Justiça diz que troca de metas de universalização é obscura

No início desta semana, uma decisão da Justiça trouxe à tona novamente a polêmica sobre a mudança das metas de universalização para as concessionárias de telefonia fixa. Em abril deste ano, o governo federal publicou o Decreto 6.424, que substituiu a obrigação das operadoras de instalar Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) em todas as localidades do país pela exigência de disponibilização de uma infra-estrutura de tráfego de dados em alta velocidade (banda larga), denominada backhaul, até a entrada de todos os municípios brasileiros.

A juíza federal substituta da 6ª Vara do Distrito Federal, Maria Cecília de Marco Rocha, suspendeu o termo aditivo com as novas metas até que haja o julgamento do mérito da ação que vai definir sobre a reversibilidade do backhaul, ou seja, se após o fim do período de uma concessão, em caso de sua não renovação, esta infra-estrutura possa ser declarada como propriedade do Estado. A decisão da juíza foi motivada por uma ação do Instituto ProTeste, entidade de defesa dos direitos dos consumidores que ocupa uma das cadeiras no Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e que, nesta instância, vinha sistematicamente criticando o acordo que resultou no novo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU).

Segundo a juíza, a questão da reversibilidade do backhaul não está clara nos contratos atuais. Em um contrato de concessão de serviço telefônico fixo (STFC), para um bem ser reversível à União deve ser considerado essencial à prestação deste serviço. No entanto, a juíza apoiou-se em diversas manifestações de operadoras que atestam a não essencialidade desta infra-estrutura e reforçam o conseqüente entendimento de que não teria validade legal sua reapropriação após o vencimento das licenças.

Prejuízo certo

Em um terreno jurídico obscuro, argumenta a juíza, a execução das novas metas poderia trazer dois tipos de prejuízos consideráveis ao erário público. Mantida a lógica definida pelo governo e seja confirmada a reversibilidade, as empresas telefônicas poderiam pedir ressarcimento pelo fato de terem contado com este bem em seu patrimônio e por tal medida não ter sido explicitada no termo aditivo aos contratos. Na redação inicial do documento constava artigo afirmando o caráter reversível dos backhauls, mas o dispositivo foi suprimido um dia antes da aprovação da versão final.

Caso prevaleça o argumento da irreversibilidade, "o Estado terá gasto uma fortuna em recursos públicos para construir bem privado". Isso porque com a troca das metas, manteve-se o direito das operadoras de cobrança da assinatura básica, cobrada na conta de telefone para custear as metas de universalização da rede de telefonia fixa.

O valor da assinatura está hoje na casa dos R$ 40 e sua cobrança foi mantida nesta renovação de contratos. Isso permite que as empresas financiem a expansão de suas redes de tráfego de dados para utilizá-las depois com finalidade lucrativa, vendendo a capacidade dos backhauls a operadores de serviço de acesso à internet nas cidades, com dinheiro que deveria ser usado para expandir a rede de prestação de um serviço público.

Ministério contesta decisão

O mérito da decisão judicial foi criticado pelo Ministério das Comunicações. Ao noticiário “TeleTime”, o consultor jurídico da pasta, Marcelo Bechara, desqualificou a liminar emitida pela juíza por ela estar baseada nas opiniões dos concessionários. "As empresas, quando colocaram dúvidas sobre a reversibilidade, o fizeram em uma consulta pública. Consulta pública serve para que as empresas digam o que querem. Mas o que vale efetivamente é a posição da Anatel, e esta posição é clara: backhaul é bem reversível", afirmou.

Para a juíza, no entanto, a posição da agência não é clara nem sólida. No texto da decisão, ela julga contraditório o parecer da Anatel, "já que se consignou a reversibilidade e acolheram-se os argumentos em sentido contrário, calcados na tese de que o backhaul não é essencial ao STFC". O laudo técnico do órgão, ao justificar o por quê da retirada da cláusula que explicitava a reversibilidade da infra-estrura, assume que o bem foi incorporado ao serviço por ocasião das trocas das metas, sendo, portanto, algo novo. Mas toma como automática a compreensão de que ele integra o serviço de STFC.

"Não há norma ou estudo técnico especificando o que é o backhaul. Então como ele pode ser bem essencial à prestação do STFC ?", indaga Flávia Lefévre, do Instituto ProTeste e membro do Conselho Consultivo da Anatel. A entidade também foi alvo, indiretamente, das críticas do Minicom. Na avaliação de Marcelo Bechara, a iniciativa e a decorrente liminar só beneficiam as empresas, que desejariam uma decisão em favor da irreversibilidade do backhaul.

Banda larga em regime público

Em relação ao Programa Banda Larga nas Escolas, criado como grande contrapartida das concessionárias à troca das metas de universalização, Bechara afirmou que sua implantação torna-se mais difícil. Entretanto, o assessor do ministério garantiu que a suspensão das novas obrigações não significa barrar o provimento de acesso à internet a 55 mil escolas públicas previsto no projeto.

Segundo Flávia Lefévre, há um movimento de desqualificação da liminar baseado no argumento de que ela traz riscos à massificação da banda larga no país. "Os fins não justificam os meios. As politicas públicas devem ser feitas com a observância da lei e com observância do princípio da impessoalidade", responde. "Se o governo considera que o serviço de comunicação de dados, banda larga, é tão essencial, porque não o incluir entre os serviços de interesse coletivo no regime público? O artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações concede prerrogativa à União para fazer isso", desafia Flávia.

Outra medida que teria muito mais impacto na expansão do acesso à internet em alta velocidade, acrescenta, seria o cumprimento da diretriz expressa na LGT de desagregação das redes das concessionárias. Segundo Flávia, a medida “abriria o mercado para outros operadores e agentes e estimularia a redução do preço, bem como a melhoria da qualidade".

Ela também discorda da alegação de que a decisão da Justiça beneficia as empresas e lembra que as facilidades às concessionárias vêm sendo concedidas pelo Ministério das Comunicações e pela Anatel. Entre estas facilidades, a advogada da Pro Teste cita o prorrogamento do prazo para cumprimento das metas de universalização, a redução do número de terminais públicos a serem construídos e, agora, a garantia de as empresas custearem a expansão das redes de banda larga com a assinatura básica.

Reação conflituosa

Marcelo Bechara afirmou ao site “Telecom OnLine” que o Ministério irá entrar com recurso para reverter a decisão. "Vamos recorrer junto com a Procuradora da União, órgão da Advocacia Geral da União (AGU), para derrubar esta liminar. A argumentação é confusa e impede que o benefício da banda larga chegue à população que não dispõe do serviço". Procurada pela reportagem do Observatório do Direito à Comunicação, a assessoria da Anatel apenas afirmou que espera ser oficialmente notificada para tomar providências.

Um obstáculo à reação do governo contra a liminar é a posição das concessionárias de telefonia fixa. Embora tenham sido aliadas na articulação do acordo que resultou na troca das metas, a polêmica sobre reversibilidade opõe operadoras e Executivo Federal. Ao contrário do governo, as empresas defendem que o bakchaul não é bem reversível, já tendo manifestado sua posição na consulta pública sobre o tema realizada antes da alteração dos contratos.

Com isso, o Ministério das Comunicações pode perder um importante aliado na tentativa de garantir os termos aprovados no decreto publicado em abril. A reportagem do Observatório procurou a Associação Brasileira das Concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), mas não obteve retorno.

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