Um olhar positivo sobre a fusão BrT-Oi

O professor do Departamento de Comunicação da PUC do Rio de Janeiro Marcos Dantas é um experiente conhecedor do jogo político na área das telecomunicações. É autor de livros sobre o tema, como “A Lógica do Capital Informação” (Ed. Contraponto, 1996), assessorou a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) e integrou o governo Lula como secretário de planejamento do Ministério das Comunicações na gestão Miro Teixeira (2003-2004) e secretário de educação à distância do Ministério da Educação (2004-2005).

Na polêmica compra da Oi pela Brasil Telecom, Dantas fica do lado daqueles que vêem o negócio como uma iniciativa positiva para o país. Na avaliação do professor, a fusão deveria ter ocorrido já no início do governo e, embora tenha acontecido apenas agora, seguindo uma demanda do mercado, a criação da nova tele é estratégica para fortalecer o país em um importante setor na atual fase de desenvolvimento do capitalismo.

Dantas considera muito positivas as condicionalidades impostas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a aprovação do negócio. O desafio agora é garantir a sua implantação e, em um futuro muito próximo, retomar a necessária agenda de reformular o marco regulatório das comunicações.

No dia 8 de janeiro foi concluída a aquisição das ações da Brasil Telecom pela Oi. Qual é a sua avaliação sobre o negócio?
Como eu sempre disse, o negócio é válido e necessário. Corrige, parcialmente, o erro do fatiamento da Telebrás, quando da privatização. Mas politicamente falando, deixou margem a muitas dúvidas que vêm sendo exploradas por uma imprensa que só sabe olhar para escândalos de ocasião, e não para as questões estratégicas. Do ponto de vista político, o governo agiu mal, porque agiu a reboque dos empresários. A fusão era uma solução que se impunha desde quando Lula assumiu em janeiro de 2003. No entanto, por medo do chamado "mercado" e também porque nunca teve e não tem uma política de comunicações, o governo só encaminhou o processo quando o próprio "mercado" passou a reclamá-lo.

Em concluída a fusão, quais são os desafios, perigos e questões mais importantes agora?
O desafio será implementar o ato 7.878 da Anatel, que viabiliza normativamente a fusão. Observe que se trata de uma "anuência prévia", isto é, a fusão pode vir a não se concretizar se as condicionalidades não forem cumpridas. Evidentemente, porém, todas as questões mais amplas relativas às comunicações brasileiras, inclusive uma total construção de um novo marco legal e normativo, ainda não estão resolvidas e poderão vir a ser ainda de mais difícil solução na medida em que se vão consolidando esses atos consumados do grande capital.

Como você analisa as condicionalidades impostas pelaAnatel? Elas são válidas? São suficientes?
Acho o Ato 7.828, um documento histórico! Chega a ser impressionante a quase nenhuma divulgação de seu conteúdo por parte da imprensa. Ele estabelece um conjunto de exigências de natureza pública, para a concretização da fusão. O primeiro compromisso importante é o da conexão de mais 300 de cidades, inclusive capitais estaduais do Norte do país, à infra-estrutura nacional já existente de fibra ótica, até 2015. Exige que a futura empresa leve a internet por banda-larga a todos os municípios de sua área de concessão (mais de 2 mil, dos quais somente uns 300 são atendidos hoje). Também deve atender, com cerca de 2 mil "kits" de recepção de TV, a unidades do Ministério da Saúde. Ou seja, há toda uma nova e direta política de universalização da banda-larga explicitada aí.
Outro ponto importantíssimo: passa a fornecer infra-estrutura, inclusive treinamento, para as atividades do Exército brasileiro nas fronteiras distantes. Também obriga a Oi a aplicar 100% dos recursos que deve destinar ao Funtel, em pesquisas de desenvolvimento industrial-tecnológico, para isso contratando centros de pesquisa do país, inclusive passando a apoiar as atividades da Rede Nacional de Pesquisa, além de praticar política de compra que favoreça o produto brasileiro, logo a geração de emprego e rendas no país.
Por fim, mas não por último, deve participar do projeto do satélite geoestacionário brasileiro. Sabe que projeto é esse? É um projeto para recuperar a soberania do Brasil sobre os seus satélites, que FHC entregou de bandeja aos estadunidenses. A Oi-BrT deve ainda manter a Anatel informada das suas possíveis atividades internacionais: ou seja, essas atividades começam a tomar a forma de uma política de Estado. São suficientes? Sempre se pode querer mais, mas considerando a completa ausência do governo e da Anatel, até agora, nessas questões, já é um grande avanço.

Há restrições à compra por grupos internacionais já com concessões de telefonia fixa no Brasil, mas não a outros grupos. Você vê riscos de desnacionalização da BrT-Oi? Quais seriam os prejuízo sem uma eventual venda dela a um conglomerado internacional?
Riscos sempre há. A Vale só não foi desnacionalizada devido a uma intervenção destemida do então presidente do BNDES, Carlos Lessa. Depois, ele foi exonerado pelo presidente Lula, como todos sabemos. A Embraer, apesar da "ação dourada" do governo, foi desnacionalizada: o então ministro da Aeronáutica foi exonerado, no governo FHC, quando quis exercer o seu poder de veto à venda da empresa ao capital estrangeiro. Logo, essa é uma questão que tem muito mais a ver com o sentimento de brasilidade dos que dirigem o país, do que com contratos de ocasião. Em todo o caso, teria sido bom, ainda que de efetividade duvidosa, que, nas condicionalidades impostas, o Estado assumisse uma "ação dourada".

Como você avalia o papel do governo e da Anatel no processo de fusão? E do BNDES?
Será interessante verificar o papel da Anatel. O Ato 7.828 marca uma mudança na postura política da Anatel. Certamente, algo mudou por lá e, muito possivelmente, essa mudança resulta da ida do embaixador Ronaldo Sardemberg e do advogado Antonio Bedran para o seu Conselho Diretor. Eles vêm de uma "escola" comprometida com o desenvolvimento brasileiro, ainda que, infelizmente, tenham aceitado colaborar com os tucanos, quando estes resolveram destruir as bases do nosso desenvolvimento, construídas por 50 anos. Mas eles eram, afinal, funcionários do Estado e como tal se comportaram. No entanto, têm visão sistêmica e estratégica.
Acredito, mas não tenho informação e posso estar errado, que boa parte desse ato se deve a eles. Por outro lado, segundo li nos jornais, os membros do Conselho da Anatel "indicados pelo PT", votaram contra. Votaram contra um ato que contém um conjunto de exigências perfeitamente de acordo com tudo pelo qual a base sindical e os intelectuais do PT lutaram por dez anos e que permitia recuperar, ainda que sob novas condições, a filosofia básica do antigo projeto da "Brasil Telecom" (transformar a Telebrás numa grande operadora nacional de comunicações, mesmo que parcialmente privatizada). Mudaram de lado ou foram muito mal indicados? Pergunte-se ao presidente Lula.

O que muda para o cidadão usuário de telecomunicações com a fusão?
Para começar, se as exigências da "anuência prévia" forem cumpridas, vai se expandir a infra-estrutura de banda larga do país, beneficiando milhões de brasileiros e brasileiras. Acho que pode vir por aí, também, uma importante redução na assinatura básica. Hoje, a assinatura básica responde por mais de 25% do total das receitas da Oi e da BrT. Se considerar apenas a telefonia local, as receitas com assinatura chegam a mais de 50% do total. A consolidação das duas empresas em uma só e a junção de seus mercados num grande mercado nacional permitirá ganhar escala, logo, reduzir as assinaturas. Obviamente, para que isso aconteça, a Anatel deverá continuar se comportando como passou a se comportar desde o ano passado, pois jamais devemos esperar bondades de empresários.

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