Público e convidados detalham problemas e fazem sugestões à EBC

As contribuições da sociedade civil ao seminário “Em Construção – Encontro EBC: diálogos com a Sociedade”, realizado no dia 2 em Brasília, foram o que se pode chamar de ponto alto de um encontro que pretendeu ouvir críticas e fortalecer seu processo de interação com o público. As contribuições do público presente e dos convidados da direção da Empresa Brasil de Comunicação foram desde reclamações referentes à baixa qualidade do sinal das emissoras da empresa até ao modelo de TV adotado pelo Brasil, que pode por em risco o futuro de uma TV pública aberta generalista, passando por críticas aos índices de audiência e à falta de inovação nos formatos e conteúdos das emissoras da EBC.

O seminário organizado pela EBC focou, num primeiro momento, as questões relativas ao papel da estatal na constituição de um sistema público, abrindo espaço para a visão da empresa e a visão da sociedade. A participação dos diretores da Empresa Brasil de Comunicação acabou ensejando uma espécie de balanço dos dois anos de sua existência, mas o seminário também se deteve sobre questões específicas como a operação em rede, o conteúdo e a programação das mídias públicas. Para compor as mesas em cada um dos temas, foram convidados representantes de entidades ligadas às mídias do campo público, organizações relacionadas ao tema do direito à comunicação, à comunicação comunitária e aos produtores independentes, além de pesquisadores e representantes do Conselho Curador e da Ouvidoria da EBC. Os usuários dos veículos da EBC, além de representados pelo público presente – pequeno, considerando-se o ineditismo da iniciativa –, ganharam espaço na programação oficial com a participação de um “ativo telespectador” selecionado pela Ouvidoria.

O primeiro a falar no espaço reservado à “visão da sociedade” foi o ouvidor da EBC, Laurindo Lalo Leal Filho, que falou das adversidades de se fazer comunicação pública em um cenário bastante centrado nos meios privados. Ele também lembrou que, no Brasil, até as medições de audiência e desempenho das empresas são cada vez menos confiáveis, e citou o caso da denúncia feita pela Record contra as medições do Ibope. Já em relação aos trabalhos da Ouvidoria, lembrou que estão disponíveis na página da EBC relatórios bimestrais produzido por ela e que detalha todas as contribuições recebidas.

De antemão, Lalo ressaltou que há um grande número de elogios à programação infantil da emissora, mas, em contrapartida, muitas críticas foram feitas à mudança de programação sem aviso prévio na grade da TV Brasil. “Se a água ou a luz vai faltar e o gestor souber que é previsível, ele avisa à população. A mesma coisa deveria ter sido feita com relação à programação da TV Brasil. Mudanças na TV pública devem ser avisadas com antecedência. É um serviço público, não pode ser diferente”, enfatiza Lalo.

Após as palavras do ouvidor, foi a vez de Dioclécio Luz, indicado pela Ouvidoria pela sua ativa participação e contribuição nos canais de diálogo, tecer seus comentários à programação das emissoras da empresa às quais ele consegue ter acesso como morador de Sobradinho, cidade satélite de Brasília. Na platéia, críticas ao sinal da TV Brasil e da Rádio Nacional já haviam sido feitas, inclusive por moradores de Sobradinho. A questão levantada por estes participantes foi de que se nem nas cidades satélites o sinal era bom, quiçá nos lugares mais longínquos.

Dioclécio, entretanto, iniciou sua contribuição falando do potencial das emissoras públicas para fazer um bom jornalismo para o país. “Essa coisa de ser chapa branca, eu acho que já foi descartada”, comentou, fazendo menção às críticas recebidas pela EBC, especialmente por parte de colunistas de veículos da mídia comercial. Ao longo de sua fala, Dioclécio fez observações a todos os programas da grade da TV Brasil e também da Rádio Nacional. Quanto à programação desta última, Dioclécio fez questão de “informar aos gestores” que o Brasil tinha boas músicas modernas e que elas precisavam estar na programação. Aproveitou a oportunidade para falar também dos filmes brasileiros, constantemente reprisados pela TV Brasil.

A crítica mais contundente feita pelo convidado foi à transmissão da missa aos domingos pela manhã. “É uma vergonha a EBC aceitar transmitir programas religioso. Se for para transmitir esse tipo de programação, que sejam chamadas também outras religiões. Se é para ter um que tenha todos”, disse Dioclécio. Ele sugeriu também que temas polêmicos como aborto e transgênicos, para dar exemplo, fossem tratados de forma mais cuidadosa e com a perspectiva mais explicativa aos telespectadores.

Conselho, crianças e linha editorial

Após as contribuições de Dioclécio, que teve visível apoio da platéia, Bia Barbosa, representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social apresentou as contribuições do coletivo à EBC. Parte destas contribuições já havia sido apresentada publicamente durante audiência pública realizada pelo Conselho Curador da empresa [saiba mais].

Segundo Bia, a linha editorial da empresa tem que ir além da junção de programações compartilhadas e ainda é preciso avançar para trazer mais pluralidade e diversidade na programação de todos os veículos. Ela sublinhou, especificamente, da necessidade de se valorizar o recorte de gênero dentro da programação da EBC, ampliando a já declarada sensibilidade à causa das mulheres.

Para o Intervozes, a sociedade deve contribuir de forma mais efetiva com a programação das emissoras da empresa e deve ficar clara a linha editorial para quaisquer cidadãos ou cidadãs. Ainda na opinião do coletivo, o Conselho Curador deve também se preocupar com questões que vão além de ajustes na programação e no conteúdo e além da TV Brasil. O financiamento e a gestão da EBC devem estar na pauta do Conselho Curador também.

Ao falar do conselho, Bia não perdeu a oportunidade de cobrar da instância um posicionamento dos atuais membros sobre o processo de eleição da próxima gestão. “O Intervozes sugere que essa eleição seja feita de forma direta, com participação de toda sociedade”, defendeu. “É importante frisar que o critério de notoriedade usado pelo presidente da República para escolha dos membros da sociedade civil no Conselho Curador não deu certo. Seis dos conselheiros indicados deixaram o cargo. Temos que pensar outra maneira que leve em conta o envolvimento da pessoa com a questão.”

As críticas feitas pela representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Roseli Goffman foram com relação à discussão da neutralidade na linha editorial. Roseli defende que a EBC adote outro critério, “visto que as pessoas são compostas de subjetividades e a neutralidade não existe”. “Eu espero que a emissora pública adote outro paradigma”, comentou Roseli, que é membro do Conselho Federal de Psicologia.

Roseli também mostrou-se preocupada com a programação infantil, principalmente da TV Brasil. Segundo a psicóloga, outros modelos devem ser pensados para atrair a atenção das crianças, principalmente aquelas que estão entre 6 e 9 anos que atualmente trocam a telinha pelos jogos de videogame. “Não podemos perder a oportunidade de fazer com que a programação para a criança seja atrativa e interativa”.

Da Associação de Amigos da TV Brasil, representada por Beto Almeida, vieram sugestões de maior cuidado com a linha editorial dos jornais. “Hoje vimos a Tereza Cruvinel falar que nem os amigos, nem os inimigos da TV pública sabem os problemas pelos quais eles estão passando, e isso é uma verdade”, ponderou. “Contudo, questões de cuidado com a linha editorial não depende necessariamente de estrutura e financiamento. Chamar um golpista de presidente em meio a um golpe pelo qual passava Honduras é um erro de postura. Não porque o governo brasileiro teve essa posição, mas porque foi também a postura de diversos organismos internacionais”.

Conteúdo e programação acirram debate

Já no debate sobre conteúdo e programação, o jornalista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Antônio Brasil, conhecido como crítico ferrenho da TV Brasil, subiu o tom em suas falas. O ex-repórter e cinegrafista da Rede Globo iniciou sua fala expressando a surpresa em ter sido convidado pelos gestores da EBC, pois, segundo Brasil, todo mundo o conhece e sabe as críticas que ele faz.

Antônio fez falas contundentes, causando visível desconforto. Uma delas foi que se “faltasse a TV pública ninguém sentiria falta, mas que se uma novela saísse do ar todo mundo iria reclamar”. A outra provocação do professor foi sobre a audiência: “A TV comercial é aquela que a gente atira pedra, mas todo mundo assiste, e a TV pública é aquela que todo mundo elogia e ninguém assiste. Parece uma coisa meio esquizofrênica.”

Da platéia, antigos gestores e defensores do sistema público como o Jorge da Cunha Lima, membro do Conselho da Fundação Padre Anchieta/TV Cultura de São Paulo, e Orlando Guilhon, presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub) e superintendente de Rádios da EBC, questionaram as colocações de Antônio. Ambos rechaçaram o critério da audiência, que, segundo os gestores, não podem servir para a TV pública.

Tetê Moraes, da Associação Brasileira de Cineasta (ABRACI), que estava na mesa, também rebateu a comparação da audiência das emissoras públicas com a das comerciais. “Não dá para comparar a capilaridade da audiência que a Globo tem, por exemplo, com a de uma TV em construção”, pondera a cineasta, que defendeu que a construção do público não se constrói da noite para o dia e que a TV comercial tem o público que tem porque foi a opção ao longo de muitos anos.

Jorge da Cunha Lima por sua vez defendeu que “os gostos não vêm da demanda e sim das ofertas” e que, portanto, ainda é muito cedo para falar de uma pouca audiência. Entretanto, Cunha Lima também criticou a mediocridade da TV pública, que ele considerou como “espantosa”.

Das contribuições de Antônio Brasil – que questionou ainda um possível maniqueísmo entre “os que defendem a TV pública que por ser pública é consqüentemente boa e os que defendem a TV comercial que, sendo assim, é conseqüentemente ruim” -, a mais bem recebida pelos presentes foi a de que não tem havido inovação e ousadia da TV pública. “A emissora pública faz tudo menos inovar e isso era justamente o que ela teria condições de fazer por não depender da audiência”.

Os desafios incluem a inovação

A discussão da inovação no conteúdo sugere também uma discussão sobre a inovação tecnológica que bate às portas dos sistemas de comunicação no mundo, comerciais ou públicos. Contudo, as mídias consideradas públicas no Brasil sofrem mais por terem passado um longo período de poucos investimentos, seja em pessoal ou em tecnologia.

Para Gabriel Priolli, jornalista e especialista em TV pública, “a mídia pública, de modo geral, ainda está no século XX, quando não, ainda estamos no século XIX. Estamos debatendo mídias que em sua maioria são unidirecionadas, sem interatividade e por isso estamos perdendo até a audiência infantil”, questiona.

Ainda em sua fala, Antônio Brasil afirmou que a “televisão generalista aberta pode ser coisa do passado em um futuro relativamente breve”. O professor da Universidade de Brasília e também Coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (Lapcom), Murilo César Ramos, também refletiu sobre esta questão do modelo da mídia brasileira, ao qual deve estar subordinado todo o debate sobre a EBC.

Ramos lembra que os Estado Unidos já passa por uma crise muito grande no modelo de televisão generalista. Como o Brasil herdou o modelo americano de comunicação, centrado em um sistema predominantemente comercial, é capaz que esta crise também aqui chegue. “Há uma tendência de segmentação e daí você começa a ver o fim desse modelo generalista. Pode-se dizer que a Band, por exemplo, já é quase uma tevê segmentada”, comenta Ramos.

Contrariando esse modelo e, portanto, admitindo a comunicação diferentemente de um mercado ao sabor das audiências, Ramos coloca que o modelo da televisão aberta generalista, ao contrário, não é o paradigma na Europa, onde prevalece o conceito da Radiodifusão de Serviço Público. “O futuro da TV aberta vai depender da política pensada para TV pública nesse espaço. Um país como o Brasil pode prescindir de uma TV generalista?”, compra Ramos.

Novas políticas e marco regulatório para comunicação

Para pensar uma nova normatização para comunicação, que se faz urgente diante de tantas inovações tecnológicas e, como também pontuou Ramos, da oportunidade da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, não se pode deixar de incluir nas discussões o conceito de Radiodifusão de Serviço Público. “Na nova normatização esse conceito tem que ser tratado com muito carinho. Eu entendo, por exemplo, que o 223 [Artigo 223 da Constituição Federal que trata sobre a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de comunicação] é uma armadilha. Mesmo a TV comercial, ela deve ser de serviço público. Devemos colocar um elemento central nesse debate que é o de Radiodifusão de Serviço Público, que é fundamental não só para as [emissoras] públicas como para as comerciais”, conclui Ramos.

A necessidade de novas políticas para as comunicações – além do novo marco regulatório, que já está em andamento com a própria criação da EBC – também foi assunto recorrente durante o seminário. O clamor por novas políticas deixou claro também a necessidade de interface entre setores como comunicação e cultura, por exemplo.

A cineasta Tetê Morais aproveitou para defender uma política de promoção do audiovisual baseada no modelo europeu, no qual é comum co-produções das empresas públicas com produtores independentes. Para a representante da Associação Brasileira de Cineastas, deve haver políticas mais incisivas de fomento à produção independente bem como a produção parceria entre cineastas a televisão pública.

Vale lembrar que na próxima semana, de 14 a 17, acontece em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Comunicação e mais uma vez questões relacionadas ao Sistema Público de Comunicação brasileiro, bem como às políticas para setor serão debatidas. Desta vez, com um público de mais de duas mil pessoas, das quais 1.684 são delegados representantes de todos os estados brasileiros.

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