TV Brasil na berlinda: ex-diretores atacam gestão Cruvinel

Dois ex-integrantes da TV Brasil criticaram os rumos da emissora pública da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), presidida pela jornalista Tereza Cruvinel. O recém-demitido Leopoldo Nunes — que respondia pelo cargo de diretor de Programação — acusa a direção da EBC de realizar “uma verdadeira caça às bruxas”. Já Orlando Senna, ex-diretor geral da empresa, criticou a descaracterização da TV Brasil, registrando que “o projeto inicial foi para o brejo”.

Abrindo fogo diretamente contra Cruvinel, Leopoldo Nunes associa sua demissão a uma entrevista concedida ao site da Revista Fórum, em que condena a gestão da ex-jornalista da Globo à frente da TV Brasil. Ele acusa a direção da EBC de realizar “uma verdadeira caça às bruxas” pelas entrevistas que tem concedido sobre o episódio, ao saber que pessoas de sua equipe estão sendo demitidas — caso de Reinaldo Volpato, gerente regional de Programação em São Paulo.

Volpato foi demitido nesta terça-feira (28) pelo diretor geral da TV Brasil, Paulo Rufino, que teria alegado o corte em razão das entrevistas concedidas por Nunes à imprensa. Nunes rebate a EBC quando diz que sua demissão foi comunicada no dia 13, “diante da imperativa necessidade de avançar com mudanças nas áreas de produção e programação da TV Brasil. A pedido do diretor, concordou em conceder-lhe um prazo de 15 dias para o desligamento, durante o qual ele ficaria de licença e buscaria nova acomodação profissional”.

“Escrevi um documento e apresentei a Tereza para tratar da situação dentro da TV já que o programa para a emissora não vem sendo cumprido. Ela não gostou porque tinha críticas à gestão dela e me propôs que saísse. Eu era diretor. Por que tinha que pedir minha cabeça e não a dela?”, afirma Nunes. “Represento um projeto concreto, participei do projeto apresentado ao Fórum de TV Pública, pela Ancine. Disse a ela que conversaria com meus pares e depois voltaria a conversar com ela para decidir então o que fazer. Não saí de licença, não fui demitido naquele dia. Vou processá-la por dizer isso.”

O ex-diretor de Programação conta que fez viagens a trabalho até o último domingo (26) e que foi demitido oficialmente nesta segunda-feira (27) pelo ministro Franklin Martins. Também acusa a TV Brasil de realizar uma “caça às bruxas” por demitir pessoas que faziam parte da equipe dele. “Soube que o Paulo Rufino está demitindo por causa das entrevistas que estou dando à imprensa.”

A entrevista à Fórum

Na entrevista concedida à Fórum, Nunes fala de conflitos existentes dentro da TV Brasil entre aqueles que idealizaram o projeto de TV pública — que, como ele, são cineastas e pessoas ligadas ao Ministério da Cultura — e “pelos remanescentes de outras emissoras de televisão que não tem qualquer compromisso com esse projeto a não ser dizer ‘eu ajudei na Constituição de 1988’”.

Também critica a gestão de Tereza Cruvinel, acusando-a de atrapalhar seu trabalho quando, segundo ele, devolveu R$ 18 milhões que seriam aplicados na programação da emissora. “Viraram pó, superávit primário”, afirmou. “O projeto democrático de comunicação e de conteúdo está perdendo a luta interna. Uma luta, aliás, que não deveria existir.”

“No ano passado, por decisões equivocadas da presidência, rasgamos R$ 100 milhões em editais. Havia a possibilidade de se conseguir para a produção independente R$ 60 milhões de um programa chamado PEF (Programa Especial de Fomento) em parceira coma a Ancine (Agência Nacional de Cinema) e R$ 40 milhões que o Ministério da Cultura preparou para a TV pública, chamado `Mais Cultura´, que era destinado ao Audiovisual. Criaram tantas dificuldades que esse dinheiro não veio”, disse Nunes na entrevista.

“Ou seja, rasgamos R$ 100 milhões. Isso poderia ter significado uma revolução na produção audiovisual brasileira. Literalmente uma revolução. Mas ao contrário, travou-se uma disputa de poder interno, onde rolou a cabeça do Orlando Senna e do Mário Borgneth”, completou.

Vinculação “inaceitável”

Já Orlando Senna comentou, em uma troca de e-mails de lista dividida entre cineastas e produtores, as análises feitas sobre a TV Brasil com as quais ele não concorda. O texto já ganhou espaço na internet. O ex-diretor geral faz críticas à atual gestão da EBC e TV Brasil, ao que chama de vinculação de uma TV pública a uma Secretaria de Comunicação e ao “tipo de empresa que se tornou a TV Brasil”.

“Havia um projeto criado há quatro anos pelo Ministério da Cultura envolvendo cerca de 6 mil profissionais, com ativa participação do ministro Gilberto Gil e que está sendo montado por Tereza Cruvinel com vinculação à Secretaria de Comunicação Social”, declarou Senna, em entrevista ao Comunique-se. “A vinculação de uma TV pública à Secom, que cuida da relação do presidente Lula com a mídia e da distribuição de verbas publicitárias, é inaceitável. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. Essa vinculação desautoriza e descaracteriza a TV pública.”

Senna — que participa nesta semana de uma reunião do programa Doc TV Iberoamericano, com representantes de 14 países, em Buenos Aires, conta que os colegas de encontro “estão tristes com o que se tornou a TV Brasil”. “O projeto inicial foi para o brejo.” “Acho que esses representantes ficam mais chocados do que nós, brasileiros, com o que está acontecendo”, afirma. “A TV Brasil era a esperança de uma TV pública nova e moderna, que refletisse o conceito de uma TV pública. É um baque para todo o continente. Teremos que começar tudo de novo — e possivelmente só no próximo governo”, diz.

No texto, Senna afirma que “quem manda na empresa é, pela ordem, os globais ministro Franklin Martins e Tereza Cruvinel, que não só em declarações mas também em atos, deixam claro que não concordam com o projeto original”. Ele também critica o Conselho Curador, que segundo Senna, “nunca funcionou como tal, até funcionou ao contrário, negando-se a fazer audiências públicas, a dialogar com a sociedade e agora está esvaziando com a renúncia de conselheiros (dos que compareceram às duas ou três reuniões, alguns deles nunca deram as caras)”.

Também defende o demitido Leopoldo Nunes, acusando também a direção da empresa de não receber R$ 100 milhões oriundos do MinC e da Ancine “por absoluta incompetência”. Segundo ele, “18 milhões foram devolvidos aos cofres públicos graças ao inferno burocrático da empresa (perdemos 118 milhões, destinados à produção audiovisual independente)”.

O que diz a EBC

Por meio da Comunicação, a EBC informou que Nunes foi demitido no dia 13 e que “é natural que haja mudanças, que alguns cargos de confiança sejam substituídos”. Confirmou a demissão de Volpato e adiantou que Débora Peters, assessora de Nunes no Rio, pediu demissão. A EBC diz que usou quase todo o seu orçamento de investimento do ano passado com licitações para a compra de equipamentos. “O orçamento de custeio não é destinado exclusivamente a uma ou outra diretoria. Destina-se a custear todos os gastos da empresa, exceto gastos com pessoal, que constituem rubrica à parte”.

“O entendimento de que a EBC deixou de fazer uso de R$ 100 milhões de reais é falacioso e desonesto. O que o ex-diretor Mario Borgneth tentou em 2008 foi transferir para a EBC recursos da ordem de R$ 40 milhões destinados ao programa Mais Cultura Audiovisual. Se a EBC aceitasse esta transferência, vindo de outro órgão federal, teria descontado o mesmo valor de seu orçamento, também originários do Orçamento da União”, respondeu a empresa.

“Como os recursos do Mais Cultura (Projeto do Minc) eram carimbados para fomento à produção independente, a EBC estaria trocando recursos próprios por recursos destinados a terceiros. Teria perdido, por exemplo, parte dos recursos discricionários que destinou a investimentos em infra-estrutura e equipamentos, fundamentais à estruturação da EBC. A discordância da diretora-presidente resultou na saída do ex-diretor de Relacionamento”, complementou.

Segundo a atual gestão, “a EBC é uma empresa única no panorama do Estado brasileiro: é fiscalizada por um conselho curador composto majoritariamente por representantes da sociedade. Tem uma ouvidoria com ascendência sobre todos os canais. Seu diretor-presidente, por força de lei, tem mandato só revogável pelo Conselho Curador, o que lhe dá autonomia plena em relação ao ministro da pasta à qual é vinculada a empresa, seja esta pasta qual for. Nem o presidente da República pode demiti-lo”.

A EBC também afirma que “tem estatutos que lhe permitem, diferentemente de todas as estatais, definir sua própria estrutura administrativa, a partir do regimento, sem interferência do presidente da República”. Nada disso, até agora, impediu uma série de crises em torno da TV Brasil.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *