Relatores da ONU e OEA reforçam necessidade de mídia plural

Ao longo do século XX, a ampliação da comunicação de massa constituiu um ambiente que trouxe novas barreiras à efetivação da liberdade de expressão. Tão importante quanto poder falar, passou a ser fundamental ter os meios para se expressar em condições de ser efetivamente ouvido no debate público, feito sobretudo pela mídia. Com esta nova configuração da política e da cultura, aprofundada nas últimas três décadas, o conceito de liberdade de expressão tem de ser ampliado, incorporando especialmente a necessidade de garantia da pluralidade e da diversidade dos e nos meios de comunicação.

Esta é a opinião dos relatores para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Ambos participaram dos debates do seminário “Mordaças Invisíveis: Novas e Velhas Barreiras à Diversidade na Radiodifusão”, promovido pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias em Buenos Aires, nos dias 13 e 14 deste mês.

"O guarda-chuva da liberdade de expressão se ampliou. O direito começou protegendo os indivíduos e sofreu um giro conceitual importante. O que protege hoje a liberdade de expressão é a possibilidade de que exista debate público, vigoroso, aberto, plural. Não só poder falar, mas ter os meios para falar. Só este debate permite a liberdade de exercício da liberdade e autodeterminação democrática", defendeu a colombiana Catalina Botero, relatora da OEA.

De acordo com Frank LaRue, jornalista guatemalteco hoje ocupando o posto de relator da ONU para a Liberdade de Expressão, o conceito surgiu de uma visão liberal de direitos civis e políticos. O desafio atualmente é superar a noção do direito individual, atrelada a esta visão antiga, e fazer dele um direito coletivo, que permita aos povos falar seu idioma, expressar sua cultura e ter garantida qualquer manifestação coletiva pública. "É muito importante ampliar esta visão. A liberdade de expressão é fundamental como baluarte da democracia mas também é importante como direito da cidadania, pois deve lidar com a presença de sistemas plurais", argumentou.

Ele destacou que esta ampliação implica em uma mudança substancial da visão sobre o papel do Estado. Se antes ele era o principal violador da liberdade de expressão dos agentes privados, e, portanto, o inimigo a ser contido e combatido, agora a situação se inverteu: enquanto o Estado torna-se o principal ente que pode garantir uma regulação promotora de ambientes plurais e diversos na comunicação de massa, os grupos privados comerciais – cada vez mais organizados em conglomerados e monopólios – transformaram-se em um obstáculo à efetivação deste direito.

“Hoje, para garantir liberdade de expressão, é preciso um Estado atuante", apontou LaRue. Isso não significa, continua, esperar do Estado a resolução para que sejam extintas todas as barreiras à diversidade, mas vê-lo como arena que deve ser disputada pelas forças progressistas e que têm na pluralidade uma bandeira. Desta forma, as regulações poderão refletir estas concepções, em detrimento de seguirem protegendo a flexibilidade de ação dos grandes grupos de mídia.

Acesso dos segmentos excluídos

Para Catalina Botero, a reversão deste quadro passa primeiramente por regular a formação de monopólios e oligopólios que concentram a produção e difusão de informações nas mãos de poucos grupos. “Por que não há leis anti-monopólio para esta mercadoria vital? Devem existir leis deste tipo específicas para os meios de comunicação. Um primeiro caminho é este.”

No entanto, a relatora acrescentou que apenas assegurar a existência de competidores não é suficiente, pois não garante que sejam distintos. Para que haja uma efetiva diversidade, coloca-se como um imperativo viabilizar o acesso de segmentos marginalizados e minorizados da sociedade à arena midiática, o que passa atualmente pela operação de canais de rádio e TV por estes grupos.

Botero apresentou o que, para ela, seria uma distribuição justa no espectro de radiofreqüências: dividir os canais igualmente entre operadores comerciais, organizações destes setores excluídos e emissoras públicas. Os segundos cumpririam o papel de fomentar as vozes que normalmente não são contempladas nos meios de massa, enquanto os terceiros contemplariam conteúdos que não são nem rentáveis, nem representação da visão de segmento específico, mas que são importantes para o debate democrático.

Tanto a relatora da OEA quanto Frank LaRue bateram na tecla da importância das rádios comunitárias e na urgência de promover o seu fortalecimento. Para isso, é necessário incentivo à sua apropriação por minorias, bem como o combate às legislações e arbitrariedades de Estados nacionais que marginalizam esta modalidade de mídia.

Sentido clássico

Frank LaRue destacou que, se há este novo e difícil programa do pluralismo e da diversidade a ser perseguido, o sentido clássico da liberdade de expressão não pode ser esquecido. O relator citou casos de censura e abuso do poder estatal, freqüentes ainda no Oriente Médio e na Ásia, e de violência contra jornalistas, existente em todo o mundo mas acentuada em zonas de guerra e conflito.

Uma das questões mais delicadas relacionadas à liberdade de expressar-se em sentido estrito é o conjunto de limitações impostas por regimes com alta penetração de forças religiosas. "Os conflitos religiosos têm que incrementar a liberdade de expressão, e não reduzi-la", defendeu. "O Estado nunca deve meter-se no conteúdo da comunicação salvo estabelecer limitações, como frear os casos de discriminação e incitação à violência."

Os dois relatores citaram a América Latina como um campo fecundo de experiências que podem ser utilizadas como exemplo para o resto do mundo. Infelizmente, entre o rol de iniciativas a serem vistas como modelo estão não apenas as experiências de luta pela diversidade, mas também os ambientes e ações de governos e do mercado que obstaculizam o alcance de uma efetiva diversidade nos meios de comunicação no continente.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *