Inclusão digital ganha Carta de Belém

A inclusão digital avança no Brasil, vencendo barreiras como grandes distâncias, dificuldades de acesso e a precariedade de uma rede de proteção social em itens como educação básica de qualidade nos mais de 5.500 municípios. Essa é a primeira constatação que se tira da 7ª Oficina para Inclusão Digital, que terminou na sexta-feira (7), no Hangar – Centro de Convenções e Feiras da Amazônia.

O evento reuniu representantes de todos os estados do Brasil – foram mais de três mil participantes, grande parte deles pertencente ao movimento social, cujas lutas acompanham a própria mobilidade social do Brasil: poucos anos atrás, o alvo da luta era a pobreza, a falta de justiça social; hoje, é também a inclusão digital, o uso do computador como ferramenta econômica, social e cultural no mundo moderno, sempre em íntima relação com questões como o meio ambiente e a distribuição de renda.

O evento discutiu, em Belém, os principais temas envolvendo a informática, como o recondicionamento de computadores, a extensão do acesso por banda larga aos lugares mais distantes e crimes pela internet.

A semana, organizada pelo governo federal em cooperação com o governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (Sedect) e da Empresa de Processamento de Dados do Pará (Prodepa), é o principal fórum nacional de debate de temas envolvendo inclusão digital e tem dado significativas contribuições para o avanço do acesso ao computador no Brasil.

O secretário-adjunto da Sedect, João Weyl, agradeceu, no encerramento da semana, a todos os participantes e aos que, em Belém, ajudaram a concretizar a iniciativa. Weyl também destacou a importância do programa Navega Pará enquanto iniciativa relevante para a inclusão digital na Amazônia.

O Navega Pará é uma realização do governo do Estado em parceria com a Eletronorte, que cedeu quase dois mil quilômetros de fibra óptica que o governo, em projeto de cooperação técnica, transformou em serviços, como inclusão digital (serão cerca de 100 infocentros públicos e gratuitos até o final do ano, em mais de 50 municípios), além de interligar órgãos públicos por internet de alta velocidade e melhorar os serviços em áreas como educação, saúde e segurança.

“O Navega Pará é, na verdade, um sistema público de comunicação, estruturado numa região onde o acesso à internet é dificultado pelas grandes distâncias e difícil acesso, e que conseguimos viabilizar num tempo curtíssimo”, disse João Weyl. “O Navega é um exemplo nacional por combinar as tecnologias da fibra óptica com o rádio (Wi-max) e deve ganhar uma amplitude muito maior, interligando Estados, como o Maranhão, o Tocantins e o Amapá, com saída real para o exterior a partir das Guianas, projeto que já estamos debatendo”.

A 7ª Oficina para Inclusão Digital elaborou a Carta de Belém, que enumera as principais metas no tema da inclusão digital para o Brasil e para o Pará. Entre as metas, a universalização do acesso ao computador e à internet, a democratização do acesso aos conteúdos, o uso do computador para a inclusão social e o debate e encaminhamento de outros grandes temas, como desenvolvimento econômico e meio ambiente.

Leia a íntegra da Carta de Belém

Carta de Belém do Pará – VII Oficina para Inclusão Digital

Nesta sétima edição da Oficina de inclusão digital, entidades da sociedade civil envolvidas com os temas centrais das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento humano, econômico e social, apresentam sua pauta para a formulação de uma política pública, integradora neste campo. Esta carta expressa um consenso trabalhado a partir dos avanços já consolidados na VI Oficina de Salvador. Os que a subscrevem assumem o compromisso público de fazê-la circular amplamente entre gestores públicos nas diferentes esferas governamentais e repercuti-la junto às demais entidades da sociedade civil.

Desde a realização da primeira Oficina para inclusão digital, em 2001, o país vem alcançando parte das metas propostas pela sociedade civil para inclusão digital. Exemplos disso são as iniciativas de recondicionamento de equipamentos e metareciclagem; o uso e a migração para Software Livre nas iniciativas públicas e governamentais de inclusão digital; a política de desenvolvimento de Software Públicos e a criação de um Grupo de Trabalho para definir a integração das iniciativas de inclusão digital no País.

Superando obstáculos e divergências, construímos um discurso comum que orienta nossas ações. A inclusão digital está presente em várias ações do Governo Federal, que agora convergem para uma ação unificada.

Mas há uma questão grave, que tem impacto negativo sobre a causa da inclusão digital. Esta carta repudia o Projeto de Lei 84/99 (ex-PLC 89/03), que trata "dos crimes contra a segurança dos sistema informatizados". Aprovado no Senado no dia 9 de julho, este projeto continua em tramitação no Congresso Nacional. Entendemos que esta proposta inviabiliza a inclusão digital no Brasil. O projeto é nocivo para a sociedade, porque trata o compartilhamento de conhecimento como crime, sem a existência de uma legislação que trate de direitos na internet.

Os artigos 285-A, 285-B, 163-A, 171 e 22 implantam uma situação de vigilantismo na rede. Os defensores do projeto dizem que eles visam impedir ações criminais na internet, mas eles não serão eficazes para isso. Na verdade, abrem espaço para a violação de direitos civis básicos. Em síntese, o projeto coloca em risco a política de ampliação das redes abertas comunitárias de banda larga, a liberdade de compartilhamento, de expressão, de criação, de acesso, de privacidade e o direito ao anonimato.

Diante disso, reiteramos nosso repúdio ao Projeto de Lei em questão. Propomos que ele seja retirado da pauta, porque sua aprovação vai coibir o avanço da liberdade de expressão e de criação. Propomos ainda que se abra um debate público com todos os interessados, na busca da criação de uma nova lei que regule adequadamente o tema. Sem ferir as redes abertas, a liberdade de expressão e a inclusão e a cultura digital.

Nós insistimos que o Brasil precisa de uma política pública integrada que coloque a cidadania no horizonte da sociedade da informação. Sendo assim, reivindicamos um conjunto de ações gerais para uma política pública de tecnologias de informação e comunicação a serviço da inclusão digital:

1.Que todas as esferas de governo desenvolvam e implementem planos de inclusão digital como forma de integrar ações, racionalizar e otimizar recursos públicos. É importante que a sociedade civil visualize de forma precisa qual ente governamental coordena e responde pelas ações de inclusão digital, de forma a poder participar do debate, contribuir e fiscalizar;

2.Que se amplie e dissemine o debate com toda sociedade civil visando construir consenso para avançar na implementação de marcos regulatórios e de políticas públicas que assegurem a sustentabilidade e permanência de iniciativas de inclusão digital. Isso vai superar os obstáculos que se interpõem num contexto de descontinuidades geradas pelas mudanças de gestão;

3.Que os diversos programas sociais e políticas públicas, voltados para assistência social, criança e adolescente, inserção produtiva, educação de jovens e adultos tenham como um de seus componentes as ações de inclusão digital;

4.Liberação imediata dos fundos públicos, em especial do FUST, para a implantação de programas e projetos de inclusão digital por parte dos governos federal, estaduais e municipais, bem como diretamente por organizações da sociedade civil;

5.Uma política pública que estimule a redução significativa dos preços de conexão à Internet, tanto para o usuário final como para os provedores locais de serviços de Internet;

6.Assegurar recursos públicos e um marco legal habilitador para a implementação de estratégias de municípios digitais que contemplem projetos de inclusão digital públicos e gratuitos como redes de conexão à internet comunitárias, telecentros comunitários e conexões compartilhadas;

7.Monitoramento sistemático e regular das metas de universalização dos contratos de concessão na área de telecomunicações, para garantir amplas facilidades para iniciativas locais de inclusão digital;

8.Acesso isonômico aos pontos de presença das espinhas dorsais em cada município, tanto para provedores de serviços locais como para iniciativas de inclusão digital, bem como garantia regulatória que esses pontos de presença tenham banda de alta disponibilidade à medida que expandam sua utilização no município;

9.Que as iniciativas de inclusão digital se aliem a um verdadeiro processo de democratização dos meios de comunicação, reconhecendo e incrementando as rádios comunitárias;

10.Que as iniciativas de inclusão digital assegurem uma gestão participativa das comunidades onde estão localizadas e que este seja um critério preponderante nos editais públicos;

11.Que as políticas de inclusão digital fomentem o associativismo, o cooperativismo e as ações de economia solidária;

12.Fortalecer e incentivar iniciativas de inclusão digital que promovam as línguas, os dialetos, as identidades culturais, regionais e étnicas;

13.Que os planos de inclusão digital venham acompanhados de medidas efetivas de promoção da transparência e acesso livre à informação pública e de avanços de políticas de governo eletrônico, ocasionando uma maior participação da sociedade na esfera pública;

14.Que os ambientes de inclusão digital estejam de acordo com a legislação vigente no país e acordos internacionais que tratam a questão da acessibilidade, garantindo às pessoas com deficiência o acesso aos bens e serviços públicos;

15.Implementar ações eficazes junto aos incluídos digitalmente, trabalhando de forma crítica e construtiva o tema da conscientização sócio-ambiental;

16.Incentivo a iniciativas de inclusão digital relacionadas à formação, produção e compartilhamento de informação, conteúdo e de conhecimento;

17.Que o desenvolvimento da TV digital garanta a interatividade plena a todos os cidadãos e cidadãs, viabilizando a interface entre TV e serviços IP, além da produção e difusão de conteúdos livres pela sociedade civil, com a garantia de canais públicos de veiculação disponíveis no espectro em todos os municípios em que a tecnologia for implementada e sem limitação de cópias em alta definição para materiais com licenças abertas;

18.Que as políticas públicas de inclusão digital incluam as questões de gênero, raça, LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros), os povos indígenas, quilombolas, assentamentos rurais e as comunidades de pescadores;

19.O Governo Federal deve, de forma efetiva, investir e alavancar investimentos para iniciativas de inclusão digital através da criação de um sistema que viabilize recursos para a remuneração dos que trabalham diretamente nas unidades instalada dos projetos;

20.Incentivar a criação de redes de formação continuada dos recursos humanos que trabalham em projetos de inclusão digital, assim como de redes de compartilhamento e de trocas de experiências e conteúdos;

21.Que os planos de inclusão digital e programas de expansão de conectividade e infra-estrutura lógica fomentados pela esfera pública cheguem às regiões remotas e isoladas, bem como localidades de baixa densidade populacional;

22.Apoiar a consolidação do sistema brasileiro de governança da Internet, conduzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), para estimular o debate nacional sobre os temas da governança da Internet discutidos nos fóruns internacionais;

23.Reafirmamos a defesa da realização de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla, democrática e participativa, construída a partir de etapas locais e regionais, com apoio e participação dos setores envolvidos em projetos de inclusão digital;

24.Reivindicamos a criação em lei do Conselho Nacional de Inclusão Digital, com ampla participação de entidades da sociedade civil e movimentos sociais. O conselho deve participar da definição das principais diretrizes da política pública de inclusão digital do país, bem como do co-gerenciamento dos recursos públicos previstos para esse fim. A iniciativa deve ser replicada nos Estados e Municípios;

25.Que os planos e ações de inclusão digital venham acompanhados de metodologias e projetos pedagógicos, que levem em conta as particularidades regionais, e agregue possibilidades de integrar didática, formação humana e profissional.

Subscrevem esta carta:

Cidadania Digital
Coletivo Digital
Intervozes
Associação Software Livre
Rede Marista de Solidariedade (RS)
Rits
Sampa.org
Projeto Saúde & Alegria"

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *