Novos serviços de telecom põem em xeque modelo regulatório

Ao longo do ano de 2008, agentes do setor de telecomunicações e dirigentes de órgãos estatais indicaram recorrentemente que a telefonia fixa, como conhecemos hoje, estaria chegando ao seu fim por conta das novas possibilidades tecnológicas trazidas pela convergência midiática. Esta "morte anunciada" e seus desdobramentos dominaram os debates do seminário "Política de (Tele)Comunicações", organizado anualmente pela revista especializada TeleTime, em parceria com o Centro de Economia, Tecnologia e Políticas das Comunicações (CCOM) da Universidade de Brasília.

No evento, foi colocada a seguinte questão: se a telefonia fixa é hoje o único serviço de telecomunicações prestado em regime público, portanto sujeito a obrigações como universalização, continuidade e controle de suas tarifas, uma suposta superação deste em novos serviços de voz convergentes implicaria também no fim do regime público para as atividades de telecomunicações? Se isso ocorresse, conseguiria apenas o mercado, operando em regime privado, atender o direito da população à comunicação por voz e dados?

A provocação foi apresentada pelo coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB, Murilo Ramos. Segundo ele, a troca das metas de universalização previstas nos contratos das concessionárias de telefonia fixa (de pontos de serviços de telecomunicações por backhauls) e a compra da Brasil Telecom pela Oi esgotam o modelo político-regulatório construído no processo de privatização da Telebrás. Neste quadro, é imperativa uma revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) para responder a estes desafios. "No atual modelo, os benefícios da universalização foram centrados no STFC [Serviço Telefônico Fixo Comutado]. No novo modelo, entre muitas dúvidas, coloco uma obrigação ao Estado: cabe oferecer à sociedade a melhor alternativa possível ao finado conceito de telefonia", defendeu.

Por fim, Ramos questionou os presentes se faria sentido a distinção entre telefonia fixa e móvel, se seria sustentável manter um serviço de comunicação multimídia quando caminha-se para a hegemonia do simples tráfego de dados, se deve ser mantido um modelo de TV por assinatura por pacotes quando há possibilidades de consumo mais personalizadas e se, frente aos limites do mercado, não seria necessário retomar a idéia de uma infra-estrutura estatal de telecomunicações.

Os representantes empresariais tergiversaram, mas acabaram por apresentar sua visão sobre o desafio central apresentado por Ramos. Alguns, como Antônio Carlos Valente, da Telefônica, foram mais entusiastas entoando o cântico da cobertura quase universal das comunidades em todo o país pela telefonia fixa. O secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins, desconstruiu o argumento com uma constatação evidente sobre os limites do STFC no país. "A universalização, e este é um ponto de reflexão, foi colocada apenas no nível da oferta. Precisamos trabalhar outro lado: quais mecanismos temos que utilizar para fazer com que pessoas tenham acesso a isso", disse.

Outros representantes empresariais, frente à evidência do problema, preferiram defender o modelo e criticar a falta de renda da população. "O que falta no Brasil é mercado. Onde há mercado tem competição e penetração", pontuou José Pauletti, da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix). Ou seja, se há um país com 180 milhões de pessoas no qual menos de 40 milhões têm telefones fixos e 150 milhões possuem celulares e fazem uma média de ligações feitas baixíssima, o desafio não está em adequar o modelo à realidade brasileira, mas o contrário.

A resposta de Pauletti ao dilema revelou a questão central. "Tem um mercado em que haverá competição, que pode pagar. E tem um mercado, que não pode pagar, que só será atendido ou com incentivo ou com obrigação. A questão é quem financia", afirmou. Na opinião unânime dos agentes empresariais, a conta deve ser paga pelo Estado.

Subsídios estatais

Um caminho seria o provimento de subsídios às empresas por meio da redução da carga tributária. "Você pode fazer uma desoneração seletiva, cobrando, assim como no imposto de renda, para o pessoal de mais baixa renda as tarifas mais baixas", sugeriu Roberto Blois, da Oi. "Hoje, do custo do serviço 50% são de impostos. Nós temos feito esforços com relação às fazendas públicas para que, em algumas regiões, tenhamos carga tributária menor. Infelizmente, não foi possível avançar nisso", reclamou Antônio Carlos Valente, da Telefônica.

Outro caminho seria o subsídio direto às pessoas de baixa renda, que poderia se dar por um programa específico ou mediante aplicação dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Emília Ribeiro, conselheira da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), lembrou que, pela atual legislação, o subsídio na forma de tarifas diferenciadas é proibido. "Sobre os subsídios, eu achei que isso era possível e logo descobri que não. A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] tem toda uma legislação específica para tarifa social, mas em telecom isso não existe", afirmou, apontando como solução o uso dos recursos do Fust. "Devemos utilizá-lo para garantir acesso aos serviços para o maior número possível de cidadãos", concordou o representante da Oi.

Não sendo possível o uso destes instrumentos, restaria a imposição de obrigações às operadoras. Roberto Pinto Martins, do Ministério das Comunicações, citou como exemplo o leilão da faixa de espectro usada para o chamado 3G da telefonia celular, que obrigou as concorrentes a ofertarem o serviço em áreas não rentáveis para obterem as licenças para locais com grandes mercados. A troca das metas de universalização das concessionárias de telefonia fixa também foi mencionada, uma vez que deve levar a infra-estrutura de tráfego de dados em alta velocidade até todos os municípios brasileiros.

Uma terceira frente de massificação da banda larga, acrescentou Emília Ribeiro, será o leilão das faixas de Wimax. Com toda esta oferta, concluiu, a tendência é que haja uma redução dos preços, ocasionando condições mais favoráveis de acesso ao serviço. "Os preços serão moderados conforme oferta do mercado, e é óbvio que, como estamos expandindo, os preços tendem a cair", previu.

Sem regime público

Em nenhuma das soluções apontadas por empresários ou por representantes dos órgãos reguladores, figurou a possibilidade de se criar uma nova modalidade de serviço de telecomunicações, que abarcasse a transmissão de voz e dados, em regime público. "Tenho uma série de restrições sobre até onde vai o serviço prestado em regime público", refletiu de maneira reticente Roberto Pinto Martins. Apenas Gustavo Gindre, integrante do Comitê Gestor da Internet do Brasil, defendeu explicitamente a necessidade de transformar a banda larga em um serviço público.

Sobre a possibilidade de implantar uma rede estatal com foco no atendimento da população de baixa renda, a resposta uníssona dos executivos foi "não", explicitando o receio da concorrência potencial de tal infra-estrutura. "Eu não vejo que seja viável que uma única infra-estrutura pública poderia disponibilizar todos os tipos de acesso para todos os prestadores privados. Se isso fosse possível, perderíamos vantagens da competição entre diversos meios de acesso e da exploração eficiente de rede", disse Roberto Blois.

Ao final do seminário, nenhuma surpresa. Se, durante a privatização e quebra do então monopólio estatal da Telebrás, os grupos empresariais aceitaram colocar a telefonia como serviço em regime público, não há nenhuma disposição neste sentido agora, em um cenário de liberalização e concentração crescente. Na racionalidade capitalista, as obrigações de universalização, o controle dos preços e os condicionamentos que visam adequar os serviços às necessidades das pessoas são vistos como empecilhos. Entre o direito das pessoas se comunicarem e o lucro, não há dúvida na opção pelo segundo.

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