mundo tem que parar suas ações, que já são sustentáveis, e botar uma equipe de cinco, seis pessoas escrevendo projeto para todos editais e criando idéias mirabolantes”, acredita Pedro Jatobá.

O conselheiro do jornal Le Monde Diplomatique Brasil, Antonio Martins, mais do que apresentar uma proposta, fez uma observação sobre a atual conjuntura, que acelera esse tipo de debate. “Há um declínio do trabalho assalariado para algo que pode ser muito bacana, mas pode ser muito ruim”, analisa.

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