Proposta de regulamentação privilegia operadoras de telecom

Acabou no último dia 5 de maio o prazo para contribuições à Consulta Pública nº 10, referente ao Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) prestado em regime público. Entre as 185 manifestações apresentadas, a inclusão do backhaul [infra-estrutura de tráfego de dados em banda larga] nas metas de universalização do STFC, viabilizada pelo decreto 6.424, de 2008, continua sendo o principal alvo de disputa entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as concessionárias de telefonia fixa e as entidades de defesa do consumidor. 

As metas de universalização do PGMU devem ser cumpridas pelas empresas que recebem concessão para exploração do serviço telefônico fixo em regime público. Elas são um dos instrumentos que o Estado utiliza, em razão da relevância social deste serviço, para que a exploração privada garanta amplo acesso da população a este e a eficiente utilização do dinheiro público, visto que as concessionárias desfrutam de incentivos da União, do direito à cobrança da assinatura básica e da possibilidade de acesso a fundos públicos destinados à universalização do setor.

Contudo, os últimos decretos aprovados para atualização do PGMU, bem como as propostas da Anatel para atualização do plano presentes na Consulta Pública nº 10, não representam, de acordo com entidades de defesa do consumidor, a melhor forma de garantir o interesse público na prestação deste serviço. Ao fim e ao cabo, as propostas em voga e as mudanças propostas pela Anatel permitem que as concessionárias, na maioria das vezes, tenham lucros exorbitantes, sem que isso seja repassado na forma de contrapartidas à população e sem fiscalização quanto ao cumprimento das metas de qualidade e universalização.

Regulamentação ilegal  

Em 2008, uma inusitada mudança no PGMU, a troca da metas de universalização de Postos de Serviço de Telecomunicações (PSTs) por backhauls desencadeou uma discussão em torno da legalidade do Decreto 6.424/08, que instituiu a alteração.  A polêmica reaparece em boa parte das 185 propostas apresentadas na Consulta Pública nº 10, que trata da atualização do PGMU vigente até 2010.

Para a Pro-Teste, uma das entidades de defesa do consumidor que moveu ação civil pública para discutir a legalidade da troca de metas do PGMU, esta substituição é o problema central da consulta. Segundo Flávia Lefèvre, advogada da entidade, ela fere o Artigo 86º da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que determina a exploração exclusiva, por parte das concessionárias, dos serviços de telefonia fixa, não sendo possível, portanto, a troca de metas por um serviço diferente do objeto da concessão.

A alteração é problemática também porque o backhaul, além de não ser da mesma natureza das redes de STFC, não é um serviço, é uma infra-estrutura de suporte à prestação dos Serviços de Comunicação Multimídia (SCM), sendo, portanto, desnecessária à execução do serviço de telefonia fixa. Diferentemente do STFC, o SCM funciona em regime privado. Desta maneira, a inclusão nos contratos de concessão da STFC das obrigações de implantação desta infra-estrutura que servirá a outros serviços será uma “justificativa para a manutenção da cobrança de altas tarifas para a assinatura básica da telefonia fixa. O acesso à este serviço no Brasil ainda é muito baixo porque os cidadãos das classes C, D e E não conseguem pagar a taxa de R$ 40 da assinatura básica. Isso é um desrespeito aos princípios da universalização e da garantia da concorrência, pois as concessionárias têm subsidiado a implantação de redes voltadas para outros serviços com a tarifa do STFC”, diz Lefèvre.

Ainda segundo a advogada, “a estrutura física do STFC já está universalizada, o que falta é criar condições para que as pessoas possam pagar pelo serviço de telefonia, que atualmente representa praticamente 10% do salário mínimo”. Como parte da manutenção da assinatura básica é justificada pela expansão da infra-estrutura, o preço da mensalidade, que poderia ser de R$ 14, é de R$ 40, sendo que a parte referente à expansão da infra-estrutura não está sendo mais usada para fins de telefonia fixa (já universalizada na oferta) e sim para fins de expansão do backhaul, sem que as pessoas que pagam por essa assinatura tenham, necessariamente, acesso a esse tipo de conexão.

Como o backhaul é uma infra-estrutura que chega apenas à entrada das cidades, o acesso pelos cidadãos ainda depende da formatação de um mercado de prestação do acesso à última milha. Para Levèfre, “essa mudança de metas, além de ser ilegal, pois viola vários dispositivos da LGT, inviabiliza a expansão do acesso à telefonia fixa, visto que a redução do valor empregado na implantação do backhaul, poderia ser reduzido da assinatura básica ampliando o acesso”.
 
Backhaul?

Outro problema que está posto é a falta de definição pela Anatel quanto aos elementos que compõem o backhaul. Esta indefinição contribui para a confusão que existe no processo de atualização do PGMU. Preocupado com esta questão, o pesquisador Gustavo Gindre fez a seguinte contribuição à Consulta Pública nº 10: “a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por má fé ou incapacidade técnica, continua estimulando a confusão sobre o conceito de backhaul, que passou a ser vital tanto para o futuro da cobertura de banda larga no país quanto para a definição dos bens reversíveis à União ao final dos contratos de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC).”

Longe de ser uma posição contra a ampliação do acesso à rede de infra-estrutura para banda larga, a postura defendida pelas entidades de defesa do consumidor tenta tornar legais e claras as regras das concessões para que a população e a União não saiam perdendo na negociação. Contudo, é necessário que, para isso, a legislação deixe claro o que é, de fato, o backhaul, como vão se dar os investimentos neste setor e como o poder público vai fiscalizar o cumprimento das metas estabelecidas para a exploração desse serviço.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o acesso à internet em banda larga deve ser ampliado. O problema é a forma como estas metas estão sendo impostas às concessionárias, sem que constem no contrato de concessão, o que pode deixar uma brecha e causar um prejuízo à população. “Como vão ser feitas as fiscalizações, como o poder público vai cobrar das concessionárias o cumprimento das metas de backhaul se o contrato firmado com elas é de telefonia fixa?” questiona Estela Guerrini, advogada do Idec.

Para Flávia Levèfre, a exploração do backhaul deve ser transformada também em serviço público e devem ser concedidas outorgas de exploração a partir do regime público, pois, assim como a telefonia fixa, a banda larga representa um serviço essencial e de interesse coletivo e deve ser universalizada, mas, sob seus próprios contratos e suas próprias metas. “Da forma como está [a proposta da consulta], as empresas que foram vendidas com a privatização do Sistema Telebrás com preço referente à exploração de um serviço hoje lucram com a exploração do grande filão do mercado de forma ilegal e, pior, em condições extremamente privilegiadas em relação às empresas competidoras, que não conseguem explorar em condições isonômicas os serviços de telefonia fixa e de comunicação de dados, hoje dominados em 83% e 72%, respectivamente, pelas concessionárias.”

Reversibilidade

Outra disputa presente nas discussões da consulta pública é sobre a reversibilidade do backhaul à União após o fim do contrato de concessão. Por conta da falta de clareza e ilegalidade de ação, não estava garantido nos contratos, segundo o Idec e a Pro-Teste, a reversibilidade do que foi construído de infra-estrutura de banda larga durante esse período em que as concessionárias deixaram de investir na universalização dos PSTs e passaram a investir no backhaul.

“A estrutura construída para expansão do backhaul integra a relação de bens reversíveis à União. Devemos ter toda a certeza de que isso não vai ficar em domínio das concessionárias”, afirma Estela Guerrini. Uma liminar concedida pela 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília e confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) na ação judicial movida pela Pro Teste suspendeu por cinco meses os efeitos dos aditivos aos contratos de concessão da telefonia fixa, firmados após a reformulação PGMU.

Apesar da liminar ter sido suspensa no dia 17 de abril, a entidade considera a causa vitoriosa, pois, com a suspensão dos aditivos, a Anatel foi obrigada a reformular o contrato deixando desta forma claro que o backhaul é um bem reversível. “Agora ficou claro que a rede que será construída com recursos da assinatura básica e Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) é patrimônio da União e será devolvida ao final dos contratos de concessão”, diz a matéria publicada na página da organização.

Críticas à Anatel

A principal crítica das organizações de defesa do consumidor à Anatel, além da não definição dos elementos que compõem o backhaul, está na falta de um modelo de custos para que as tarifas cobradas pelos serviços oferecidos pelas concessionárias sejam definidas em bases justas e garantam a modicidade tarifária e a universalização. O modelo de custos, assim como medidas de desagregação de redes, entre outras, já deveriam estar em vigor desde janeiro de 2006, ocasião em que foram prorrogados os contratos de concessão que só se encerram em 2025. "Porém, já estamos na época de revisão do contrato e a Anatel não conseguiu sequer fixar as tarifas de interconexão com segurança e equilíbrio", diz Lefévre.

Para tanto, a Anatel pôs em andamento uma nova consulta pública para definir a revisão qüinqüenal dos contratos de concessão do STFC, a revisão do Plano Geral de Metas de Qualidade (PGMQ) e a revisão do Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU), para o período de 2011 até 2015.

Mas, segundo Flávia Lefèvre, a chance para iniciar a mudança na proposta da Anatel para a nova consulta aberta, que é o contrato de concessão, não muda nada. “O que me pasmou nessa nova consulta pública é que as mínimas propostas apresentadas à sociedade não consideraram os enormes ganhos que as concessionárias vêm usufruindo em prejuízo do consumidor, há anos. Inclusive o benefício que estão tendo de prestar serviços diferentes da telefonia fixa que são proibidos por lei”, argumenta.

O novo processo de Consultas Públicas da Anatel sobre o STFC, para os quais são referentes às Consultas Públicas de nº 11, 13 e 14, estão no período de realização das audiências nos estados, que acontece até o final de maio. Estão sendo realizadas audiências em seis capitais: Manaus, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Florianópolis (ver agenda ). Contribuições ao processo podem ser enviadas também pela internet na página eletrônica da Anatel, através do Sistema Interativo de Acompanhamento de Consulta Pública.

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