No Vidigal, antenistas driblam as regras do mercado para moradores assistirem TV

Para que a comunidade do Morro do Vidigal assista televisão é preciso bem mais do que um clique de controle remoto. É preciso driblar as condições impostas pela geografia, pelo preconceito do asfalto com a favela e, principalmente, as regras do mercado.

O relato dos moradores da comunidade sobre o surgimento dos serviços de distribuição de sinal de televisão na comunidade, os chamados antenistas, mostra como as leis do mercado acabam deixando uma parcela importante da população sem acesso a serviços de comunicação. E como esta mesma população, ao se dar conta do processo de exclusão, contorna as regras mercadológicas para ter direito à assistir televisão.

A demanda por um serviço de distribuição de TV por cabo no Vidigal é óbvia. A geografia do morro, cercado de pedras, impede que os sinais de televisão aberta cheguem com qualidade à maioria das casas. Mas contam os moradores do Vidigal que apenas uma operadora já chegou a oferecer seus serviços na comunidade. A Net chegou com o seu serviço na favela há mais de 20 anos, fez as instalações em 10% da região e, alegando que os custos eram muito altos, retirou-se da comunidade.

Hoje, a Net só atende o Vidigal até onde há “os edifícios”, na rua principal. As vielas e becos ficaram todos sem o sinal. A lógica do mercado é simples: não vale à pena ter um gasto com tão baixo retorno financeiro em áreas populares. Poucos moradores têm condições de bancar a assinatura ao preço que é oferecido, quando lhes é oferecido.

A saída para o problema está na oferta feita por alguns moradores que se articularam e estenderam uma rede de cabos para uma área que hoje cobre aproximadamente 80% da comunidade. São os antenistas.

Ao todo, sete antenistas operam no Vidigal. Três deles com serviços de canais abertos e outros quatro com os de TV a cabo, cada um cobrindo determinado território da comunidade, separados uns dos outros. Devido à mesma geografia que impede a recepção dos sinais de TV aberta, as transmissões dos antenistas só funcionam a partir do sinal distribuído pela Net. Para os moradores, quem não adquire o receptor com os antenistas, não vê televisão.

Ronaldo L. da Silva é um dos antenistas. Ao montar a sua rede, abriu espaço para a distribuição do canal de maior sucesso na comunidade, a VDG TV [saiba mais] . Silva é pintor. Há seis anos, conseguiu um empréstimo e investiu na expansão dos cabos pela comunidade.

Conta o antenista que os canais distribuídos pela Net foram codificados há três anos, numa tentativa da operadora de impedir a distribuição paralela. Silva tornou-os acessíveis tomando como base a experiência de outras comunidades. Hoje, emprega dez pessoas. Todas trabalham de segunda a sábado, com um salário fixo mais uma comissão proporcional ao trabalho realizado na manutenção, atendimento e cobrança das assinaturas.

Negociações

Silva conta que em, um ano, participou de 10 reuniões com representantes da Net, uma delas realizada na sede da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no Rio, para se chegar a um acordo de oferta casada de serviços na comunidade: a operadora ofereceria a programação, enquanto os antenistas cuidariam da distribuição por um preço módico. Hoje, cobram R$ 15 pela assinatura dos serviços.

“Nosso interesse é a TV e não a internet e o telefone. A Net tem capacidade de colocar isso tudo. Ela estaria ganhando uma comissão minha da TV e ganharia também com a internet e o telefone. Então, seria um retorno bem grande pra quem hoje não tem nada, só perde”, afirmou. Segundo Silva, a Net propôs dobrar a tarifa para R$ 30. Este é praticamente o preço do “combo” popular oferecido pela Net aos moradores dos edifícios no pé do morro. Os antenistas defendem uma tarifa entre R$ 15 e 17.

O acordo com a Net terminaria com a instabilidade a que estão submetidos os antenistas, que prestam um serviço necessário na comunidade, mas sem o aval oficial da Net. Em seis anos, Silva perdeu muito dinheiro e equipamentos para a polícia. Ele acredita que a muitos moradores deixariam de assinar o serviço dos antenistas com a regularização. “Muita gente já não está pagando em dia o valor atual, mas com a legalização as pessoas não vão ter outra opção e, com o tempo, não vão querer ficar sem TV”, comenta. Segundo ele, mesmo ganhando menos, seria melhor a tranqüilidade do serviço legalizado, mas não há consenso entre os antenistas do Vidigal. Dos sete prestadores do serviço, só três estão interessados na negociação com a Net, sendo que um deles distribui apenas os sinais de TV aberta.

VDG TV e associação

“Seu” Paiva, marido de Marta Alves, criadora da VDG TV, acha que a legalização também facilitaria o trabalho do canal, cuja programação e inteiramente produzida no Vidigal, tem como foco a vida da comunidade e é distribuído hoje pelos antenistas [saiba mais] . Com isso, eles poderiam instituir seu canal de televisão juridicamente, o que permitiria viabilizar anúncios – “como os das Casas Bahia”, comenta seu Paiva – e concorrer em editais para arrumar algum financiamento. “Nós não estamos roubando material de ninguém. É uma produção local mesmo”, observou, lembrando que alguns serviços de fora poderiam chegar aos mais de 60 mil moradores.

O presidente da Associação de Moradores do Morro do Vidigal, José Valdir, diz que a “Net tinha de regularizar o serviço para todos”. “Os antenistas fazem um trabalho que é de necessidade da população. É uma saída que eles encontram”, comentou. Na associação, não há TV a cabo. O motivo: evitar problemas com a polícia, que volta e meia entra na favela para fazer apreensões. “Todo o investimento se perde em vão”, criticou.

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