TVs reagem à proibição da multiprogramação

"Proibir o uso da multiprogramação (ou multicasting) é algo que me parece estapafúrdio, pois cabe a cada emissora decidir sobre a conveniência ou não de usar esse recurso. Não há razão nem sentido para adotarmos a nova tecnologia digital se não pudermos usar livremente uma de suas vantagens principais." Assim reage Johnny Saad, presidente da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e da TV Bandeirantes (Band), diante da portaria do Ministério das Comunicações que proibiu o uso da multiprogramação pelas emissoras comerciais em suas transmissões de TV digital.

Em entrevista ao Estadão, Saad manifesta sua discordância em relação à decisão ministerial bem como "à posição da outra entidade" – a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) – que apoia a proibição do multicasting. Mesmo a TV Record, filiada à Abert, discorda da proibição. Segundo seu presidente, Alexandre Raposo, "proibir a multiprogramação é uma medida injustificável, já que a tecnologia escolhida pelo Brasil tem como uma de suas principais características o multicasting. A decisão de usá-lo, ou não, deve ser de exclusiva responsabilidade de cada emissora."

Medida ilegal

A Abra prepara ação judicial contra a proibição, por considerá-la ilegal, segundo afirma Walter Ceneviva, vice-presidente executivo da entidade e especialista em Direito da Radiodifusão. Para ele, "não há nada na legislação que regulamentou a TV digital no Brasil que autorize o Ministério das Comunicações a editar uma portaria ou norma com o objetivo de permitir ou restringir o uso da multiprogramação". Ceneviva lembra que ela foi uma das vantagens em que se apoiou o governo para escolher a tecnologia de TV digital adotada pelo Brasil. A multiprogramação possibilita a transmissão de até 4 programas em definição padrão (standard definition ou SD) de TV digital no mesmo canal de frequência de 6 Megahertz (MHz), em que se transmite um programa de alta definição (high definition ou HD). Mas, é claro, nenhuma emissora seria obrigada a utilizar o recurso.

Johnny Saad diz que as emissoras não foram ouvidas sobre o tema. Para ele, a alegada necessidade de testes para saber se a multiprogramação é vantajosa ou não para o País, "não passa de uma bobagem". E argumenta que a norma impede ainda outra vantagem do multicasting, que é a mobilidade, uma vez que as redes de TVs comerciais tinham e ainda têm projetos para implantação, por exemplo, de canais com programação específica para televisões digitais portáteis e para celulares.

A proibição fecha também as portas para novas formas de TV por assinatura que poderiam utilizar esse recurso da multiprogramação. Saad menciona a CNN, o Discovery Channel e o HBO, como exemplos de emissoras que, nos últimos 25 anos, nasceram da TV por assinatura – e não da TV aberta, dada a fragilidade do modelo de negócios baseado exclusivamente em receitas de publicidade: "Temos que enfrentar esse desafio, pois a TV paga está praticamente sem legislação e sem canais nacionais em número mínimo".

Cultura autorizada

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, voltou atrás na proibição imposta à TV Cultura quanto ao uso da multiprogramação e autorizou na quarta-feira passada a Fundação Padre Anchieta, entidade responsável pela emissora pública paulista, a usar o recurso do multicasting "em caráter científico e experimental" em seu canal digital.

A norma geral expedida em março pelo Ministério das Comunicações só autoriza o uso da multiprogramação pelas emissoras públicas federais. Todas as demais emissoras, comerciais ou mesmo as públicas estaduais, como a TV Cultura, foram proibidas de usar o recurso do multicasting, razão por que o Ministério das Comunicações obrigou a TV Cultura a tirar do ar seus dois novos subcanais em standard definition. Um deles era o da Univesp, com programas culturais do tipo universidade aberta, e o outro, o Multicultura, para programas de elevado nível cultural.

O ministério voltou atrás na semana passada, mas impôs todas as limitações e restrições possíveis à multiprogramação da TV Cultura, autorizada a utilizar esse recurso em caráter experimental, nos limites do artigo 13 do decreto-lei 236, de fevereiro de 1967, legislação típica da ditadura. Além de proibir qualquer publicidade comercial ou institucional o decreto-lei 236 define a televisão educativa como aquela que se destina "à divulgação de programas educacionais, mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates". Nos limites desse conceito, se a TV transmitir uma Olimpíada ou uma partida de futebol poderá ser punida por atividade "irregular e ilegal".

Outro ponto polêmico no despacho do ministro Hélio Costa é o que autoriza a TV Cultura a "testar a transmissão de sinais de radiodifusão de sons e imagens, com multiprogramação exclusivamente educativa na localidade de São Paulo". Como será possível à TV Cultura limitar-se à "localidade de São Paulo" e evitar que suas ondas eletromagnéticas cubram também as demais cidades da região metropolitana?

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